Theon tocou o fio de ouro, sem encontrar palavras. Tinha esquecido. Foi há tanto tempo… Pelo Costume Antigo, só as mulheres se decoravam com ornamentos comprados com moeda. Um guerreiro usava apenas as joias que tirasse dos cadáveres de inimigos mortos pelas suas mãos. Chamava-se isso de pagar o preço de ferro.
– Fica vermelho como uma donzela, Theon – seu pai ralhou. – Foi feita uma pergunta. Foi o preço de ouro que pagou ou o de ferro?
– O de ouro – Theon admitiu.
O pai enfiou os dedos sob o colar e deu um puxão tão forte, que poderia ter arrancado a cabeça de Theon se a corrente não tivesse se quebrado primeiro.
– Minha filha tomou um machado como amante. Não permitirei que meu filho se enfeite como uma prostituta – deixou o fio partido cair no braseiro, onde desapareceu por entre os carvões. – É como eu temia. As terras verdes tornaram-no mole, e os Stark transformaram-no em um deles.
– Engana-se – Theon reagiu. – Ned Stark era meu carcereiro, mas meu sangue ainda é de sal e ferro.
Lorde Balon virou-se e aqueceu as mãos ossudas sobre o braseiro.
– E, no entanto, o filhote Stark manda você até mim como um corvo bem treinado, agarrado à sua pequena mensagem.
– Não há nada de pequeno na carta que trago. E a oferta que faz foi a que eu lhe sugeri.
– Então, este rei lobo presta atenção aos seus conselhos? – a ideia parecia divertir Lorde Balon.
– Sim, ele presta atenção em mim. Cacei e treinei com ele, partilhei comida e bebida com ele, guerreei ao seu lado. Conquistei a sua confiança. Olha para mim como a um irmão mais velho, ele…
– Não – seu pai brandiu um dedo em frente dos seus olhos. – Não aqui, não em Pyke, não onde eu puder ouvir, não vai chamá-lo de irmão, este filho do homem que passou seus verdadeiros irmãos na espada. Ou terá se esquecido de Rodrik e de Maron, que eram do seu sangue?
– Não me esqueci de nada.
Ned Stark, na verdade, não havia matado nenhum dos seus filhos. Rodrik fora morto por Lorde Jason Mallister em Guardamar, e Maron morrera esmagado no colapso da antiga torre sul… Mas Stark teria acabado com eles com a mesma facilidade, caso a maré da batalha tivesse calhado de juntá-los.
– Lembro-me muito bem dos meus irmãos – Theon continuou. Lembrava-se principalmente das bofetadas que Rodrik lhe dava quando se embebedava e das brincadeiras cruéis e mentiras sem fim de Maron. – Também me lembro de quando meu pai era um rei – tirou a carta que Robb tinha lhe dado e a apresentou. – Aqui está. Leia-a… Vossa Graça.
Lorde Balon quebrou o selo e desdobrou o pergaminho. Seus olhos negros saltitaram de um lado para outro.
– Então o rapaz quer me dar uma coroa de volta. E tudo o que tenho de fazer é destruir os seus inimigos – seus lábios finos retorceram-se num sorriso.
– A esta altura, Robb deve estar montando cerco ao Dente Dourado – Theon disse. – Quando o Dente cair, atravessará os montes em um dia. Lorde Tywin e sua tropa estão em Harrenhal, separados do oeste. O Regicida é mantido cativo em Correrrio. Só resta Sor Stafford Lannister e os recrutas inexperientes, que tem andado reunindo para enfrentar Robb no oeste. Sor Stafford não terá alternativa a não ser colocar-se entre o exército de Robb e Lanisporto… O que significa que a cidade estará indefesa quando cairmos sobre ela vindos do mar. Se os deuses estiverem conosco, até o próprio Rochedo Casterly poderá cair antes que os Lannister consigam sequer perceber que estamos em cima deles.
Lorde Balon soltou um grunhido.
– Rochedo Casterly nunca caiu.
– Até agora – Theon sorriu. E como isso seria bom.
Seu pai não devolveu o sorriso.
– Então é para isso que Robb Stark manda você de volta para mim depois de tanto tempo? Para que ganhe meu consentimento para este seu plano?
– O plano é meu, não de Robb – Theon falou orgulhosamente. Meu, tal como a vitória será minha, e, a seu tempo, a coroa. – Eu mesmo vou dirigir o ataque, se lhe agradar. Como recompensa, gostaria de pedir que me conceda domínio sobre Rochedo Casterly, depois de tomarmos o castelo dos Lannister – com o Rochedo, poderia dominar Lanisporto e as terras verdes do oeste, bem como os montes ricos em ouro que as rodeavam. Significaria riqueza e poder tais como a Casa Greyjoy nunca conhecera.
– Você se recompensa bem, por uma ideia e umas poucas linhas de garranchos – seu pai voltou a ler a carta. – O lobinho não diz nada sobre uma recompensa. Diz só que fala em seu nome, que devo escutá-lo e lhe dar minhas velas e espadas, e que, em troca, me dará uma coroa – seus olhos de sílex levantaram-se até encontrar os do filho. – Que me dará uma coroa – ele repetiu, com a voz tornando-se ríspida.
– Uma escolha ruim de palavras. O que quer dizer é…
– O que se quer dizer é o que se diz. O rapaz quer me dar uma coroa. E o que é dado pode ser tirado.
Lorde Balon atirou a carta no braseiro, juntando-a ao colar. O pergaminho encurvou-se, enegreceu e queimou-se. Theon ficou horrorizado.
– Enlouqueceu?
Seu pai lhe deu um forte tapa na cara com as costas da mão.
– Cuidado com a língua. Agora não está em Winterfell, e eu não sou Robb, o Rapaz, para que possa falar assim comigo. Sou Greyjoy, Senhor Ceifeiro de Pyke, Rei do Sal e Rocha, Filho do Vento Marinho e ninguém me dá uma coroa. Eu pago o preço de ferro. Tomarei a minha coroa, como Urron Redhand fez há cinco mil anos.
Theon recuou, afastando-se da fúria súbita no tom da voz de seu pai:
– Tome-a, então – cuspiu, sua face ainda formigando. – Proclame-se Rei das Ilhas de Ferro, ninguém vai se importar... Até que a guerra acabe, e o vencedor procure e encontre o velho tolo empoleirado em sua costa com uma coroa de ferro na cabeça.
Lorde Balon riu.
– Bem, pelo menos você não é um covarde. Não mais do que eu sou um tolo. Você acha que juntei meus navios para vê-los ancorar? Pretendo burilar um reino com fogo e espada... Mas não do oeste, e não a pedido do Rei Robb, o Rapaz. Rochedo Casterly é forte demais, e Lorde Tywin, muito astuto. Ah, podemos tomar Lannisporto, mas jamais o manteríamos. Não. Desejo uma ameixa diferente... Não tão suculenta nem doce, para ser sincero, mas que está lá no pé, madura e indefesa
Onde? Theon podia ter perguntado, mas então já sabia.
Daenerys
Os dothrakis chamaram o cometa de shierak qiya, a Estrela que Sangra. Os velhos resmungavam que era um prenúncio do mal, mas Daenerys Targaryen vira-o pela primeira vez na noite em que cremara Khal Drogo, quando então seus dragões despertaram. É o arauto da minha chegada, dizia a si mesma enquanto fixava os olhos no céu da noite com o coração maravilhado. Os deuses enviaram-no para me indicar o caminho.
Mas, quando expressou o pensamento em palavras, sua aia Doreah tremeu:
– Naquela direção ficam as terras vermelhas, Khaleesi. Um lugar sombrio e terrível, dizem os cavaleiros.
– A direção que o cometa aponta é a que temos de seguir – Dany insistiu, embora, na verdade, fosse a única aberta para ela.
Não se atrevia a virar para o norte, para o vasto oceano de mato que chamavam de mar dothraki. O primeiro khalasar que encontrassem engoliria seu esfarrapado bando, matando os guerreiros e escravizando os outros. As terras dos Homens-Ovelha ao sul do rio estavam igualmente proibidas. Eram poucos demais para se defenderem até desse povo pacífico, e os lhazarenos tinham poucos motivos para gostar deles. Poderia ter descido o rio na direção dos portos de Meereen, Yunkai e Astapor, mas Rakharo a prevenira de que o khalasar de Pono havia partido nessa direção, levando à sua frente milhares de cativos para vender nos mercados de gente que infestavam a costa da Baía dos Escravos.