– Há água ao norte. Pode ser um lago. Alguns montes de sílex se erguem a oeste, não muito altos. Nada mais para se ver, senhores.
– Poderíamos acampar aqui esta noite – sugeriu Smallwood.
O Velho Urso olhou de relance para cima, em busca de um vislumbre de céu por entre os galhos brancos e folhas vermelhas do represeiro:
– Não. Gigante, quanta luz do dia nos resta?
– Três horas, senhor.
– Avançamos para o norte – Mormont decidiu. – Se chegarmos a esse lago, poderemos montar o acampamento perto da margem e talvez pegar alguns peixes. Jon, vá buscar papel, já é mais que hora de escrever ao Meistre Aemon.
Jon tirou um pergaminho, uma pena e tinta da sua alforja e trouxe-os ao Senhor Comandante. Em Brancarbor, escreveu Mormont. A quarta aldeia. Tudo vazio. Os selvagens desapareceram.
– Procure Tarly e certifique-se de que ele ponha isto a caminho – Mormont disse enquanto entregava a mensagem a Jon. Quando assobiou, o corvo desceu batendo as asas e foi pousar na cabeça do cavalo. “Milho”, sugeriu a ave, balançando-se. O cavalo relinchou.
Jon montou seu garrano, deu meia-volta e afastou-se a trote. Para lá da sombra do grande represeiro os homens da Patrulha da Noite espalhavam-se por baixo de árvores menores, tratando dos cavalos, mastigando tiras de carne de vaca salgada, urinando, coçando-se e conversando. Quando foi dada a ordem de partida, as conversas morreram, e os homens voltaram a subir nas selas. Os batedores de Jarman Buckwell foram os primeiros a avançar, com a vanguarda comandada por Thoren Smallwood, encabeçando a coluna propriamente dita. Depois vinha o Velho Urso com a força principal, Sor Mallador Locke com o comboio de abastecimentos e os cavalos de carga e, por fim, Sor Ottyn Wythers e a retaguarda. Duzentos homens ao todo, com uma vez e meia esse número em montarias.
Durante o dia, seguiam rastros de animais e leitos de córregos, as “estradas dos patrulheiros”, que os levavam a penetrar cada vez mais profundamente na natureza selvagem das folhas e raízes. À noite, acampavam sob um céu estrelado e admiravam o cometa. Os irmãos negros tinham deixado Castelo Negro com boa moral, brincando e trocando histórias, mas nos últimos dias o silêncio pensativo dos bosques parecia ter deixado todos melancólicos. As brincadeiras tinham se tornado mais escassas, e a paciência, mais curta. Ninguém admitia que tinha medo, afinal de contas, eram homens da Patrulha da Noite. Mas Jon conseguia sentir o mal-estar. Quatro aldeias vazias, nem um selvagem em parte alguma, até a caça parecia ter fugido. Mesmo os patrulheiros veteranos concordavam que a floresta assombrada nunca parecera tão sombria.
Enquanto avançava, Jon descalçou a luva para arejar os dedos queimados. Coisas feias. De repente lembrou-se de como costumava despentear o cabelo de Arya. A varetinha da sua irmã. Perguntou-se como ela estaria. Deixou-o um pouco triste pensar que talvez não voltasse a despentear seu cabelo. Ficou flexionando a mão, abrindo e fechando os dedos. Sabia que se deixasse que sua mão da espada se tornasse rígida e desajeitada, isso poderia significar o seu fim. Para lá da Muralha, um homem necessitava da sua espada.
Foi encontrar Samwell Tarly, com os outros intendentes, dando água aos cavalos. Tinha de cuidar de três: a sua montaria e dois cavalos de carga, cada um carregado com uma grande gaiola de metal e vime cheia de corvos. As aves bateram as asas ao ver que Jon se aproximava e gritaram para ele através das barras. Alguns dos guinchos soavam de forma suspeita, como palavras.
– Tem ensinado as aves a falar? – perguntou a Sam.
– Algumas palavras. Três deles já conseguem dizer neve.
– Um pássaro crocitando meu nome já era ruim o suficiente – disse Jon –, e a neve não é nada de que um irmão negro queira ouvir falar – ela significava frequentemente a morte no Norte.
– Havia alguma coisa em Brancarbor?
– Ossos, cinzas e casas vazias – Jon entregou a Sam o rolo de pergaminho. – O Velho Urso quer enviar notícias a Aemon.
Sam retirou uma ave de uma das gaiolas, afagou suas penas, prendeu a mensagem nela e disse:
– Voa agora para casa, meu bravo. Para casa – o corvo crocitou qualquer coisa ininteligível em resposta, e Sam o atirou ao ar. Batendo as asas, abriu caminho para o céu por entre as árvores. – Gostaria que pudesse me levar com ele.
– Ainda?
– Bem – Sam respondeu –, sim, mas… Na verdade, já não estou tão assustado como antes. Na primeira noite, sempre que ouvia alguém se levantar para ir urinar pensava que eram selvagens que se esgueiravam e vinham cortar minha garganta. Tinha medo de fechar os olhos e não poder voltar a abri-los, só que… bem… a alvorada chegava, no fim – deu um sorriso abatido. – Posso ser um covarde, mas não sou estúpido. Estou dolorido e minhas costas doem de montar e de dormir no chão, mas já estou muito pouco assustado. Olha – Sam estendeu uma mão para Jon ver como estava firme. – Tenho andado trabalhando nos meus mapas.
O mundo é estranho, Jon pensou. Duzentos homens de coragem tinham deixado a Muralha para trás, e o único que não estava ficando mais temeroso era Sam, o covarde confesso.
– Ainda faremos de você um patrulheiro – brincou. – Daqui a pouco vai querer ser um batedor como Grenn. Devo falar com o Velho Urso?
– Não se atreva! – Sam puxou o capuz do seu enorme manto negro e subiu afobadamente no cavalo. Era um cavalo de trabalho, grande, lento e desajeitado, porém mais capaz de suportar seu peso do que os pequenos garranos que os patrulheiros montavam. – Tinha esperança de que pudéssemos passar a noite na aldeia – ele disse, melancólico. – Seria agradável voltar a dormir sob um teto.
– Não há tetos suficientes para todos.
Jon voltou a montar, ofereceu a Sam um sorriso de despedida e afastou-se. A coluna já tinha avançado bastante, por isso deu uma volta larga em torno da aldeia para evitar o congestionamento maior. Já tinha visto o bastante de Brancarbor.
Fantasma emergiu dos arbustos tão subitamente que o garrano se assustou e empinou. O lobo branco caçava bem longe da linha de marcha, mas não andava tendo melhor sorte do que os forrageadores que Smallwood enviava em busca de caça. Os bosques estavam tão vazios como as aldeias, disse-lhe Dywen junto ao fogo numa noite.
– Somos um grupo grande – Jon lhe respondera. – A caça provavelmente assustou-se com todo o barulho que fizemos na marcha.
– Assustou-se por causa de alguma coisa, sem dúvida – Dywen rebateu.
Depois que o cavalo se acalmou, Fantasma saltitou com facilidade a seu lado. Jon alcançou Mormont no momento em que o comandante ziguezagueava em torno de uma moita de espinheiros.
– A ave está a caminho? – perguntou o Velho Urso.
– Sim, senhor. Sam anda ensinando-as a falar.
O Velho Urso fungou:
– Vai se arrepender. Esses malditos fazem muito barulho, mas nunca dizem nada que valha a pena ouvir.
Avançaram em silêncio, até que Jon voltou a falar:
– Se meu tio também encontrou todas estas aldeias vazias…
– … teria assumido a missão de investigar por que – Lorde Mormont terminou por ele –, e pode bem ser que algo ou alguém não quisesse que se soubesse do motivo. Bem, seremos trezentos quando Qhorin se juntar a nós. Qualquer que seja o inimigo que nos espera adiante, não achará assim tão fácil lidar conosco. Vamos encontrá-los, Jon, prometo.
Ou eles vão nos encontrar, Jon pensou, mas não falou.
Arya
O rio era uma fita azul-esverdeada brilhando ao sol da manhã. Juncos cresciam espessos nos baixios ao longo das margens, e Arya viu uma cobra-d’água deslizar pela superfície, criando ondulações que se alargavam atrás de si. No alto, um falcão voava em círculos preguiçosos.