– Lembre-me de dizer isso ao Alto Septão – Tyrion retrucou. – Se pudesse orar com o meu pau, seria muito mais religioso – fez um gesto com a mão. – Vou aceitar com prazer sua sugestão.
– Chamarei minha filha. Venha.
A moça encontrou-se com ele ao pé da escada. Mais alta do que Shae, embora não tão alta quanto a mãe, teve de se ajoelhar para que Tyrion a beijasse.
– Meu nome é Alayaya – disse, apenas com o mais leve toque do sotaque da mãe. – Venha, senhor – pegou sua mão e o levou por dois lances de escadas e por um longo salão. Arquejos e guinchos de prazer vinham de trás de uma das portas fechadas, risinhos e sussurros de outra. O pênis de Tyrion fez pressão contra os cordões dos seus calções. Isso pode ser humilhante, pensou, enquanto seguia Alayaya por outra escada acima até o quarto do torreão. Havia apenas uma porta. Ela o conduziu para dentro e a fechou. Dentro do quarto havia uma grande cama com dossel, um guarda-roupa alto, decorado com gravuras eróticas, e uma janela estreita de vitral num padrão de diamantes vermelhos e amarelos.
– É muito bela, Alayaya – disse-lhe Tyrion quando ficaram a sós. – Dos pés à cabeça, cada parte sua é adorável. Mas, agora, a parte que mais me interessa é a língua.
– O senhor achará minha língua bem instruída. Quando era menina, aprendi quando usá-la e quando não.
– Isso me agrada – Tyrion sorriu. – Então, o que fazemos agora? Talvez tenha alguma sugestão?
– Sim. Se o senhor quiser abrir o guarda-roupa, encontrará o que procura.
Tyrion beijou sua mão e subiu para dentro do guarda-roupa vazio. Alayaya fechou-o nas suas costas. Apalpou em busca do painel traseiro, sentiu-o deslizar sob seus dedos e o empurrou para o lado até o fim. O espaço vazio por trás da parede estava negro como breu, mas Tyrion tateou até encontrar o metal. Sua mão fechou-se em torno de uma escada vertical. Encontrou um degrau mais baixo com o pé e começou a descer. Bem abaixo do nível da rua, o poço desembocou num túnel de terra inclinado, onde foi encontrar Varys à espera com uma vela na mão.
Varys não parecia em nada consigo próprio. Via-se uma cara marcada por cicatrizes e uma barba negra por fazer sob seu capacete de espigão, e usava cota de malha sobre couro fervido, com um punhal e uma espada curta no cinto.
– Chataya o satisfez, senhor?
– Quase demais – Tyrion admitiu. – Está certo de que podemos confiar nesta mulher?
– Não estou certo de nada neste mundo volúvel e traiçoeiro, senhor. Mas Chataya não tem motivo para gostar da rainha e sabe que tem de agradecer ao senhor por livrá-la de Allar Deem. Vamos? – ele avançou pelo túnel adentro.
Até seu jeito de andar é diferente, observou Tyrion. O cheiro de vinho amargo e alho grudava em Varys no lugar da lavanda.
– Gosto deste seu novo traje – Tyrion mencionou enquanto caminhavam.
– O trabalho que faço não me permite que cruze as ruas no meio de uma coluna de cavaleiros. Portanto, quando deixo o castelo, adoto aparências mais adequadas, e assim sobrevivo para servi-lo por mais tempo.
– O couro fica bem em você. Devia ir assim à nossa próxima sessão do conselho.
– Sua irmã não aprovaria, senhor.
– Minha irmã sujaria a roupa de baixo – ele sorriu na escuridão. – Não vi sinais de nenhum dos seus espiões me seguindo.
– Fico grato por ouvir isso, senhor. Alguns dos homens a soldo da sua irmã também estão ao meu, sem que ela o saiba. Detestaria pensar que tivessem se tornado tão descuidados que se deixassem ver.
– Bem, eu detestaria pensar que tivesse escalado por dentro de guarda-roupas e sofrido os tormentos do desejo frustrado para coisa nenhuma.
– Dificilmente será para coisa nenhuma – assegurou-lhe Varys. – Eles sabem que está aqui. Se algum será ousado o bastante para entrar na casa de Chataya disfarçado de cliente, não sei dizer, mas prefiro pecar pelo excesso de cautela.
– Como é que um bordel pode ter uma entrada secreta?
– O túnel foi escavado para outra Mão do Rei, cuja honra não lhe permitia entrar abertamente numa casa dessas. Chataya guardou com cuidado o conhecimento da sua existência.
– E, no entanto, você sabia.
– Os passarinhos voam por muitos túneis escuros. Cuidado, os degraus são íngremes.
Emergiram por um alçapão no fundo de um estábulo, depois de percorrerem talvez uma distância de três quarteirões por baixo da Colina de Rhaenys. Um cavalo relinchou na sua cocheira quando Tyrion deixou que o alçapão se fechasse com estrondo. Varys soprou a vela e escondeu-a numa viga, e Tyrion olhou em volta. As cocheiras estavam ocupadas por uma mula e três cavalos. Bamboleou-se até o castrado malhado e examinou seus dentes.
– Velho – disse – e tenho as minhas dúvidas quanto ao seu fôlego.
– Não é uma montaria apta a transportá-lo em batalha, é verdade – Varys respondeu –, mas servirá, e não chamará a atenção. Tal como os outros. E os cavalariços veem e ouvem apenas os animais – o eunuco tirou um manto de um cabide. Era de tecido grosseiro, desbotado pelo sol e puído, mas de corte muito amplo. – Se me der licença – passou o manto sobre os ombros de Tyrion, que o envolveu dos pés à cabeça, com um capuz que podia ser puxado para a frente de modo que escondesse seu rosto em sombras. – Os homens veem aquilo que esperam ver – disse Varys enquanto puxava e ajustava o manto. – Os anões não são uma visão tão frequente como as crianças, então, o que verão será uma criança. Um garoto com um manto velho no cavalo do pai, indo tratar dos assuntos do pai. Embora fosse melhor se desse preferência a vir de noite.
– Planejo fazê-lo… depois de hoje. Nesse momento, no entanto, Shae me espera. – Tyrion instalara-a numa mansão murada no canto nordeste de Porto Real, não muito longe do mar, mas não tinha se atrevido a visitá-la por receio de ser seguido.
– Que cavalo quer?
Tyrion encolheu os ombros.
– Este serve.
– Vou selá-lo para você – Varys tirou sela e arreios presos em um prego.
Tyrion ajustou o pesado manto e ficou andando impacientemente de um lado para o outro.
– Perdeu um conselho animado. Stannis coroou-se, ao que parece.
– Eu sei.
– Acusa meus irmãos de incesto. Pergunto a mim mesmo como terá chegado a tal suspeita.
– Talvez tenha lido um livro e visto a cor do cabelo de um bastardo, como Ned Stark e Jon Arryn antes dele. Ou talvez alguém tenha sussurrado ao seu ouvido – o riso do eunuco não foi a pequena gargalhada habitual, mas mais profundo e gutural.
– Alguém como você, por acaso?
– Sou suspeito? Não fui eu.
– Se tivesse sido, admitiria?
– Não. Mas por que trairia um segredo que guardei durante tanto tempo? Uma coisa é enganar um rei, outra bem diferente é esconder-se do grilo nos caniços ou do passarinho na chaminé. Além disso, os bastardos estavam aí para que todos os vissem.
– Bastardos de Robert? O que há sobre eles?
– Ele gerou oito, até onde sei – Varys respondeu enquanto lutava com a sela. – As mães eram de cobre e mel, castanha e manteiga, e, no entanto, os bebês eram todos negros como corvos… e igualmente de mau agouro, ao que parece. Portanto, quando Joffrey, Myrcella e Tommen deslizaram por entre as coxas da sua irmã, todos tão dourados como o sol, não foi difícil vislumbrar a verdade.
Tyrion balançou a cabeça. Se ela tivesse dado à luz um filho para o marido, teria sido o suficiente para desarmar a suspeita… Mas, nesse caso, não seria Cersei.
– Se não foi você quem soprou no ouvido dele, quem foi?
– Algum traidor, sem dúvida – Varys apertou a cilha.
– Mindinho?
– Não mencionei nenhum nome.
Tyrion deixou que o eunuco o ajudasse a montar.
– Lorde Varys – disse de cima da sela –, às vezes sinto que é o melhor amigo que tenho em Porto Real, e, às vezes, que é meu pior inimigo.