– Seu lobo tem dentes de aço para morder através de placa de aço e cota de malha?
– Basta! – a voz do Meistre Luwin abriu caminho através do clangor do pátio, sonora como um trovão. Bran não sabia dizer quanto da conversa o meistre tinha ouvido, mas era claro que havia sido o bastante para irritá-lo. – Essas ameaças são impróprias e não quero ouvir mais nenhuma. É assim que se comporta nas Gêmeas, Walder Frey?
– Se eu quiser.
De cima do seu corcel, o Pequeno Walder lançou a Luwin um olhar mal-humorado, como se dissesse: Você é só um meistre. Quem se julga para repreender um Frey da Travessia?
– Bem, mas não é assim que os protegidos da Senhora Catelyn devem se comportar em Winterfell. O que causou isso? – o meistre olhou para os garotos, um a um. – Um de vocês vai me contar, juro, senão…
– Estávamos brincando com Hodor – confessou Grande Walder. – Lamento se ofendemos o Príncipe Bran. Só queríamos ser divertidos – ele tinha, pelo menos, a elegância de parecer envergonhado.
O Pequeno Walder parecia apenas impertinente:
– Eu também – disse. – Só estava sendo divertido.
Bran via que o ponto calvo no topo da cabeça do meistre tinha se tornado vermelho; se havia alguma diferença, Luwin estava mais zangado do que antes.
– Um bom senhor conforta e protege os fracos e indefesos – ele disse aos Frey. – Não vou admitir que façam de Hodor o alvo de brincadeiras cruéis, estão me ouvindo? Ele é um rapaz de bom coração, cumpridor e obediente, o que é mais do que posso dizer de qualquer um de vocês – o meistre brandiu um dedo para o Pequeno Walder. – E você vai ficar fora do bosque sagrado e longe daqueles lobos, senão responderá por isso – com as mangas esvoaçando, girou sobre os calcanhares, deu alguns passos rápidos e lançou um olhar para trás. – Bran. Venha. Lorde Wyman espera.
– Hodor, siga o meistre – Bran ordenou.
– Hodor – o gigante ecoou. Seus longos passos alcançaram o bater furioso dos pés do meistre nos degraus da Grande Fortaleza. Meistre Luwin manteve a porta aberta, Bran abraçou o pescoço de Hodor e abaixou-se enquanto a atravessavam.
– Os Walder… – começou.
– Não quero ouvir mais nada sobre isso, acabou – Meistre Luwin parecia desgastado e esgotado. – Teve razão em defender Hodor, mas nunca deveria ter ido lá. Sor Rodrik e Lorde Wyman já quebraram o jejum enquanto o aguardavam. Tenho de vir em pessoa buscá-lo, como se fosse uma criança pequena?
– Não – Bran respondeu, envergonhado. – Lamento. Eu só queria…
– Eu sei o que queria – a voz de Meistre Luwin soou mais gentil. – Gostaria que isso fosse possível, Bran. Quer me fazer alguma pergunta antes de darmos início a esta audiência?
– Iremos falar de guerra?
– Você não irá falar de nada – a aspereza tinha voltado à voz de Luwin. – Você é ainda uma criança de oito anos…
– Quase nove!
– Oito – repetiu o meistre com firmeza. – Não diga nada além de cortesias, a menos que Sor Rodrik ou Lorde Wyman lhe façam uma pergunta.
Bran fez um aceno.
– Lembrarei disso.
– Não direi nada a Sor Rodrik sobre o que houve entre você e os rapazes Frey.
– Obrigado.
Puseram Bran na cadeira de carvalho do pai, com as almofadas de veludo cinza, por trás de uma longa mesa de armar. Sor Rodrik sentou-se ao seu lado direito e Meistre Luwin, ao esquerdo, armado com penas, frascos de tinta e um molho de pergaminhos em branco para escrever tudo o que acontecesse. Bran passou uma mão pela madeira áspera da mesa e pediu desculpas a Lorde Wyman pelo atraso.
– Ora, nenhum príncipe jamais se atrasa – o Senhor de Porto Branco respondeu amavelmente. – Os que chegam antes dele chegaram cedo, só isso – Wyman Manderly tinha uma grandiosa gargalhada ressonante. Pouco admirava que não conseguisse se sentar numa sela; parecia pesar mais do que a maioria dos cavalos. Tão eloquente como era vasto, começou pedindo a Winterfell que confirmasse os novos meirinhos que tinha nomeado para Porto Branco. Os antigos tinham andado segurando prata para Porto Real em vez de pagá-la ao novo Rei no Norte. – Rei Robb também precisa da sua própria moeda – declarou –, e Porto Branco é o lugar ideal para cunhá-la – ofereceu-se para se encarregar do assunto, se o rei desejasse, e depois passou a falar de como havia reforçado as defesas do porto, detalhando o custo de cada melhoramento.
Além de uma casa de cunhagem, Lorde Manderly também propôs construir uma frota de guerra para Robb.
– Há centenas de anos que não temos força no mar, desde que Brandon, o Incendiário, tocou fogo nos navios do pai. Concedam-me o ouro necessário, e ainda este ano porei para flutuar galés em número suficiente para tomar tanto Pedra do Dragão como Porto Real.
O interesse de Bran foi despertado pela menção feita a navios de guerra. Ninguém lhe perguntou, mas achou a ideia de Lorde Wyman magnífica. Na imaginação já conseguia vê-los e se perguntava se um aleijado havia alguma vez comandado um navio de guerra. Mas Sor Rodrik prometeu apenas enviar a proposta para consideração de Robb, enquanto Meistre Luwin arranhava o pergaminho.
O meio-dia chegou e passou. Meistre Luwin mandou Poxy Tym para as cozinhas e almoçaram no aposento privado queijo, capões e pão preto de aveia. Enquanto estraçalhava uma ave com dedos gordos, Lorde Wyman inquiriu polidamente a respeito da Senhora Hornwood, que era sua prima.
– Ela nasceu como uma Manderly, sabe? Talvez, quando seu luto terminar, queira voltar a ser uma Manderly, hein? – arrancou uma mordida da asa e deu um largo sorriso. – Ora, acontece que eu sou viúvo há oito anos. Já é mais que hora de tomar outra esposa, não concordam, senhores? Um homem se sente só – pondo os ossos de lado, estendeu a mão até a perna. – Ou se a senhora preferir um rapaz mais novo, bem, meu filho Wendel também não está casado. Ele foi para o sul a fim de guardar a Senhora Catelyn, mas sem dúvida desejará arranjar uma noiva na volta. Um rapaz valente e alegre, o homem certo para ensiná-la a rir de novo, hein? – limpou um pouco de gordura do queixo com a manga da túnica.
Bran ouvia o estrondo distante de armas que entrava pelas janelas. Não tinha o menor interesse em casamentos. Gostaria de estar lá embaixo no pátio.
O senhorio esperou, até que a mesa fosse limpa, antes de puxar o assunto de uma carta que tinha recebido de Lorde Tywin Lannister, que mantinha prisioneiro seu filho mais velho, Sor Wylis, capturado no Ramo Verde.
– Oferece-me sem resgate, sob a condição de eu retirar de Sua Graça meus recrutas e jurar parar de lutar.
– Irá recusar, é claro – Sor Rodrik exclamou.
– A esse respeito, nada temam – garantiu-lhes o lorde. – Rei Robb não tem servidor mais leal do que Wyman Manderly. No entanto, reluto em deixar meu filho em Harrenhal mais tempo do que o devido. Aquele lugar é mau. Dizem que é amaldiçoado. Não que eu seja o tipo de homem que engula essas histórias, mas, mesmo assim, é o que é. Vejam o que aconteceu àquele Janos Slynt. Feito Senhor de Harrenhal pela rainha e deposto pelo irmão dela. Enviado para a Muralha, segundo dizem. Peço para que alguma troca equitativa de prisioneiros possa ser acordada em breve. Sei que Wylis não gostaria de ficar esperando até a guerra acabar. Aquele meu filho é galante e feroz como um mastim.
Bran sentia os ombros rígidos por ter ficado sentado na mesma cadeira durante toda a audiência. E naquela noite, quando se sentava à mesa para jantar, soou uma trompa para anunciar a chegada de outro hóspede. A Senhora Donella Hornwood não trazia uma comitiva de cavaleiros e servidores; era apenas ela e seis fatigados homens de armas com uma cabeça de alce nas suas poeirentas fardas laranja.
– Lamentamos muito tudo o que tem sofrido, senhora – disse Bran quando ela veio à sua presença para saudá-lo. Lorde Hornwood havia sido morto na batalha do Ramo Verde, e seu único filho abatido no Bosque dos Murmúrios. – Winterfell vai se lembrar.