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Quando chegou ao bosque sagrado, o ruído tinha se reduzido a um tênue tinir de aço e gritos distantes. Sansa apertou-se mais no manto. O ar estava rico com os cheiros da terra e das folhas. Lady teria gostado deste lugar, pensou. Havia algo de selvagem num bosque sagrado; mesmo ali, no coração do castelo que se erguia no centro da cidade, podia-se sentir os deuses antigos observando com mil olhos invisíveis.

Sansa preferiu os deuses da mãe aos do pai. Adorava as estátuas, as imagens nos vitrais, a fragrância de incenso ardendo, os septões com suas togas e cristais, o mágico jogo de arco-íris nos altares incrustados de madrepérola, ônix e lápis-lazúli. Mas não podia negar que o bosque sagrado também possuía um certo poder. Especialmente à noite. Ajude-me, rezou, envie-me um amigo, um verdadeiro cavaleiro para ser meu campeão…

Deslocou-se de árvore em árvore, sentindo a aspereza da casca sob os dedos. Folhas rasparam no seu rosto. Teria vindo tarde demais? Ele não teria ido embora tão cedo, não é? Ou sequer teria vindo? Ousaria chamá-lo? O bosque estava tão silencioso e calmo…

– Temi que não viesse, menina.

Sansa rodopiou. Um homem saiu das sombras, corpulento, de pescoço grosso, trôpego. Usava uma toga cinza-escura com o capuz puxado para a frente, mas quando uma fina fatia de luar tocou seu rosto, ela o reconheceu de imediato, pela pele manchada e pela teia de veias rompidas por baixo dela.

– Sor Dontos – sussurrou, de coração despedaçado. – É o senhor?

– Sim, minha senhora – quando ele se aproximou, ela sentiu o fedor amargo do vinho no seu hálito. – Eu – o homem lhe estendeu uma mão.

Sansa encolheu-se.

Não! – ela enfiou a mão sob o manto, agarrando a faca escondida. – O que… o que quer de mim?

– Apenas ajudá-la – Dontos respondeu. – Tal como me ajudou.

– Está bêbado, não está?

– Só bebi uma taça de vinho, para ajudar a ganhar coragem. Se me apanharem agora, esfolarão minhas costas.

E o que farão a mim? Sansa deu por si pensando de novo em Lady. A loba podia farejar a falsidade, podia, mas estava morta, seu pai matara-a por causa de Arya. Puxou a faca e segurou-a na sua frente com ambas as mãos.

– Vai me apunhalar? – Dontos perguntou.

– Vou. Diga-me quem o enviou.

– Ninguém, querida senhora. Juro, pela minha honra como cavaleiro.

– Cavaleiro? – Joffrey tinha decretado que ele já não seria cavaleiro, apenas um bobo, ainda mais baixo do que o Rapaz Lua. – Orei aos deuses por um cavaleiro que viesse me salvar – Sansa disse. – Orei e orei. Por que me enviariam um velho bobo bêbado?

– Eu mereço isso, se bem que… Eu sei que é estranho, mas… durante todos estes anos em que fui cavaleiro, fui na verdade um bobo, e agora que sou um bobo, acho… acho que posso encontrar em mim o que é preciso para voltar a ser um cavaleiro, querida senhora. E tudo por causa da senhora… da sua graça, da sua coragem. A senhora me salvou, não apenas de Joffrey, mas de mim mesmo – a voz tornou-se mais baixa. – Os cantores dizem que houve antigamente outro bobo que foi o maior cavaleiro de todos…

Florian – Sansa sussurrou, e um arrepio percorreu sua pele.

– Querida senhora, quero ser o seu Florian – disse Dontos humildemente, caindo de joelhos à sua frente.

Lentamente, Sansa abaixou a faca. Sentia a cabeça muito leve, como se estivesse flutuando. Confiar-me a este bêbado é uma loucura, mas se virar as costas para ele, será que a possibilidade voltará a surgir?

– Como… Como o faria? Levar-me para fora daqui?

Sor Dontos ergueu o rosto.

– Tirá-la do castelo será o mais difícil. Uma vez fora, há navios que poderão levá-la para casa. Só necessitaria arranjar o dinheiro e fazer os preparativos, nada mais.

– Podemos ir já? – ela perguntou, quase sem se atrever a ter esperança.

– Hoje à noite? Não, senhora, temo que não. Primeiro tenho de arranjar uma maneira segura de tirá-la do castelo quando a hora chegar. Não será fácil nem rápido. Eles também me vigiam – lambeu os lábios com nervosismo. – Não quer guardar a sua lâmina?

Sansa enfiou a faca sob o manto.

– Levante-se, senhor.

– Obrigado, querida senhora – Sor Dontos pôs-se desajeitadamente em pé, sacudindo terra e folhas dos joelhos. – O senhor seu pai era um dos homens mais leais que o reino conheceu, mas eu fiquei e vi-os matá-lo. Nada disse, nada fiz… E, no entanto, quando Joffrey quis me matar, você falou. Senhora, nunca fui um herói, nunca fui nenhum Ryam Redwyne ou Barristan, o Ousado. Não ganhei torneios ou renome na guerra… Mas fui um dia cavaleiro, e a senhora me ajudou a recordar o que isso significava. Minha vida é coisa pouca, mas é sua – Sor Dontos pôs uma mão no tronco nodoso da árvore-coração. Sansa viu que ele estava tremendo. – Juro, com os deuses do seu pai por testemunhas, que a mandarei para casa.

Ele jurou. Um voto solene, perante os deuses.

– Nesse caso… vou me colocar nas suas mãos, sor. Mas como saberei que é tempo de ir? Vai me enviar outro bilhete?

Sor Dontos lançou um relance ansioso em volta.

– O risco é grande demais. Deve vir aqui, ao bosque sagrado. O tanto quanto puder. Este é o lugar mais seguro. O único lugar seguro. Mais nenhum. Nem nos seus aposentos, nem nos meus, nem nas escadas, nem no pátio, mesmo se parecer que estamos sozinhos. Na Fortaleza Vermelha as pedras têm ouvidos, e só aqui podemos falar livremente.

– Só aqui – Sansa repetiu. – Lembrarei.

– E se eu lhe parecer cruel, trocista ou indiferente quando os homens estiverem observando, perdoe-me, menina. Tenho um papel a desempenhar, e você deve fazer o mesmo. Um passo em falso e nossas cabeças adornarão as muralhas, assim como aconteceu com a do seu pai.

Ela fez um meneio.

– Compreendo.

– Terá de ser corajosa e forte… e paciente. Acima de tudo paciente.

– Serei – Sansa prometeu. – Mas… por favor… apresse-se o máximo possível. Tenho medo…

– Também tenho – Sor Dontos confessou, com um sorriso triste no rosto. – E agora deve ir, antes que notem sua ausência.

– Não vem comigo?

– É melhor que nunca sejamos vistos juntos.

Anuindo, Sansa deu um passo… Depois, girou nos calcanhares, nervosa, e deixou suavemente um beijo na cara dele, de olhos fechados.

– Meu Florian – sussurrou. – Os deuses ouviram as minhas preces.

Fugiu ao longo do passeio do rio, passando pela cozinha pequena e atravessando o pátio dos porcos, com os passos apressados perdendo-se por entre os roncos dos porcos nas suas pocilgas. Casa, pensou, casa, ele vai me levar para casa, ele vai me manter a salvo, o meu Florian. As canções sobre Florian e Jonquil eram as suas favoritas. Florian também era modesto, embora não fosse tão velho.

Corria em disparada ao longo da escada em caracol, quando um homem saiu de uma porta escondida. Sansa enroscou-se nele e perdeu o equilíbrio. Dedos de ferro seguraram seu pulso antes que caísse, e uma voz profunda rouquejou:

– É uma longa queda pelo caracol abaixo, passarinho. Quer nos matar? – a gargalhada dele era áspera como uma serra serrando pedra. – Talvez queira.

Cão de Caça.

– Não, senhor, mil perdões, nunca o faria – Sansa afastou os olhos, mas era tarde demais, ele tinha visto seu rosto. – Por favor, está me machucando – tentou se soltar.