Bem, aquela aldeia não era Winterfell, mas os telhados de sapé prometiam calor e abrigo e talvez mesmo comida, se tivessem coragem de se arriscar. A menos que seja Lorch quem esteja ali. Ele tinha cavalos; teria viajado mais depressa do que nós.
Observou da árvore durante muito tempo, à espera de ver alguma coisa, um homem, um cavalo, um estandarte, qualquer coisa que a ajudasse a saber. Vislumbrou algumas vezes movimento, mas os edifícios estavam tão distantes que era difícil ter certeza. Uma vez, com clareza, ouviu o relincho de um cavalo.
O céu estava cheio de aves, principalmente corvos. De longe, não pareciam maiores que moscas, enquanto rodopiavam e batiam as asas por cima dos telhados de sapé. Para leste, o Olho de Deus era um lençol azul batido pelo sol que enchia metade do mundo. Certos dias, enquanto avançam lentamente pela margem lamacenta (Gendry não queria ouvir falar de estradas, e até Torta Quente e Lommy viam o bom-senso disso), Arya sentia que o lago a chamava. Queria saltar naquelas águas plácidas e azuis, sentir-se limpa de novo, nadar, chapinhar e tostar ao sol. Mas não se atrevia a tirar a roupa onde os outros pudessem ver, nem mesmo para lavá-la. No fim do dia, era frequente sentar-se numa pedra e balançar os pés na água fria. Tinha finalmente jogado fora seus sapatos rachados e apodrecidos. A princípio, caminhar descalça foi difícil, mas as bolhas finalmente estouraram, os cortes sararam e as solas dos pés transformaram-se em couro. A lama era agradável entre seus dedos e gostava de sentir a terra sob os pés quando caminhava.
Dali de cima, podia ver uma pequena ilha coberta por floresta a nordeste. A trinta metros da costa, três cisnes negros deslizavam pela água, tão serenos… ninguém lhes dissera que a guerra havia chegado e em nada lhes importava vilas ardendo e homens massacrados. Olhou-os com desejo. Parte dela queria ser um cisne. A outra, comer um. Tinha quebrado o jejum com um pouco da pasta de bolota e um punhado de insetos. Os insetos não eram muito ruins depois de se habituar a eles. As minhocas eram piores, mas, mesmo assim, não eram tão ruins como a dor na barriga depois de dias sem alimento. Encontrar insetos era fácil, bastava dar um pontapé numa pedra. Um dia, quando era pequena, Arya tinha comido um inseto, só para fazer Sansa guinchar, e por isso não teve medo de comer outro. A Doninha também não tinha, mas Torta Quente vomitou o besouro que estava tentando engolir, enquanto Lommy e Gendry nem queriam experimentar. No dia anterior, Gendry apanhara uma rã e a dividira com Lommy, e, alguns dias antes, Torta Quente encontrara amoras silvestres e limpara completamente o arbusto, mas tinham subsistido principalmente de água e bolotas. Kurz lhes ensinara como usar pedras para fazer uma espécie de pasta de bolota. O gosto era horrível.
Gostaria que o caçador furtivo não tivesse morrido. Ele sabia mais sobre a floresta do que todos os outros juntos, mas tinha sido atingido por uma flecha no ombro enquanto puxava para dentro a escada da casa-torre. Tarber tinha feito nele um emplastro de lama e musgo do lago, e durante um dia ou dois Kurz jurou que o ferimento não era nada, embora a carne do seu pescoço estivesse se tornando escura, ao passo que fortes vergões vermelhos subiam pelo seu queixo e desciam para o peito. Então, uma manhã não conseguiu encontrar forças para se levantar e na seguinte estava morto.
Enterraram-no sob um montículo de pedras. Cutjack ficou com a sua espada e o berrante, enquanto Tarber se servia do arco, das botas e da faca. Levaram tudo quando partiram. A princípio, pensaram que os dois tinham ido caçar, que em breve voltariam com caça e os alimentariam a todos. Mas esperaram, e esperaram, até que, por fim, Gendry os obrigou a prosseguir. Talvez Tarber e Cutjack tivessem pensado que teriam melhores oportunidades sem um bando de órfãos para pastorear. E provavelmente teriam, mas isso não impedia que Arya os odiasse por terem partido.
Debaixo da árvore, Torta Quente latiu como um cão. Kurz lhes havia dito para usar sons de animais para se comunicar uns com os outros. Um velho truque de caçador furtivo, disse, mas morreu antes de poder lhes ensinar a fazer os sons direito. Os chamamentos de pássaro de Torta Quente eram horríveis. O cachorro era melhor, mas não muito.
Arya saltou do galho mais elevado para o inferior, com os braços abertos para manter o equilíbrio. Uma dançarina de água nunca cai. Ligeira, com os pés bem encaixados em volta do galho, deu alguns passos, deixou-se cair para um ramo maior e depois balançou com uma mão atrás da outra através do emaranhado de folhas até chegar ao tronco. A casca era áspera sob seus dedos das mãos e dos pés. Desceu com rapidez, saltando os últimos dois metros e rolando ao aterrissar.
Gendry a ajudou a se levantar.
– Esteve lá em cima muito tempo. O que viu?
– Uma aldeia de pescadores, um lugar pequeno, para norte, ao longo da costa. Contei vinte e seis telhados de sapé e um de ardósia. Vi parte de uma carroça. Tem alguém ali.
Ao ouvir sua voz, Doninha saiu dos arbustos. Lommy lhe dera aquele nome. Dizia que ela parecia uma doninha, o que não era verdade, mas não podiam continuar chamando-a de menina chorona depois de ela finalmente ter parado de chorar. Sua boca estava nojenta. Arya esperava que não tivesse andado outra vez comendo lama.
– Viu gente? – Gendry quis saber.
– Quase só os telhados – Arya respondeu –, mas saía fumaça de algumas chaminés e ouvi um cavalo – Doninha pôs os braços em volta da perna dela, agarrando-se bem. Agora fazia aquilo às vezes.
– Se há pessoas, há comida – disse, alto demais, Torta Quente. Gendry sempre lhe dizia para fazer menos barulho, mas não adiantava nada. – Pode ser que nos deem alguma.
– Também pode ser que nos matem – Gendry rebateu.
– Se nos rendermos, não – Torta Quente tinha um ar esperançoso na voz.
– Está parecendo Lommy.
Lommy Mãos-Verdes estava sentado, apoiado entre duas grossas raízes na base de um carvalho. Uma lança tinha penetrado sua panturrilha esquerda durante a luta no castro. Ao fim do dia seguinte, tinha de coxear sobre uma perna só, com um braço em volta de Gendry, e agora não conseguia sequer fazer isso. Tinham cortado galhos de árvores para lhe fazer uma liteira, mas levá-lo era trabalho lento e duro, e choramingava cada vez que davam um solavanco.
– Temos de nos render – Lommy insistiu. – Era isso o que Yoren devia ter feito. Devia ter aberto os portões, como eles disseram.
Arya estava farta de ouvir Lommy dizer que Yoren devia ter se rendido. Era só disso que falava enquanto o transportavam; disso, da perna e da barriga vazia.
Torta Quente concordou.
– Eles disseram a Yoren para abrir os portões, disseram-lhe em nome do rei. A culpa foi daquele velho fedorento. Se tivesse se rendido, tinham-nos deixado em paz.
Gendry franziu o cenho.
– Os cavaleiros e fidalgos tomam-se uns aos outros como cativos e pagam resgates, mas não se importam se gente como nós se rende ou não – virou-se para Arya: – O que mais viu?
– Se for uma aldeia de pescadores, aposto que nos venderiam peixe – Torta Quente falou antes dela. O lago estava cheio de peixe fresco, mas não tinham nada com que pudessem apanhá-los. Arya tentara usar as mãos, como tinha visto Koss fazer, mas os peixes eram mais rápidos do que pombos, e a água enganava seus olhos.