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– Quanto a peixe não sei – Arya deu um puxão no cabelo emaranhado da Doninha, pensando que talvez fosse melhor cortá-lo. – Há corvos perto da água. Tem alguma coisa morta lá.

– Peixes que foram levados à margem – Torta Quente interveio de novo. – Se os corvos os comem, aposto que nós também poderíamos.

– Deveríamos apanhar alguns corvos, poderíamos comê-los – a sugestão veio de Lommy. – Poderíamos fazer uma fogueira e assá-los como se fossem galinhas.

Gendry parecia feroz quando se mostrava carrancudo. Sua barba tinha crescido, espessa e negra como sarça.

– Eu já disse, nada de fogos.

– Lommy tem fome – lamentou-se Torta Quente –, e eu também.

– Todos temos fome – Arya confirmou.

Você não tem – Lommy cuspiu no chão. – Bafo de minhoca.

Arya podia ter dado um pontapé na sua ferida.

– Eu disse que desenterrava minhocas também para você, se quisesse.

Lommy fez cara de nojo.

– Se não fosse a minha perna, caçava uns javalis para nós.

– Uns javalis? – ela zombou. – Para caçá-los, precisa de uma lança para javalis e de cães e cavalos e de homens para fazer o javali sair da toca – seu pai caçava javali no bosque de lobos com Robb e Jon. Uma vez até tinha levado Bran, mas Arya nunca, embora ela fosse mais velha. Septã Mordane dizia que a caça ao javali não era para senhoras, e sua mãe limitava-se a prometer que, quando fosse mais velha, poderia ter seu próprio falcão. Agora era mais velha, mas, se tivesse um falcão, iria comê-lo.

– O que você sabe sobre caçar javalis? – Torta Quente a desafiou.

– Mais do que você.

Gendry não estava disposto a ouvir:

– Calem-se os dois, tenho de pensar no que fazer – parecia sempre dolorido quando tentava pensar, como se algo o machucasse muito.

– Renda-se – Lommy insistiu.

– Falei para se calar com a rendição. Nem sequer sabemos quem está lá. Talvez possamos roubar alguma comida.

– Lommy podia roubar, não fosse a perna – Torta Quente falou. – Na cidade ele era ladrão.

– Um mau ladrão – Arya rebateu –, senão, não tinha sido pego.

Gendry olhou o sol de soslaio.

– O cair da noite será a melhor hora para ir até lá. Eu vou fazer um reconhecimento quando escurecer.

– Não, eu vou – Arya protestou. – Você é muito barulhento.

Gendry pôs sua expressão conhecida no rosto.

– Vamos os dois.

– Devia ir o Arry – Lommy sugeriu. – É mais furtivo do que você.

– Vamos os dois, já disse.

– Mas e se não voltarem? Torta Quente não pode me levar sozinho, sabem disso…

– E há lobos – Torta Quente acrescentou. – Ouvi-os ontem à noite quando estive no meu turno. Pareciam estar perto.

Arya também os ouvira. Estava dormindo nos galhos de um olmo, mas os uivos tinham-na acordado. Tinha ficado acordada, sentada, durante uma hora, escutando-os, com um formigamento percorrendo sua espinha.

– E nem sequer nos deixa fazer uma fogueira para mantê-los afastados – Torta Quente reclamou. – Não está certo nos abandonar aos lobos.

– Ninguém os está abandonando – Gendry respondeu, descontente. – Lommy tem a sua lança para o caso de os lobos se aproximarem, e você estará com ele. Vamos só ver, só isso, vamos voltar.

– Seja quem for que está lá, deveríamos nos render – Lommy choramingou – Preciso de uma poção qualquer para a minha perna, dói muito.

– Se acharmos alguma poção para pernas, vamos trazê-la – Gendry prometeu. – Arry, vamos, quero me aproximar antes que o sol baixe. Torta Quente, mantenha a Doninha aqui, não quero que nos siga.

– Da última vez ela me deu um chute.

Eu é que lhe darei um chute se não a mantiver aqui.

Sem esperar resposta, Gendry colocou seu elmo de aço e se afastou.

Arya teve de correr para acompanhá-lo. Ele era cinco anos mais velho, e trinta centímetros mais alto do que ela, e também tinha pernas longas. Durante algum tempo, não disse nada, limitou-se a abrir caminho por entre as árvores com uma expressão zangada no rosto, fazendo barulho demais. Mas, por fim, parou e disse:

– Acho que Lommy vai morrer.

Arya não ficou surpresa. Kurz tinha morrido do seu ferimento, e ele era muito mais forte do que Lommy. Sempre que era sua vez de ajudar a transportá-lo, Arya via como sua pele estava quente e sentia o fedor que a perna exalava.

– Talvez encontremos um meistre.

– Só se encontram meistres em castelos e, mesmo se encontrássemos um, não sujaria as mãos em alguém como Lommy – Gendry esquivou-se de um galho baixo.

– Isso não é verdade – Arya estava certa de que o Meistre Luwin teria ajudado qualquer pessoa que o procurasse.

– Ele vai morrer e, quanto mais depressa isso acontecer, melhor para o resto de nós. Devíamos abandoná-lo e pronto, como ele mesmo diz. Se fosse eu ou você quem estivesse ferido, bem sabe que ele nos abandonaria – desceram uma fenda profunda e subiram do outro lado, usando raízes como corrimãos. – Estou farto de carregá-lo e também de toda aquela conversa sobre rendição. Se ele pudesse ficar em pé, enfiava seus dentes para dentro. Lommy não serve para ninguém. E aquela menina chorona também não.

– Deixe a Doninha em paz, ela está só assustada e com fome, é isso.

Arya olhou para trás, pela primeira vez a garota não os estava seguindo. Torta Quente devia tê-la agarrado, como Gendry lhe tinha dito para fazer.

– Não serve para nada – Gendry repetiu teimosamente. – Ela, Torta Quente e Lommy estão nos atrasando e ainda vão fazer com que nos matem. Você é o único membro do grupo que vale alguma coisa. Mesmo sendo uma menina.

Arya congelou.

Não sou uma menina!

– É sim. Acha que sou tão estúpido quanto eles?

– Não, é mais. A Patrulha da Noite não aceita meninas, todo mundo sabe disso.

– É verdade. Não sei por que Yoren a trouxe, mas deve ter tido algum motivo. Continua sendo uma menina.

– Não sou!

– Então tira o pinto pra fora e dá uma mijada. Vai lá.

– Não tenho vontade de mijar. Se tivesse, podia.

– Mentirosa. Não pode tirar o pinto porque não tem um. Nunca tinha reparado quando éramos trinta, mas você vai sempre para a floresta quando quer urinar. Não vejo Torta Quente fazer isso, e nem eu faço. Se não é uma menina, deve ser um eunuco.

– Eunuco é você.

– Sabe muito bem que não sou – Gendry sorriu. – Quer que tire o pau para fora para provar? Não tenho nada a esconder.

– Tem, sim – Arya exclamou, desesperada para sair daquela conversa sobre o pinto que não tinha. – Aqueles homens de manto dourado o procuravam na estalagem e não nos quer dizer por quê.

– Bem que gostaria de saber. Acho que Yoren sabia, mas nunca me disse. Mas por que você achou que eles estavam à sua procura?

Arya mordeu o lábio. Lembrava-se do que Yoren lhe dissera no dia em que cortou seu cabelo. Desses aí, metade entregava você à rainha num piscar de olhos em troca de um perdão e, se der, umas moedas de prata. A outra metade fazia o mesmo, só que te estuprava primeiro. Só Gendry era diferente, e a rainha também o procurava.

– Eu conto se você me contar – ela respondeu, com cautela.

– Contava se soubesse, Arry… É assim mesmo que se chama, ou tem algum nome de menina?

Arya fitou a raiz nodosa junto aos seus pés. Compreendeu que o fingimento tinha chegado ao fim. Gendry sabia, e ela nada tinha dentro das calças que pudesse convencê-lo do contrário. Podia puxar a Agulha e matá-lo ali mesmo ou, então, confiar nele. Não tinha certeza de que conseguiria matá-lo, mesmo se tentasse; ele tinha sua própria espada e era muito mais forte. Tudo o que restava era a verdade.