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Permaneceu ali durante tempo suficiente para ver a mudança da guarda e muito mais coisas. Homens chegaram e partiram. Levaram os cavalos para beber no riacho. Um grupo de caçadores voltou da floresta, trazendo a carcaça de uma corça pendurada em uma vara. Viu quando eles a limparam, eviscerando-a e acendendo uma fogueira do outro lado do riacho, e o cheiro da carne assando misturou-se de forma estranha com o fedor da decomposição. A barriga vazia de Arya ficou embrulhada, e sentiu-se prestes a vomitar. A perspectiva de alimento trouxe outros homens de dentro das casas, quase todos usando peças de cota de malha ou couro fervido. Quando a corça ficou pronta, os melhores pedaços foram levados para uma das casas.

Arya achou que a escuridão pudesse permitir que rastejasse para mais perto e libertasse Gendry, mas os guardas acenderam archotes na fogueira. Um escudeiro trouxe carne e pão aos dois que guardavam o armazém, e mais tarde outros dois homens juntaram-se a eles, e os quatro passaram um odre de vinho de mão em mão. Quando se esvaziou, os outros foram embora, mas os dois guardas ficaram, apoiados nas lanças.

Os braços e as pernas de Arya estavam rígidos quando ela finalmente se contorceu para sair de debaixo do espinheiro e penetrar na escuridão da floresta. Estava uma noite escura, com uma fina lasca de lua aparecendo e desaparecendo à medida que as nuvens passavam por ela. Silenciosa como uma sombra, disse a si mesma enquanto se deslocava por entre as árvores. Naquela escuridão não se atrevia a correr, com receio de tropeçar em alguma raiz invisível ou de se perder. À esquerda, o Olho de Deus batia calmamente contra as suas margens. À direita, um vento suspirava através dos galhos, e folhas restolhavam e agitavam-se. Ao longe, ouviu os uivos de lobos.

Lommy e Torta Quente quase se borraram quando ela saiu das árvores atrás deles.

– Silêncio – Arya lhes disse, pondo um braço em volta da Doninha quando a garotinha correu para ela.

Torta Quente a encarou com os olhos muito abertos.

– Pensávamos que tinham nos abandonado – ele tinha a espada curta na mão, aquela que Yoren havia roubado do homem de manto dourado. – Tive medo de que fosse um lobo.

– Onde está o Touro? – Lommy perguntou.

– Pegaram-no – Arya sussurrou. – Temos de tirá-lo de lá. Torta Quente, vai ter de ajudar. Esgueiramo-nos até lá e matamos os guardas, e depois eu abro a porta.

Torta Quente e Lommy trocaram um olhar.

– Quantos?

– Não consegui contar – ela admitiu. – Pelo menos vinte, mas só dois estão na porta.

Torta Quente pareceu prestes a chorar.

– Não podemos lutar contra vinte.

– Só vai ter de lutar com um, eu trato do outro. Tiramos Gendry de lá e fugimos.

– Deveríamos nos render – Lommy protestou. – Vá até lá e renda-se.

Arya negou teimosamente com a cabeça.

– Então, deixe-o, Arry – Lommy suplicou. – Eles não sabem do resto de nós. Se nos escondermos, vão embora, sabe que vão. Não é culpa nossa que Gendry tenha sido capturado.

– Vocé é idiota, Lommy – Arya estava irritada. – Vai morrer se não o tirarmos de lá. Quem vai carregá-lo?

– Você e o Torta Quente.

– O tempo inteiro, sem mais ninguém para ajudar? Nunca conseguiremos. Gendry era o mais forte. Seja como for, não me interessa o que você diz, eu vou buscá-lo – Arya estava decidida. Então, olhou para Torta Quente: – Você vem?

Torta Quente olhou para Lommy de relance, depois para Arya, e depois, de novo, para Lommy.

– Vou – ele respondeu, relutante.

– Lommy, mantenha Doninha aqui.

Ele agarrou a garotinha pela mão e a puxou para perto de si.

– E se os lobos vierem?

– Renda-se – Arya sugeriu.

Encontrar o caminho de volta à aldeia pareceu demorar horas. Torta Quente ficou o tempo todo tropeçando na escuridão e se perdendo, e Arya tinha de esperar por ele ou voltar para buscá-lo. Por fim, pegou sua mão e o levou por entre as árvores.

– Limite-se a ficar calado e a me seguir.

Quando conseguiram distinguir o primeiro brilho tênue das fogueiras da aldeia contra o céu, ela disse:

– Há mortos pendurados do outro lado da cerca viva, mas não tem por que se assustar, lembre-se só de que o medo corta mais profundamente do que as espadas. Temos de ir em silêncio e lentamente – Torta Quente concordou com a cabeça.

Arya penetrou primeiro no espinheiro e esperou por ele do outro lado, bem agachada. Torta Quente surgiu, pálido e ofegante, com longos arranhões sangrentos na cara e nos braços. Começou a dizer qualquer coisa, mas Arya pôs um dedo nos seus lábios. Apoiando-se nas mãos e nos pés, rastejaram ao longo do cadafalso, sob os mortos oscilantes. Torta Quente não olhou para cima nem uma vez e não soltou um som sequer.

Até o corvo pousar nas suas costas e ele soltar um arquejo abafado:

Quem está aí? – trovejou de súbito uma voz vinda das trevas.

Torta Quente ficou de pé num salto.

Rendo-me! – jogou fora a espada enquanto dúzias de corvos se ergueram no ar aos guinchos e lamentos e esvoaçarem em volta dos cadáveres. Arya agarrou sua perna e tentou arrastá-lo outra vez para baixo, mas ele se soltou e correu em frente, agitando os braços. – Rendo-me, rendo-me.

Arya também ficou em pé e puxou Agulha, mas, àquela altura, já havia homens por toda volta. Arya golpeou o mais próximo, mas ele a conteve com um braço revestido de aço, outro dos homens esbarrou nela e a atirou ao chão, e um terceiro arrancou a espada da sua mão. Quando tentou morder, seus dentes fecharam-se sobre cota de malha fria e suja.

– Oh-ho, esse é feroz – disse o homem, rindo. O golpe do seu punho revestido de ferro quase arrancou sua cabeça.

Conversaram por cima dela enquanto jazia com dores, mas Arya não parecia ser capaz de compreender as palavras. Seus ouvidos ressoavam. Quando tentou rastejar para fora dali, a terra moveu-se debaixo de si. Eles tiraram a Agulha de mim. A vergonha daquilo doía mais do que as dores físicas e estas doíam muito. Jon tinha lhe dado aquela espada. Syrio ensinara-lhe a usá-la.

Por fim, alguém agarrou o peito do seu justilho e a deixou de joelhos. Torta Quente também estava ajoelhado, na frente do homem mais alto que Arya já tinha visto na vida, um monstro saído de uma das histórias da Velha Ama. Não chegou a ver de onde tinha vindo o gigante. Três cães negros corriam pela sua desbotada capa amarela e seu rosto parecia tão duro como se tivesse sido esculpido em pedra. De súbito, Arya lembrou-se de onde já vira aqueles cães. Na noite do torneio em Porto Real, todos os cavaleiros tinham pendurado seus escudos na porta dos seus pavilhões. “Aquele pertence ao irmão do Cão de Caça”, confidenciara Sansa quando passaram pelos cães negros em fundo amarelo. “Ele é ainda maior do que Hodor, verá. Chamam-no de a Montanha que Cavalga.”

Arya deixou a cabeça cair, só meio consciente do que se passava à sua volta. Torta Quente estava se rendendo um pouco mais. Montanha disse:

– Vai nos levar a esses outros – e afastou-se. Em seguida, Arya tropeçava pelos mortos no cadafalso, enquanto Torta Quente dizia aos captores que lhes faria empadões e tortas se não lhe fizessem mal. Foram quatro homens com eles. Um transportava um archote, outro, uma espada longa; dois tinham lanças.

Encontraram Lommy onde o tinham deixado, debaixo do carvalho.

– Rendo-me – ele gritou de imediato assim que os viu. Jogou longe sua lança e levantou as mãos, manchadas de verde por antigas tintas. – Rendo-me. Por favor.

O homem com o archote procurou em volta, debaixo das árvores.

– É o último? O filho do padeiro disse que havia uma menina.

– Ela fugiu quando os ouviu chegando – Lommy respondeu. – Fizeram muito barulho – e Arya pensou: foge, Doninha, foge o máximo que puder, foge, esconda-se e não volte.