– Sem falar do descuidado acólito – com feitiço, Tyrion imaginava que Hallyne quisesse dizer truque inteligente. Pensou que gostaria de inspecionar uma dessas celas com teto falso para ver como funcionava, mas aquele não era o momento para isso. Talvez depois da guerra vencida.
– Meus irmãos nunca são descuidados – insistiu Hallyne. – Se posso ser, hummmm, franco…
– Ah, claro.
– A substância flui nas minhas veias e vive no coração de todos os piromantes. Respeitamos seu poder. Mas o soldado comum... hummm, os que manejam uma das catapultas de fogo da rainha, por exemplo, no frenesi sem raciocínio da batalha… Qualquer pequeno erro pode originar uma catástrofe. Mas isso é coisa que não se diz com muita frequência. Meu pai disse isso mesmo, várias vezes, ao Rei Aerys, assim como o pai dele disse ao Rei Jaehaerys.
– Eles devem ter escutado – Tyrion observou. – Se tivessem queimado a cidade, alguém teria me informado. Então, seu conselho é que sejamos cuidadosos?
– Sejam muito cuidadosos – Hallyne reiterou. – Sejam muito, muito cuidadosos.
– Esses frascos de barro… Há muitos por aqui?
– Sim, senhor. Obrigado por perguntar.
– Então não se importará se eu levar alguns. Alguns milhares.
– Alguns milhares?
– Ou o número que sua guilda possa ceder sem interferir na produção. Mas, compreenda, são frascos vazios que peço. Mande que sejam enviados aos capitães de todos os portões da cidade.
– Farei isso, senhor, mas, por quê…?
Tyrion sorriu-lhe.
– Quando me diz para vestir roupa quente, eu assim me visto. Quando me diz para ser cuidadoso, bem… – encolheu os ombros. – Já vi o suficiente. Talvez queira ter a bondade de me acompanhar de volta à minha liteira?
– Terei grande, hummm, prazer, senhor – Hallyne pegou a lamparina e seguiu à frente de volta à escada. – Foi bom da sua parte nos visitar. Uma grande honra, hummm. Passou-se muito tempo desde a última vez que a Mão do Rei nos agraciou com sua presença. Não acontecia desde Lorde Rossart, e ele pertencia à nossa ordem. Isso foi nos tempos do Rei Aerys, que tinha grande interesse pelo nosso trabalho.
Rei Aerys os usou para assar a carne dos seus inimigos. Seu irmão, Jaime, contara-lhe algumas histórias a respeito do Rei Louco e dos seus piromantes de estimação.
– Joffrey também se interessará, não duvido – e é por isso mesmo que é bom que o mantenha bem longe de você.
– É nossa grande esperança que o rei visite nosso palácio na sua real pessoa. Falei sobre isso à sua real irmã. Um grande banquete…
Estava ficando mais quente à medida que subiam.
– Sua Graça proibiu todos os banquetes até que a guerra esteja ganha – por insistência minha. – O rei não pensa ser adequado banquetear-se com alimentos de primeira linha enquanto seu povo passa sem pão.
– Um gesto muito, hummm, dedicado, senhor. Talvez, em vez disso, alguns de nós possamos visitar o rei na Fortaleza Vermelha. Uma pequena demonstração dos nossos poderes, por assim dizer, a fim de distrair Sua Graça das suas muitas preocupações durante uma noite. O fogovivo é apenas um dos temidos segredos da nossa antiga ordem. Muitas e maravilhosas são as coisas que poderíamos lhe mostrar.
– Levarei o assunto à consideração da minha irmã – Tyrion não tinha nenhuma objeção a alguns truques de magia, mas o gosto de Joff por obrigar homens a lutar até a morte já era aflição suficiente; não tinha nenhuma intenção de permitir que o rapaz experimentasse a possibilidade de queimá-los vivos.
Quando enfim chegaram ao topo dos degraus, Tyrion livrou-se da pele de gato-das-sombras e dobrou-a sobre o braço. A Guilda dos Alquimistas era um majestoso labirinto de pedra negra, mas Hallyne indicou-lhe o caminho pelas suas curvas e contracurvas até chegarem à Galeria dos Archotes de Ferro, um longo salão ecoante, onde espirais de fogo verde dançavam em torno de colunas de metal negro com seis metros de altura. Chamas fantasmagóricas refletiam-se no mármore negro polido das paredes e do chão e banhavam o salão com um esplendor esmeralda. Tyrion teria ficado mais impressionado se não soubesse que os grandes archotes de ferro só tinham sido acesos naquela manhã em honra da sua visita, mas seriam extintos no instante em que as portas se fechassem nas suas costas. O fogovivo era caro demais para se esbanjar.
Emergiram no topo da larga escadaria curva que dava para a Rua das Irmãs, perto do sopé da Colina de Visenya. Tyrion disse adeus a Hallyne e bamboleou-se até onde Timett, filho de Timett, esperava com uma escolta de Homens Queimados. Dado seu propósito hoje, tinha-lhe parecido uma escolha singularmente apropriada para sua guarda. Além disso, as cicatrizes deles inspiravam terror nos corações do populacho. Nos dias que corriam, isso era ótimo. Não mais do que três noites antes, outra multidão tinha se reunido nos portões da Fortaleza Vermelha, clamando por comida. Joff soltara uma tempestade de flechas contra eles, matando quatro, e depois gritara-lhes que tinham sua autorização para comer os mortos. Ganhando-nos ainda mais amigos.
Tyrion ficou surpreso ao ver, agora, Bronn, em pé, ao lado da liteira.
– O que você está fazendo aqui?
– Venho entregar suas mensagens. – A Mão de Ferro quer você com urgência no Portão dos Deuses. Não quis me dizer por quê. E Maegor também foi convocado.
– Convocado? – Tyrion só conhecia uma pessoa que se atreveria a usar essa palavra. – E o que Cersei quer de mim?
Bronn encolheu os ombros.
– A rainha ordena-lhe que regresse imediatamente ao castelo e se ponha a seu serviço nos seus aposentos. Foi aquele seu primo moleque quem entregou a mensagem. Quatro pelos debaixo do nariz, e se julga um homem.
– Quatro pelos e um título de cavaleiro. Ele agora é Sor Lancel, nunca se esqueça disso – Tyrion sabia que Sor Jacelyn nunca mandaria chamá-lo a menos que o assunto fosse importante. – É melhor que eu vá ver o que Bywater quer. Informe minha irmã que me porei a seu serviço quando retornar.
– Ela não vai gostar disso – Bronn preveniu.
– Ótimo. Quanto mais tempo Cersei esperar, mais zangada ficará, e a ira torna-a estúpida. Prefiro-a de longe zangada e estúpida, a tranquila e astuta – Tyrion atirou o manto dobrado para dentro da liteira, e Timett o ajudou a subir depois.
A praça do mercado, que ficava junto ao Portão dos Deuses, e que em tempos normais estaria atulhada de agricultores vendendo legumes, estava quase deserta quando Tyrion a atravessou. Sor Jacelyn foi ao seu encontro no portão e ergueu a mão de ferro numa saudação brusca.
– Senhor. Seu primo Cleos Frey está aqui, vindo de Correrrio, sob uma bandeira de paz, trazendo uma carta de Robb Stark.
– Condições de paz?
– É o que ele diz.
– Meu primo querido. Leve-me até ele.
Os homens de manto dourado tinham confinado Sor Cleos em uma sala da guarda sem janelas e dentro da guarita. Ele se levantou quando entraram.
– Tyrion, como é bom vê-lo.
– Isso não é algo que eu ouça com frequência, primo.
– Cersei veio junto?
– Minha irmã tem outras ocupações. Esta é a carta do Stark? – pegou-a da mesa. – Sor Jacelyn, pode nos deixar.
Bywater fez uma reverência e saiu.
– Pediram-me para trazer a oferta de paz à Rainha Regente – disse Sor Cleos quando a porta se fechou.
– Farei isso – Tyrion passou os olhos pelo mapa que Robb Stark tinha enviado com a carta. – Tudo a seu tempo, primo. Sente-se. Descanse. Está com uma aparência desgastada e fatigada – na verdade, parecia pior do que isso.
– Sim – Sor Cleos deixou-se cair num banco. – As coisas estão más nas terras fluviais, Tyrion. Em especial em torno do Olho de Deus e ao longo da estrada do rei. Os senhores do rio andam queimando as próprias colheitas para tentar nos fazer passar fome, e os destacamentos logísticos do seu pai incendeiam todas as aldeias que conquistam e passam o povo na espada.