Osha deslocava-se por entre as mesas, servindo cerveja. Um dos homens de Leobald Tallhart enfiou uma mão pelas suas saias, e ela quebrou o jarro na sua cabeça, por entre o rugido das gargalhadas. Mas Mikken tinha enfiado a mão no corpete de uma mulher qualquer, e ela não parecia se importar. Bran observou Farlen obrigando sua cadela vermelha a implorar ossos, e sorriu ao ver a Velha Ama beliscar a crosta de uma torta quente com dedos enrugados. No estrado, Lorde Wyman atacou um prato fumegante de lampreias como se fossem uma tropa inimiga. O homem era tão gordo, que Sor Rodrik mandara construir uma cadeira especialmente larga para que nela se sentasse, mas ria sonora e frequentemente, e Bran concluiu que gostava dele. A pobre e abatida Senhora Hornwood estava sentada ao seu lado, com o rosto transformado numa máscara de pedra enquanto bicava a comida com indiferença. Do outro lado da mesa elevada, Hothen e Mors competiam para ver quem bebia mais, batendo com tanta força os berrantes um no outro que pareciam cavaleiros numa justa.
Está quente demais aqui, e barulhento demais, e estão todos se embebedando. Bran sentiu comichão debaixo da lã cinza e branca e, de repente, desejou estar em qualquer lugar, menos ali. Agora está fresco no bosque sagrado. O vapor sobe das lagoas quentes, e as folhas vermelhas do represeiro restolham. Os cheiros são mais ricos do que aqui, e em breve a lua vai se erguer, e meu irmão cantará para ela.
– Bran? – Sor Rodrik o chamou. – Não come?
O sonho acordado tinha sido tão vivo, que por um momento Bran não soube onde se encontrava.
– Comerei mais tarde – ele respondeu. – Minha barriga está quase estourando.
O bigode branco do velho cavaleiro estava cor-de-rosa devido ao vinho.
– Esteve bem, Bran. Aqui e nas audiências. Penso que um dia será um senhor particularmente bom.
Quero ser um cavaleiro. Bran bebeu da taça do pai outro gole do vinho com mel e especiarias, grato por ter algo em que se agarrar. Uma cabeça de traço realista de um lobo gigante rosnando estava esculpida em relevo num dos lados da taça. Sentiu o focinho de prata fazendo pressão contra a palma da sua mão, e se lembrou da última vez que tinha visto o senhor seu pai beber daquela taça.
Havia sido na noite do banquete de boas-vindas, quando o Rei Robert trouxera a corte a Winterfell. Então, ainda reinava o verão. Seus pais tinham dividido o estrado com Robert e sua rainha, com os irmãos dela a seu lado. Tio Benjen também estivera lá, todo vestido de preto. Bran e os irmãos e irmãs tinham se sentado com os filhos do rei, Joffrey, Tommen e a Princesa Myrcella, que passou a refeição inteira olhando Robb com olhos de adoração. Arya fazia caretas do outro lado da mesa quando ninguém estava olhando; Sansa escutava, em êxtase, as canções de cavalaria que o grande harpista do rei cantava, e Rickon não parava de perguntar por que motivo Jon não estava com eles.
– Porque é um bastardo – Bran teve de segredar-lhe por fim.
E, agora, todos haviam partido. Era como se algum deus cruel tivesse esticado uma grande mão até aqui embaixo e varrido todos; as meninas para o cativeiro, Jon para a Muralha, Robb e a mãe para a guerra, Rei Robert e seu pai para as respectivas sepulturas, e talvez Tio Benjen também…
Mesmo nos bancos havia novos homens às mesas. Jory estava morto, bem como Gordo Tom e Porther, Alyn, Desmond, Hullen, que era mestre dos cavalos, e seu filho, Harwin… Todos os que tinham ido para o sul com seu pai, até Septã Mordane e Vayon Poole. Os outros tinham partido para a guerra com Robb e, até onde Bran sabia, podiam em breve estar mortos também. Gostava bastante de Hayhead, de Poxy Tym, de Skittrick e dos outros novos homens, mas sentia saudades dos seus velhos amigos.
Percorreu os bancos com os olhos, para cima e para baixo, para todos os rostos, felizes e tristes, e perguntou-se quem faltaria no ano seguinte e no outro. Sentiu vontade de chorar, mas não podia. Era um Stark em Winterfell, filho do seu pai e herdeiro do irmão e quase um homem-feito.
No fundo do salão, as portas abriram-se e um sopro de ar frio deixou a luz dos archotes mais brilhante por um momento. Alebelly introduziu dois novos convidados no banquete.
– A Senhora Meera da Casa Reed – berrou o corpulento guarda por sobre o clamor na sala. – Com o irmão, Jojen, da Atalaia da Água Cinzenta.
Homens ergueram os olhos das suas taças e tabuleiros para ver os recém-chegados. Bran ouviu o Pequeno Walder murmurar “Papa-rãs” para o Grande Walder. Sor Rodrik levantou-se.
– Sejam bem-vindos, amigos, e partilhem esta colheita conosco – criados correram para aumentar a mesa do estrado, indo buscar armações e cadeiras.
– Quem são eles? – Rickon quis saber.
– Homens da lama – respondeu Pequeno Walder, com desdém. – São ladrões e covardes, e seus dentes são verdes de comer rãs.
Meistre Luwin agachou-se junto à cadeira de Bran para lhe segredar conselhos ao ouvido:
– Deve saudar estes calorosamente. Não imaginava vê-los aqui, mas… Sabe quem são?
Bran confirmou com um aceno.
– Cranogmanos. Vindos do Gargalo.
– Howland Reed foi um grande amigo do seu pai – disse-lhe Sor Rodrik. – Ao que parece, estes dois são seus filhos.
Enquanto os recém-chegados atravessavam o salão, Bran viu que um deles era de fato uma moça, ainda que jamais tivesse percebido isso pelo modo como se vestia. Usava calções de pele de carneiro, amaciados pelo longo uso, e um justilho sem mangas reforçado com escamas de bronze. Embora estivesse perto da idade de Robb, era esguia como um garoto, com um longo cabelo castanho amarrado atrás da cabeça, e só um pequeno sinal de seios. De uma das magras ancas pendia uma rede trançada, e da outra, uma longa faca de bronze; debaixo do braço trazia um velho elmo de ferro salpicado de ferrugem; um tridente e um escudo redondo de couro estavam atados às suas costas.
O irmão era vários anos mais novo e não trazia armas. Todo seu vestuário era verde, até mesmo o couro das botas, e quando se aproximou Bran viu que os olhos eram da cor do musgo, embora os dentes parecessem tão brancos como os de todos os outros. Ambos os Reed eram de constituição leve, esguios como espadas e pouco mais altos do que Bran. Ajoelharam-se em frente ao estrado.
– Senhores de Stark – disse a garota. – Os anos se passaram às centenas e aos milhares desde que meu povo jurou lealdade ao Rei do Norte. O senhor meu pai enviou-nos aqui a fim de proferir novamente essas palavras, em nome de todo o nosso povo.
Ela está olhando para mim, Bran percebeu. Tinha de responder alguma coisa.
– Meu irmão Robb está lutando no sul – ele disse –, mas pode proferir as palavras perante a mim, se quiser.
– A Winterfell juramos a fidelidade da Água Cinzenta – disseram os dois em uníssono. – Cedemos-lhe a lareira, o coração e a colheita, senhor. Nossas espadas, lanças e flechas estão às suas ordens. Conceda misericórdia aos nossos fracos, ajude nossos impotentes e faça justiça a todos, e nunca lhe faltaremos.
– Juro pela terra e pela água – disse o rapaz vestido de verde.
– Juro pelo bronze e pelo ferro – disse a irmã.
– Juramos pelo gelo e pelo fogo – os dois terminaram em conjunto.
Bran não soube o que dizer. Esperava-se que lhes respondesse jurando algo? Não lhe tinham ensinado a responder àqueles votos.
– Que seus invernos sejam curtos, e os verões, fartos – Bran finalmente assim se manifestou. Isso era geralmente uma coisa boa para se dizer. – Ergam-se. Sou Brandon Stark.
A moça, Meera, se levantou e ajudou o irmão a fazer o mesmo. O garoto não tirava os olhos de Bran.
– Trazemos-lhe peixe, rãs e aves de capoeira de presente.
– Agradeço – Bran se perguntou se teria de comer uma rã para ser delicado. – Ofereço-lhes a comida e a bebida de Winterfell – tentou recordar tudo o que lhe tinha sido ensinado a respeito dos cranogmanos, que viviam nos pântanos do Gargalo e raramente saíam das suas terras úmidas. Eram um povo pobre, pescadores e caçadores de rãs que viviam em casas de sapé e junco trançados, em ilhas flutuantes escondidas nas profundezas do pântano. Dizia-se que eram um povo covarde que lutava com armas envenenadas e preferia se esconder dos inimigos a enfrentá-los em batalha aberta. E, no entanto, Howland Reed havia sido um dos mais dedicados companheiros do pai durante a guerra pela coroa do rei Robert, antes de Bran nascer.