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Fora da sua tenda, homens agitavam-se. Ouviu os relinchos de cavalos, Shadd queixando-se da rigidez nas suas costas, Sor Wendel pedindo o arco. Catelyn desejou que todos fossem embora. Eram bons homens, leais, mas estava cansada de todos eles. Era os filhos que desejava. Um dia, prometeu a si mesma enquanto estava deitada na cama, ia se permitir ser menos do que forte.

Mas hoje, não. Não podia ser hoje.

Os dedos pareciam mais desajeitados do que de costume enquanto lutava com a roupa. Achava que devia se sentir grata por ainda conseguir mexer as mãos. O punhal era feito de aço valiriano, que corta profunda e limpamente. Bastava olhar suas cicatrizes para se lembrar.

Lá fora, Shadd mexia aveia numa caldeira, enquanto Sor Wendel Manderly colocava a corda no seu arco.

– Senhora – ele disse quando Catelyn saiu da tenda. – Há aves neste mato. Deseja uma codorna assada para o desjejum hoje?

– Aveia e pão são suficientes… Para todos nós, penso eu. Temos ainda muitas léguas a percorrer, Sor Wendel.

– Como quiser, senhora – a cara de lua do cavaleiro pareceu abatida, as pontas do seu grande bigode de morsa torceram-se de desapontamento. – Aveia e pão, e o que poderia ser melhor? – era um dos homens mais gordos que Catelyn já tinha conhecido, mas, por mais que amasse comida, amava mais sua honra.

– Encontrei umas urtigas e fiz um chá – Shadd anunciou. – A senhora deseja uma xícara?

– Sim. Agradeço.

Aninhou o chá nas mãos cobertas de cicatrizes e soprou para esfriá-lo. Shadd era um dos homens de Winterfell. Robb mandara vinte dos seus melhores homens para levá-la em segurança até Renly. Mandara também cinco fidalgos, cujos nomes e elevado nascimento dariam peso e honra à sua missão. Enquanto abriam caminho para o sul, permanecendo bem longe de vilas e castros, tinham visto, mais de uma vez, bandos de homens vestidos de cota de malha e vislumbraram fumaça no horizonte oriental, mas ninguém se atreveu a molestá-los. Eram fracos demais para constituir uma ameaça, e muitos para ser presa fácil. Depois de atravessarem o Água Negra, o pior tinha ficado para trás. Ao longo dos últimos quatro dias, não tinham visto sinais de guerra.

Catelyn nunca quisera aquilo. E tinha dito isso a Robb, em Correrrio.

– Da última vez que vi Renly, ele era um garoto da idade de Bran. Não o conheço. Envie outra pessoa. Meu lugar é aqui, com meu pai, pelo tempo que lhe restar.

O filho olhara-a pouco satisfeito.

– Não há mais ninguém. Não posso ir em pessoa. Seu pai está doente demais. Peixe Negro é os meus olhos e ouvidos, não me atrevo a perdê-lo. Preciso do seu irmão para defender Correrrio quando nos pusermos em marcha…

– Em marcha? – ninguém lhe tinha dito uma palavra a respeito de marchas.

– Não posso ficar em Correrrio à espera da paz. Faz parecer que tenho medo de voltar ao campo de batalha. Meu pai me disse que, quando não há batalhas para lutar, os homens começam a pensar nas lareiras e nas colheitas. Até meus homens do Norte começam a ficar desassossegados.

Meus homens do Norte, ela pensou. Ele até começa a falar como um rei.

– Nunca ninguém morreu de desassossego, mas a precipitação é diferente. Plantamos sementes, é preciso deixá-las crescer.

Robb sacudiu a cabeça com teimosia:

– Atiramos algumas sementes ao vento, é tudo. Se sua irmã Lysa viesse nos ajudar, já teríamos tido notícias. Quantas aves enviamos para o Ninho da Águia? Quatro? Eu também quero a paz, mas por que os Lannister me dariam seja lá o que for se tudo o que fizer for ficar aqui à espera, enquanto meu exército se derrete à minha volta tão depressa como a neve do verão?

– Então, em vez de parecer covarde, vai dançar ao som da flauta de Lorde Tywin? – ela atirou em resposta. – Ele quer que marche sobre Harrenhal. Pergunte ao seu tio Brynden se…

– Nada disse de Harrenhal – Robb respondeu. – Bem, vai falar por mim com Renly, ou terei de mandar Grande-Jon?

A recordação lhe trouxe um sorriso abatido ao rosto. Aquela havia sido uma manobra tão óbvia, porém hábil para um rapaz de quinze anos. Robb sabia como um homem como Grande-Jon Umber era pouco adequado para tratar com um homem como Renly Baratheon, e sabia que ela também reconhecia isso. O que podia fazer a não ser concordar, rezando para que seu pai sobrevivesse até sua volta? Catelyn sabia que, se Lorde Hoster estivesse bem de saúde, teria ido ele próprio. Mas, mesmo assim, aquela partida foi dura, muito dura. Ele nem a reconheceu quando foi lhe dizer adeus.

– Minisa – ele a tinha chamado –, onde estão as crianças? Minha pequena Cat, minha querida Lysa…

Catelyn o beijou na testa e disse que seus bebês estavam bem.

– Espere por mim, senhor – ela dissera, enquanto os olhos dele se fechavam. – Esperei por você... Ah, tantas vezes.... Agora tem de esperar por mim.

O destino empurra-me para o sul, e mais para o sul, Catelyn pensou enquanto bebericava o chá adstringente. Quando é para o norte que eu devia ir, para o norte, para casa. Tinha escrito a Bran e Rickon na última noite que passara em Correrrio. Não esqueço de vocês, meus queridos, têm de acreditar nisso. É só que seu irmão precisa mais de mim.

– Devemos chegar hoje ao Vago superior, senhora – anunciou Sor Mandel quando Shadd servia o mingau. – Lorde Renly não estará longe, se o que dizem for verdade.

E o que lhe direi quando o encontrar? Que meu filho não o considera um verdadeiro rei? Não sentia prazer naquele encontro. Precisavam de amigos, não de mais inimigos, mas Robb nunca dobraria o joelho em homenagem a um homem que sentia não ter pretensão legítima ao trono.

Sua tigela estava vazia, embora quase não se lembrasse de saborear o mingau. Deixou-a de lado.

– É hora de seguirmos caminho.

Quanto mais depressa falasse com Renly, mais depressa poderia voltar para casa. Foi a primeira a montar, e determinou o ritmo da coluna. Hal Mollen cavalgava ao seu lado, transportando o estandarte da Casa Stark, o lobo gigante cinza num campo branco de gelo.

Estavam ainda a meio dia de viagem do acampamento de Renly, quando foram capturados.

Robin Flint tinha avançado para bater terreno, e regressou a galope com a notícia de um vigia que observava do telhado de um moinho de vento distante. Quando o grupo de Catelyn chegou ao moinho, o homem há muito tinha partido. Seguiram caminho, mas ainda não tinham percorrido uma milha quando os batedores de Renly caíram sobre eles, vinte homens a cavalo com cota de malha, liderados por um envelhecido cavaleiro de barba grisalha com gaios azuis na capa.

Quando o cavaleiro viu as bandeiras deles, trotou sozinho até junto de Catelyn.

– Senhora – ele se apresentou –, sou Sor Colen de Lagoas Verdes, ao seu dispor. Estas terras que atravessa são perigosas.

– Nosso assunto é urgente – respondeu-lhe Catelyn. – Venho como enviada do meu filho, Robb Stark, Rei do Norte, para tratar com Renly Baratheon, o Rei do Sul.

– Rei Renly é o senhor coroado e ungido de todos os Sete Reinos, senhora – respondeu Sor Colen, embora com cortesia suficiente. – Sua Graça está acampada com a sua tropa perto de Ponteamarga, onde a estrada das rosas atravessa o Vago. Será uma grande honra escoltá-la até ele – o cavaleiro levantou uma mão coberta de cota de malha e seus homens formaram uma dupla coluna a flanquear Catelyn e sua guarda. Escolta ou captor?, ela se perguntou. Nada havia a fazer a não ser confiar na honra de Sor Colen e na de Lorde Renly.

Viram a fumaça das fogueiras do acampamento quando ainda estavam a uma hora do rio. Então, chegou-lhes o som, pairando sobre fazendas, campos e planície ondulada, indistinto como o murmúrio de um mar distante, mas aumentando à medida que se aproximavam. Quando viram as águas barrentas do Vago cintilando ao sol, já conseguiam distinguir as vozes dos homens, o tinir do aço, os relinchos de cavalos. Mas nem o som nem a fumaça os prepararam para a tropa propriamente dita.