– E se não as der, senhor?
– Pretendo ser rei, senhora, e não de um reino amputado. Não posso dizê-lo mais claramente do que isso. Há trezentos anos, um rei Stark ajoelhou-se perante Aegon, o Dragão, quando viu que não tinha esperança de vencer. Foi sensato. Seu filho deve ser sensato também. Uma vez que se juntar a mim, esta guerra estará praticamente acabada. Nós… – Renly calou-se de súbito, distraído. – Que está acontecendo agora?
O retinir de correntes anunciava o içar da porta levadiça. Lá embaixo, no pátio, um cavaleiro com um elmo alado esporeou o cavalo coberto de espuma para passar por baixo dos espigões.
– Chamem o rei! – gritou.
Renly saltou para cima de uma seteira.
– Estou aqui, sor.
– Vossa Graça – o cavaleiro esporeou mais a montaria para que se aproximasse. – Vim tão depressa como pude. De Ponta Tempestade. Estamos cercados, Vossa Graça. Sor Cortnay enfrenta-os, mas…
– Mas… Isso não é possível. Eu teria sido informado se Lorde Tywin tivesse deixado Harrenhal.
– Estes não são Lannister, meu suserano. É Lorde Stannis quem está nos seus portões. O Rei Stannis, como chama agora a si mesmo.
Jon
Um sopro de chuva chicoteou o rosto de Jon quando esporeou o cavalo para atravessar o córrego em cheia. Ao seu lado, o Senhor Comandante Mormont deu um puxão no capuz do seu manto, resmungando pragas contra o tempo. Seu corvo empoleirava-se no seu ombro, com as penas eriçadas, tão empapado e rabugento como o próprio Velho Urso. Uma rajada de vento fez folhas molhadas voarem em volta deles como um bando de aves mortas. A floresta assombrada, Jon refletiu lugubremente. A floresta afogada seria um nome mais apropriado.
Esperava que Sam estivesse aguentando lá no fim da coluna. Não era um bom cavaleiro mesmo com tempo firme, e seis dias de chuva tinham tornado o terreno traiçoeiro, todo transformado em lama mole e pedras escondidas. Quando o vento soprava, arremessava água diretamente nos olhos. A Muralha devia estar escorrendo para o sul, com o gelo que derretia misturado com a chuva morna, fluindo em rios e riachos. Pyp e Sapo estariam sentados junto ao fogo na sala comum, bebendo taças de vinho condimentado antes do jantar. Jon invejava-os. A lã molhada aderia à sua pele ensopada, provocando-lhe coceira, o pescoço e ombros doíam fortemente devido ao peso da cota de malha e da espada, e estava farto de bacalhau salgado, carne salgada e queijo duro.
Adiante, um berrante soltou uma nota trêmula, meio afogada pelo bater constante da chuva.
– O berrante de Buckwell – anunciou o Velho Urso. – Os deuses são bons; Craster ainda está ali – o corvo bateu as asas uma vez, crocitou “Milho” e voltou a eriçar as penas.
Jon ouvira frequentemente os irmãos negros contarem histórias sobre Craster e sua fortaleza. Agora, iria vê-la com seus próprios olhos. Depois de sete aldeias vazias, tinham todos começado a temer encontrar a de Craster tão morta e desolada como as outras, mas parecia que seriam poupados disso. O Velho Urso, enfim, talvez consiga algumas respostas, ele pensou. Seja como for, estaremos abrigados da chuva.
Thoren Smallwood jurava que Craster era amigo da Patrulha, apesar da sua reputação indecente.
– O homem é meio louco, não nego – tinha dito ao Velho Urso –, mas o senhor também seria se passasse a vida nesta floresta amaldiçoada. Seja como for, nunca afastou um patrulheiro da sua fogueira e não tem amizade por Mance Rayder. Ele vai nos dar bons conselhos.
Desde que nos dê uma refeição quente e uma oportunidade de secar a roupa, ficarei feliz. Dywen dizia que Craster era um fratricida, mentiroso, estuprador e covarde, e sugeria que traficava com comerciantes de escravos e com demônios.
– E, pior – acrescentava o velho guarda da floresta, batendo os seus dentes de madeira –, aquele homem tem um cheiro frio, ah, se tem.
– Jon – ordenou Lorde Mormont –, percorra a coluna e espalhe a notícia. E lembre aos oficiais que não quero caso com as mulheres de Craster. Os homens deverão ter tento nas mãos e falar o mínimo possível com aquelas mulheres.
– Sim, senhor – Jon virou o cavalo e seguiu por onde tinha vindo. Era agradável deixar de ter a chuva na cara, mesmo que por pouco tempo. Todos aqueles por que passava pareciam estar chorando. A fila estendia-se ao longo de meia milha de floresta.
No meio da caravana com a bagagem, Jon passou por Samwell Tarly, afundado na sela sob um grande chapéu mole. Montava um cavalo de carga e levava os outros pelas correias. O tamborilar da chuva nas coberturas das gaiolas fazia os corvos crocitarem e baterem as asas.
– Pôs uma raposa lá dentro com eles?
Escorreu água da aba do chapéu de Sam quando ele ergueu a cabeça.
– Ah, olá, Jon. Não, eles só detestam a chuva, assim como nós.
– Como é que você está, Sam?
– Molhado – o rapaz gordo conseguiu dar um sorriso. – Mas nada me matou ainda.
– Ótimo. A Fortaleza de Craster fica logo ali na frente. Se os deuses forem bons, ele vai nos deixar dormir junto à sua lareira.
Sam fez uma expressão de dúvida.
– Edd Doloroso diz que Craster é um terrível selvagem. Casa com as filhas e não obedece a lei nenhuma além das suas. E Dywen disse a Grenn que ele tinha sangue negro nas veias. A mãe dele era uma selvagem que dormiu com um patrulheiro, e, portanto, ele é um bas… – de repente, o rapaz percebeu o que estava prestes a dizer.
– Um bastardo – Jon completou, com uma gargalhada. – Pode falar, Sam. Já tinha ouvido a palavra – esporeou seu pequeno garrano de patas seguras. – Tenho de ir atrás de Sor Ottyn. Tenha cuidado perto das mulheres de Craster – como se Samwell Tarly precisasse ser avisado disso. – Conversamos mais tarde, depois de termos montado o acampamento.
Jon levou a notícia a Sor Ottyn Wythers, que avançava penosamente com a retaguarda. Homem pequeno, com cara de ameixa seca e a mesma idade de Mormont, Sor Ottyn parecia sempre cansado, mesmo em Castelo Negro, e a chuva o derrubara sem misericórdia.
– Notícias bem-vindas – o velho disse. – Esta umidade empapou meus ossos e até minhas dores de sela queixam-se de dores de sela.
No caminho de volta, Jon afastou-se da linha de marcha da coluna e seguiu por um caminho mais curto através da floresta densa. Os sons de homens e cavalos diminuíram, engolidos pela úmida natureza verde, e em pouco tempo tudo o que ouvia era o contínuo bater da chuva contra folhas, madeira e rochas. Era o meio da tarde, mas a floresta parecia tão escura como se fosse o anoitecer. Jon abriu caminho por entre rochedos e poças d’água, passando por grandes carvalhos, árvores-sentinela cinza-esverdeadas e árvores de pau-ferro de casca negra. Em certos lugares, os ramos teciam uma abóbada por cima dele e era-lhe dado um momento de alívio do tamborilar da chuva na sua cabeça. Ao passar por um castanheiro abatido por um relâmpago e coberto de rosas selvagens brancas, ouviu qualquer coisa restolhando na vegetação rasteira.
– Fantasma – chamou. – Fantasma, vem.