Lorde Mormont disse:
– Ben andava à procura de Sor Waymar Royce, que tinha desaparecido com Gared e o jovem Will.
– Sim, desses três me lembro. O fidalgo não era mais velho do que um destes cachorros. Orgulhoso demais para dormir debaixo do meu teto, aquele, com seu manto de zibelina e aço negro. Ainda assim, minhas mulheres ficaram de olho grande – olhou de soslaio a mais próxima das mulheres. – Gared disse que iam caçar salteadores. Eu lhe disse que com um comandante assim tão verde era melhor que não os pegassem. Gared não era mau para um corvo. Tinha menos orelhas do que eu. O frio as levou, como à minha – Craster soltou uma gargalhada. – Agora dizem que também não tem cabeça. Foi também o frio que fez isso?
Jon recordou um esguicho de sangue vermelho na neve branca e o modo como Theon Greyjoy chutara a cabeça do morto. O homem era um desertor. No caminho de volta a Winterfell, Jon e Robb tinham apostado uma corrida e encontraram seis filhotes de lobo gigante na neve. Parecia ter sido há mil anos.
– Quando Sor Waymar partiu, para onde se dirigiu?
Craster encolheu os ombros:
– Acontece que tenho mais que fazer do que tratar das idas e vindas dos corvos – bebeu um trago de cerveja e pôs a taça de lado. – Há uma noite de urso que não tenho aqui bom vinho do sul. Faria bom uso de algum vinho e de um machado novo. O meu perdeu o gume, e assim não pode ser, tenho mulheres para proteger – passou os olhos pelas esposas que corriam por todo o lado.
– São poucos aqui, e isolados – disse Mormont. – Se desejar, destacarei alguns homens para os escoltarem para sul até a Muralha.
O corvo pareceu gostar da ideia. “Muralha”, gritou, abrindo as asas negras como se fossem um colarinho elevado atrás da cabeça de Mormont.
O anfitrião deu um sorriso desagradável, mostrando uma boca cheia de dentes quebrados e escuros.
– E o que é que nós faríamos lá? Serviríamos o seu jantar? Aqui somos gente livre. Craster não serve a ninguém.
– Estes tempos são ruins para viver sozinho em zonas selvagens. Os ventos frios se levantam.
– Que se levantem. Minhas raízes são bem fundas – Craster agarrou uma mulher que passava pelo pulso. – Conte-lhe, mulher. Conte ao Lorde Corvo como estamos satisfeitos.
A mulher passou a língua por lábios finos.
– Este é o nosso lugar. Craster nos mantém a salvo. É melhor morrer livre do que viver como um escravo.
“Escravo”, o corvo resmungou.
Mormont inclinou-se para a frente.
– Todas as aldeias por que passamos estão abandonadas. São as primeiras almas vivas que vimos desde que deixamos a Muralha. As pessoas desapareceram… Se estão mortas, fugiram ou foram capturadas, não sei dizer. Os animais também. Não sobrou nada. E, antes de partirmos, encontramos os corpos de dois dos patrulheiros de Ben Stark a apenas algumas léguas da Muralha. Estavam brancos e frios, com mãos e pés pretos, e ferimentos que não sangravam. Mas, quando os levamos para o Castelo Negro, ergueram-se na noite e mataram. Um matou Sor Jaremy Rykker, e o outro me atacou, o que me diz que se lembravam de parte do que sabiam em vida, mas não restava neles nenhuma piedade humana.
A boca da mulher escancarou-se, uma gruta úmida e cor-de-rosa, mas Craster limitou-se a bufar.
– Aqui não tivemos problemas desses… E agradeceria se não contassem histórias malignas como essa debaixo do meu teto. Sou um homem temente aos deuses, e os deuses me mantêm a salvo. Se mortos-vivos vierem até mim, saberei como mandá-los de volta para suas sepulturas. Se bem que não me importaria de ter um machado novo e afiado – ele pôs a mulher para correr com uma palmada na perna e um grito: – Mais cerveja, e rápido.
– Não houve problemas com os mortos – disse Jarmen Buckwell –, mas e os vivos, senhor? E o seu rei?
“Rei!”, gritou o corvo de Mormont. “Rei, rei, rei.”
– Aquele Mance Rayder? – Craster escarrou na fogueira. – Rei-para-lá-da-Muralha. O que os homens livres querem ter a ver com reis? – virou os olhos para Mormont. – Havia muita coisa que podia lhe dizer sobre Rayder e o que ele anda fazendo, se estivesse disposto. Isso das aldeias vazias é trabalho dele. Teria também encontrado este edifício abandonado, se eu fosse homem de fazer reverências a gente assim. Ele mandou um homem a cavalo, disse-me que tinha de largar minha fortaleza para ir rastejando aos pés dele. Mandei o homem embora, mas fiquei com a sua língua. Está ali, pregada na parede – ele apontou. – Pode ser que pudesse lhe dizer onde procurar Mance Rayder. Se estivesse disposto – de novo o sorriso escuro. – Mas teremos tempo suficiente para isso. Talvez queiram dormir debaixo do meu teto e comer meus porcos todos.
– Um teto será muito bem-vindo, senhor – disse Mormont. – A viagem foi dura, e úmida demais.
– Então serão hóspedes aqui por uma noite. Mais não, que não sou assim tão amigo de corvos. O sótão é para mim e para os meus, mas podem ficar com todo o chão que quiserem. Tenho carne e cerveja para vinte, não mais que isso. O resto de vocês, seus corvos negros, pode bicar seu próprio milho.
– Trouxemos nossos abastecimentos, senhor – disse o Velho Urso. – Ficaríamos felizes por partilhar nossa comida e vinho.
Craster limpou sua boca caída com as costas de uma mão peluda.
– Eu provo do seu vinho, Lorde Corvo, isso faço. Mais uma coisa. Qualquer homem que puser uma mão nas minhas mulheres fica sem ela.
– O teto é seu, a lei é sua – disse Thoren Smallwood, e Lorde Mormont anuiu rigidamente, embora não parecesse lá muito contente.
– Então está acertado – Cruster concedeu-lhes um grunhido. – Tem algum homem que saiba desenhar um mapa?
– Sam Tarly sabe – Jon avançou. – Ele adora mapas.
Mormont mandou Jon se aproximar.
– Mande-o aqui depois de comer. Diga-lhe para trazer penas e pergaminho. E procure também Tollett. Diga-lhe para trazer meu machado. Um presente de hóspede para nosso anfitrião.
– Quem é este aí? – Craster perguntou, antes que Jon pudesse se afastar. – Tem o ar dos Stark.
– É o meu intendente e escudeiro, Jon Snow.
– Quer dizer então que é um bastardo? – Craster olhou Jon de cima a baixo. – Se um homem quer se deitar com uma mulher, parece que a devia tomar como esposa. É o que eu faço – enxotou Jon com um gesto. – Bom, corre a cuidar do seu serviço, bastardo, e vê se esse machado está bom e afiado, que não tenho serventia para aço cego.
Jon Snow fez uma reverência rígida e se retirou. Sor Ottyn Wythers vinha entrando quando ele ia saindo, e quase se chocaram na porta de pele de veado. Lá fora, a chuva parecia ter abrandado. Tinham surgido tendas por todo o complexo. Jon conseguia ver a parte de cima de mais tendas debaixo das árvores.
Edd Doloroso estava alimentando os cavalos:
– Dar ao selvagem um machado, e por que não? – indicou com um dedo a arma de Mormont, um machado de batalha de cabo curto com arabescos de ouro incrustados na lâmina de aço negro. – Ele vai devolvê-lo, garanto. Provavelmente enfiado no crânio do Velho Urso. Por que não dar todos os nossos machados e as espadas também? Não gosto do modo como matraqueiam e retinem quando cavalgamos. Viajaríamos mais depressa sem eles, direto para a porta do inferno. Pergunto-me se chove no inferno. Talvez Craster queira um bom chapéu em vez do machado.
Jon sorriu.
– Ele quer um machado. E vinho também.
– Vê? O Velho Urso é esperto. Se deixarmos o selvagem bem bêbado, talvez só corte uma orelha quando tentar nos matar com aquele machado. Tenho duas orelhas, mas só uma cabeça.
– Smallwood diz que Craster é amigo da Patrulha.
– Sabe qual é a diferença entre um selvagem que é amigo da patrulha e um que não é? – perguntou o severo escudeiro. – Nossos inimigos abandonam nossos corpos aos corvos e aos lobos. Nossos amigos nos enterram em sepulturas secretas. Eu me pergunto há quanto tempo aquele urso está pregado naquele portão, e o que Craster tinha ali antes de virmos dizer olá – Edd olhou com uma expressão de dúvida para o machado, com a chuva correndo pela sua longa cara. – Está seco lá dentro?