– Agradou? – Esgred perguntou, enquanto Theon a apressava para passar pelo barco pesqueiro. – Ela agradou ao senhor?
Não viu motivo para ser recatado com aquela mulher.
– Durante algum tempo. Agora quer ser a minha esposa de sal.
– O-ho. Bem, ela sem dúvida precisa de um pouco de sal. Essa é branda e doce demais. Ou será que me engano?
– Não – branda e doce. Exatamente. Como foi que ela soube?
Tinha dito a Wex para esperar na estalagem. A sala comum estava tão cheia de gente, que Theon precisou abrir caminho até a porta aos empurrões. Não havia nenhum lugar vago nas mesas ou no banco. E também não viu o escudeiro.
– Wex – Theon gritou, por cima do burburinho e do tinir de louça. Se ele estiver lá em cima com uma daquelas vadias sifilíticas, esfolo-o, Theon estava pensando, quando finalmente vislumbrou o rapaz, jogando dados perto da lareira… e ganhando, a julgar pela pilha de moedas que tinha à frente.
– É hora de ir – Theon anunciou.
Quando o rapaz não prestou atenção, puxou-o por uma das orelhas e o arrancou do jogo. Wex agarrou um punhado de moedas de cobre e seguiu, sem uma palavra. Esta era uma das coisas que Theon mais gostava nele. A maioria dos escudeiros tinha a língua solta, mas Wex nasceu mudo… o que não parecia impedi-lo de ser tão esperto como qualquer rapaz de doze anos tinha direito de ser. Era filho ilegítimo de um dos meios-irmãos de Lorde Botley. Tomá-lo como escudeiro tinha sido parte do preço que Theon pagara pelo cavalo.
Quando Wex viu Esgred, seus olhos ficaram redondos. Dá para dizer que nunca viu uma mulher, pensou Theon.
– Esgred vai comigo para Pyke. Sele os cavalos, rápido.
O rapaz tinha vindo montado num pequeno garrano ossudo dos estábulos de Lorde Balon, mas a montaria de Theon era um tipo de animal bem diferente.
– Onde encontrou esse cavalo dos infernos? – perguntou-lhe Esgred quando o viu, mas, pelo modo como riu, Theon soube que tinha ficado impressionada.
– Lorde Botley comprou-o em Lanisporto há um ano, mas ele se mostrou cavalo demais, e Botley ficou feliz por vendê-lo – as Ilhas de Ferro eram pobres e rochosas demais para a criação de bons cavalos. A maior parte dos ilhéus não passava de cavaleiros inexpressivos, mais confortáveis no convés de um dracar do que sobre uma sela. Até os senhores montavam garranos ou pôneis peludos de Harlaw, e os carros de bois eram mais comuns do que os puxados a cavalo. Os plebeus que eram pobres demais para possuir uma coisa ou outra puxavam eles próprios as charruas pelo solo raso e pedregoso.
Mas Theon passara dez anos em Winterfell e não pretendia ir para a guerra sem uma boa montaria entre as pernas. O engano de Lorde Botley tinha sido sua boa sorte: um garanhão com um temperamento tão negro como seu pelo, maior do que um corcel, ainda que não tão grande como a maioria dos cavalos de batalha. Como Theon não era tão grande como a maioria dos cavaleiros, servia-lhe admiravelmente bem. O animal tinha fogo nos olhos. Quando conheceu seu novo dono, arreganhou os beiços e tentou arrancar sua cabeça com dentadas.
– Ele tem nome? – Esgred perguntou a Theon enquanto ele montava.
– Sorridente – o jovem lhe ofereceu a mão e a puxou para a sua frente, onde poderia pôr os braços em volta dela enquanto cavalgavam. – Um dia conheci um homem que me disse que eu sorria das coisas erradas.
– E é verdade?
– Só à luz daqueles que não sorriem de nada – ele pensou no pai e no tio Aeron.
– Está agora sorrindo, senhor meu príncipe?
–Ah, sim – Theon passou os braços em volta dela para pegar as rédeas. A mulher era quase da mesma altura que ele. Seu cabelo precisava ser lavado, e tinha uma leve cicatriz cor-de-rosa no bonito pescoço, mas ele gostou do seu cheiro, de sal, suor e mulher.
A cavalgada de volta a Pyke prometia ser bastante mais interessante do que a viagem de vinda.
Quando já tinham se afastado bastante de Fidalporto, Theon pôs uma mão no seu seio. Esgred a afastou.
– Eu manteria ambas as mãos nas rédeas, senão esta sua fera preta é bem capaz de nos atirar ao chão e de nos escoicear até a morte.
– Eu já o domei.
Divertido, Theon portou-se bem durante algum tempo, tagarelando amigavelmente acerca do tempo (cinzento e encoberto, como estivera desde a sua chegada, com chuvas frequentes) e falando-lhe dos homens que tinha matado no Bosque dos Murmúrios. Quando chegou à parte sobre chegar assim tão perto do Regicida em pessoa, deslizou a mão para onde estivera. Os seios dela eram pequenos, mas gostou da sua firmeza.
– Não quer fazer isso, senhor meu príncipe.
– Ah, se quero – Theon deu um apertão.
– Seu escudeiro está observando.
– Que observe. Nunca contará nada, juro.
Esgred arrancou a mão dele do seu seio. E desta vez a manteve firmemente aprisionada. Ela tinha mãos fortes.
– Gosto de uma mulher com uma pegada forte.
Ela deu uma fungada:
– Nunca teria imaginado, por aquelazinha no cais.
– Não deve me julgar por ela. Era a única mulher no navio.
– Fale-me do seu pai. Vai me dar boas-vindas gentis ao seu castelo?
– Por que haveria de dar? Quase não me deu boas-vindas, sangue do seu sangue, herdeiro de Pyke e das Ilhas de Ferro.
– Ah, é? – ela returcou com uma voz branda. – Dizem que o senhor tem tios, irmãos, uma irmã.
– Meus irmãos estão há muito mortos, e minha irmã… Bem, dizem que o vestido favorito de Asha é um camisão de cota de malha que cai até abaixo dos joelhos, com roupa íntima de couro fervido por baixo. Mas vestir-se de homem não faz dela um. Farei um bom casamento de aliança para ela depois de ganharmos a guerra, se encontrar algum homem que a queira. Pelo que me lembro, tinha um nariz que mais parecia um bico de abutre, uma colheita madura de espinhas, e não tinha mais peito do que um rapaz.
– Pode se ver livre da irmã por casamento – Esgred disse –, mas não dos tios.
– Meus tios… – a pretensão de Theon tinha precedência sobre as dos três irmãos do pai, mas, mesmo assim, a mulher tinha tocado num ponto sensível. Nas ilhas era longe de ser ignorado que um tio forte e ambicioso despojasse um sobrinho fraco dos seus direitos, geralmente assassinando-o no processo. Mas não sou fraco, disse Theon a si próprio, e pretendo ser ainda mais forte quando meu pai morrer. – Meus tios não são ameaça para mim. Aeron está bêbado de água do mar e santidade. Vive apenas para o deus dele…
– O deus dele? Não o seu?
– Meu também. O que está morto não pode morrer – deu um ligeiro sorriso. – Se eu soltar ruídos piedosos quando me for pedido, Cabelo-Molhado não me dará problemas. E meu tio Victarion…
– Senhor Comandante da Frota de Ferro, e um temível guerreiro. Ouvi canções sobre ele nas cervejarias.
– Durante a rebelião do senhor meu pai, ele navegou até Lanisporto com meu tio Euron e incendiou a frota Lannister no ancoradouro – Theon recordou. – Mas o plano era de Euron. Victarion é como um grande boi castrado cinza, forte, incansável e obediente, mas pouco capaz de ganhar corridas. Sem dúvida que me servirá tão lealmente como serviu ao senhor meu pai. Não tem nem a inteligência nem a ambição para maquinar traições.
– No entanto, a Euron Olho de Corvo não falta astúcia. Ouvi os homens contarem coisas terríveis sobre ele.
Theon se mexeu na sela.
– Meu tio Euron não é visto nas ilhas há cerca de dois anos. Pode estar morto – se assim fosse, talvez fosse melhor. O irmão mais velho de Lorde Balon nunca abandonou o Costume Antigo, nem sequer por um dia. Dizia-se que seu Silêncio, com suas velas negras e casco vermelho-escuro, era infame em todos os portos entre Ibben e Asshai.
– Pode estar morto – concordou Esgred. – Mas, se for vivo, ora, passou tanto tempo no mar que seria quase um estranho aqui. Os homens de ferro nunca poriam um estranho na Cadeira de Pedra do Mar.