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Sentou-se num banco da zona das chegadas e esfregou a cara com as palmas das mãos. Sentia-se desesperado e impotente. O que poderia fazer agora? Como quebrar aquela inesperada barreira que o separava de Ariana? Como se sentiria ela? Traída?

Por mais que considerasse as alternativas, só vislumbrava um curso de ação. Tinha de desvendar por completo o mistério do manuscrito de Einstein. Não dispunha de mais nenhuma opção.

Mas o que lhe faltava fazer? Bem, por um lado, precisava de conhecer a segunda via descoberta pelo professor Siza. Por outro, havia a questão ainda não resolvida da mensagem cifrada do documento, aquela que supostamente ocultava a fórmula de Deus. Como é que Tenzing lhe chamara? Ah, sim. Era a fórmula na qual tudo assentava. A fórmula que gera o universo, que explica a existência, que faz de Deus o que Ele é.

Meteu a mão ao bolso e retirou o papelinho rabiscado em Teerã com a mensagem cifrada. Por cima encontrava-se ainda o poema já decifrado. E por baixo, como se se risse de si, irritantemente divertida por manter ainda escondido o seu estranho segredo, espreitava a derradeira cifra.

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Como diabo decifrar esta charada?, interrogou-se. Fez um esforço para se recordar das referências do bodhisattva à forma usada por Einstein para ocultar esta mensagem. Se bem se lembrava, Tenzing falara num sistema de dupla cifração e ainda no recurso a...

O telemóvel tocou.

Seriam os seus esforços enfim a produzir frutos? Será que alguém lhe trazia a solução para o colete-de-forças em que os americanos tinham colocado Ariana?

Quase tremendo de ansiedade, tirou o telemóvel do bolso e premiu a tecla verde.

"Está sim?"

"Está? Tomás?"

Era a mãe.

"Sim, mãe", murmurou, escondendo com dificuldade a decepção. "Sou eu."

"Ai, filho. Ainda bem que te encontro! Tenho andado numa aflição que não imaginas..."

"Sim, estou aqui. O que é?"

"Tenho andado aflita para falar contigo. Já estou farta de te ligar e tu não atendes nem dizes nada. Parece incrível!"

"Ó mãe, a mãe sabia perfeitamente que eu estava no Tibete."

"Mas podias dizer alguma coisa, não?"

"E eu disse."

"Só no dia em que lá chegaste. Depois não disseste mais nada."

"Ó mãe, o que quer? Aquilo foi para lá uma trapalhada que nem queira saber e o fato é que não tive tempo de lhe ligar. Pronto, paciência. Mas já cá estou, não estou?"

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"Graças a Deus, meu filho. Graças a Deus."

Dona Graça começou a soluçar do outro lado da linha e Tomás mudou de semblante, de enfadado tornou-se de imediato preocupado.

"Então, mãe? O que se passa?"

"É o teu pai..."

"O que se passa com o pai?"

"O teu pai..."

"Sim?"

"O teu pai foi internado."

"O pai foi internado?"

"Sim. Ontem."

"Onde?"

"Nos hospitais da universidade."

A mãe chorava agora abertamente do outro lado da linha.

"Mãe, tenha calma."

"Eles disseram para eu me preparar."

"O quê?"

"Eles disseram que ele vai morrer."

XXXVI

O cheiro característico dos hospitais, aquele leve aroma asséptico que se parece pegar às paredes brancas, fez Tomás remexer-se com desconforto no seu banco. Olhou para o lado e, num gesto carinhoso, afagou os cabelos encaracolados da mãe, cabelos de um loiro simultaneamente artificial e natural; artificial por serem pintados, natural porque era essa a sua cor da juventude. Dona Graça apertava um lenço na mão e trazia os olhos avermelhados, mas mostrava-se controlada; sabia que, quando voltasse a ver o marido, teria de se apresentar confiante, positiva, cheia de energia, e essa noção dava-lhe força para domar a angústia que a assolava.

Sentiram um movimento na porta. Um homem calvo, de bata branca e óculos graduados, entrou na salinha e veio ter com eles. Beijou dona Graça nas duas faces e estendeu a mão a Tomás.

"Ricardo Gouveia", apresentou-se. "Como está?"

Era o médico do pai.

“Olá, doutor. Sou o filho do professor Noronha."

"Ah, o aventureiro!", sorriu o médico. "Os seus pais falam muito de si, sabia?"

"Ah, sim? E o que lhe contam?"

Gouveia piscou o olho.

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"Nunca ouviu dizer que as conversas dos pacientes com os seus médicos são confidenciais?"

O médico fez-lhes sinal para o seguirem e levou-os para um pequeno gabinete, dominado por um boneco humano em tamanho natural com as entranhas à mostra.

Indicou-lhes que se sentassem diante da secretária e ele próprio acomodou-se no seu lugar. Folheou uns papéis, levando alguns minutos a encarar os olhares ansiosos que o perscrutavam. Parecia estar a tentar ganhar tempo, mas acabou por levantar a cabeça.

"Lamento dizer, mas não há grandes alterações no estado do seu marido", disse Gouveia, virando-se para dona Graça. "Ele continua como aqui entrou ontem. A única coisa que se pode acrescentar é que parece estabilizado."

"E isso é bom?", perguntou ela, muito nervosa.

"Bem... uh... pelo menos, não é mau."

"O Manei consegue respirar, doutor?"

"Com dificuldade", retorquiu o médico. "Estamos a administrar-lhe oxigênio e medicamentos que dilatam as vias respiratórias, de modo a aliviar o problema, mas as dificuldades persistem."

"Ai, Virgem Santíssima", afligiu-se dona Graça, angustiada. "Ele está a sofrer muito, é?"

"Não, isso não."

"Diga-me a verdade, por favor."

"Não está em sofrimento, asseguro-lhe. Ele entrou aqui ontem com dores, de modo que lhe demos um narcótico forte e isso aliviou-o bastante."

Dona Graça mordeu o lábio inferior.

"O senhor doutor acha mesmo que ele não se safa desta, não é?"

Gouveia suspirou.

"O seu marido tem uma doença muito grave, dona Graça. É preciso não esquecer isso. Eu, no seu caso, e como já lhe disse ontem, preparar-me-ia para o pior." Torceu a boca. "Em todo o caso, não é impossível que ele melhore. Há muitas histórias de situações dramáticas que, no último instante, se inverteram. Quem sabe se isso poderá também ocorrer agora? Mas, de qualquer modo, parece-me que é preciso encarar esta situação com realismo e com serenidade." Esboçou uma expressão resignada. "A vida é feita disto, não é? Às vezes temos de aceitar as coisas, mesmo quando isso nos é muito difícil."

Tomás, que até aí se mantivera calado, revolveu-se na cadeira, intranquilo.

"O doutor, será que me pode explicar o que se passa exatamente com o meu pai?"

"O seu pai tem um carcinoma de células escamosas, em fase quatro", devolveu o médico, visivelmente aliviado por poder entrar nas explicações técnicas, terreno onde se sentia mais à vontade.

"Isso é um cancro do pulmão, não é?"

"É um cancro do pulmão que já se alastrou por todo o corpo. Ele tem metástases no cérebro, nos ossos e, agora, também no fígado."

"Isso não tem cura?"

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O médico abanou a cabeça.

"Receio bem que não."

"E tratamento?"

"No estado em que o seu pai se encontra, não me parece haver tratamento.

Normalmente este tipo de cancro tem de ser lidado com uma cirurgia, mas não quando ele se encontra na fase quatro, em que já se espalhou por toda a parte.

Quando o caso se torna inoperável, voltamo-nos para a radioterapia, que é o que o seu pai tem feito nestes últimos tempos."

"E qual o objetivo da radioterapia? Curá-lo?"

"Não. Como já lhe disse, não vejo hipóteses de cura." Fez um gesto vago para cima. "A não ser que haja intervenção divina, claro. Por vezes acontecem milagres..."