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"Então para que serve a radioterapia? Apenas para ganhar tempo?"

"Sim, ela apenas consegue retardar a evolução da doença. Além disso, serve igualmente para controlar a dor de ossos." Levantou-se e indicou dois pontos no boneco de plástico em tamanho natural que se encontrava ao lado da secretária. "Por outro lado, alivia aqui a síndroma da veia cava superior e a compressão da espinal medula." Voltou a sentar-se. "Claro que a radioterapia tem os seus inconvenientes, não é? Um deles é o de inflamar os pulmões, o que provoca tosse, febre e dispnéia."

"Dis... quê?"

"Dispnéia. Dificuldade em respirar."

"Ah, é? E como é que lidam com esses efeitos?"

"Administramos uns medicamentos chamados corticosteróides, como a prednisona, que aliviam os sintomas."

"E quanto tempo mais se consegue prolongar a vida de alguém nesta situação?"

O médico esboçou uma expressão indecisa.

"Bem... uh... isso depende dos casos, não é? Há quem dure mais, há quem resista menos. É difícil dizer..."

"Mas qual é a média?"

Gouveia estreitou os lábios, pensativo.

"Olhe, eu diria que a sobrevivência ao fim de cinco anos é inferior a uns dez por cento. Talvez ande mesmo na roda dos cinco por cento."

"Puxa", murmurou Tomás, atônito. "Tão pouco?"

"Sim." O médico esfregou o queixo. "E o pior é que o cancro do pulmão é uma neoplasia muito frequente, sabia? E a principal causa de morte por cancro. Uma em cada três pessoas que morre de cancro, morre por causa do cancro do pulmão."

"Ah, sim? Mas qual é a causa?"

Gouveia encolheu os ombros.

"Ora, o que havia de ser? O tabaco, claro."

"O meu pai fumava muito, de fato", assentiu Tomás, os olhos mergulhados nas memórias da infância. "Lembro-me de o ver no escritório, às voltas com as suas 283

equações e no meio de uma nuvem de fumo. Caramba, nem sei como é que ele conseguia respirar."

"Isso paga-se", observou o médico. "Pouca gente sabe, mas quase noventa por cento dos casos de cancro de pulmão são provocados pelo tabaco. Os fumadores têm um risco de contrair este cancro catorze vezes superior ao dos não fumadores. Catorze vezes."

Tomás suspirou.

"Sim, está bem", desabafou com um esgar levemente irritado. "A última coisa que precisamos agora é de uma lição de moral sobre os malefícios do tabaco, não acha? O

que está feito, está feito."

"Desculpe", disse o médico, preocupado com a possibilidade de ter ido longe de mais. "Estava só a responder às suas perguntas."

"Com certeza."

Dona Graça remexeu-se no seu lugar, agitada.

"Ó doutor Gouveia, não há hipóteses de vermos o meu marido?"

O médico ergueu-se do seu lugar, dando a reunião por concluída.

"Claro que sim, dona Graça", disse, solícito. "A enfermeira virá chamar-vos quando for a altura, está bem?"

"E quando será isso?"

"Quando ele acordar."

A enfermeira entrou de rompante na salinha de espera. Ostentava ao peito, sobre a bata branca, uma plaquinha a anunciar que se chamava Berta e tinha um aspecto despachado, todo ele profissional. Fez-lhes um sinal apressado.

"Façam favor", disse. "Ele já acordou."

"Podemos vê-lo?"

"Claro. Façam o favor de me seguir."

Caminharam pelo corredor, tentando acompanhar o passo rápido da enfermeira Berta. Tomás adiantou-se um pouco e conseguiu colocar-se ao lado dela.

"Como está ele?"

"Acabou de acordar. Está consciente."

"Sim, mas o que eu queria saber é como ele se sente..."

A enfermeira olhou-o de soslaio.

"Está... enfim... não está bem, não é? Mas não tem dores nem nada."

"Ao menos isso."

Berta deu mais uns passos apressados, sempre com ar muito profissional, mas acabou por voltar a mirar Tomás.

"Ouça, ele encontra-se muito fraco e muito cansado" disse, a voz mais distendida.

"Vocês não devem abusar muito, entendeu?"

"Sim."

"Ele parece-me ter entrado numa fase de aceitação."

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"Aceitação?"

"Sim, aceitação da morte. Em geral só os pacientes de mais idade atingem esta fase quando se encontram num estado terminal. Os mais novos têm muita dificuldade em aceitar a morte, é uma coisa terrível. Mas alguns dos mais velhos, quando são pessoas emocionalmente maduras e têm a sensação de que a sua vida teve um propósito, parecem aceitar melhor as coisas."

"Está-me a dizer que o meu pai já aceitou a morte, é?"

"Sim, embora continue agarrado à vida, claro. Não está na natureza humana a ideia de aceitar a morte assim sem mais nem menos. Ele mantém a esperança de que alguma coisa aconteça, alguma coisa que lhe melhore a condição e o faça viver. Mas, por outro lado, é uma pessoa que acha que cumpriu a sua missão, que a sua vida teve um sentido, e isso ajuda-o a enfrentar esta situação. Além disso, tem a noção de que as coisas têm o seu tempo e aceita o fato de que o seu está a expirar."

"Nada na vida é permanente, não é? Tudo é transitório."

"Exato", concordou a enfermeira. "Mas isso é mais fácil de dizer quando se está de saúde do que de sentir quando se está doente. Quando nos encontramos de saúde podemos dizer tudo, até as maiores barbaridades. Mas é preciso estar ali onde ele está, mesmo às portas da morte, para se perceber como as coisas são."

"Imagino."

"Não imagina, não", sorriu ela sem humor. "Mas um dia, quando também ali estiver, daqui a muitos anos, quando a morte deixar de ser uma abstracção para se tornar uma realidade mesmo ao virar da esquina, nesse dia o senhor vai perceber."

Um murmúrio baixo rumorejava pela enfermaria. Atravessaram o corredor em silêncio, procurando respeitar a privacidade dos pacientes, e chegaram à zona dos quartos individuais. Berta levou-os até uma porta e, sem mais palavras, abriu-a com cuidado e fez sinal para os dois visitantes entrarem. Tomás deixou a mãe passar primeiro e seguiu atrás, quase suspendendo a respiração.

Quando viu o pai teve vontade de chorar.

Manuel Noronha estava quase irreconhecível. Apresentava-se muito magro, a pele enrugada e chupada, imensamente pálida, quase sem carnes, apenas ossos; o cabelo branco encontrava-se desalinhado sobre a almofada e os olhos mostravam-se mortiços, embora tivessem faiscado momentaneamente quando reconheceram a mulher e o filho.

Dona Graça beijou-o e sorriu, sorriu com tal confiança que Tomás não pôde deixar de admirar a força interior da mãe; vira-a destroçada fora daquele quarto, mas ali dentro, diante do marido moribundo, respirava segurança e tranquilidade. A mulher fez-lhe algumas perguntas sobre o seu estado e as suas necessidades, às quais ele respondeu com uma voz muito sumida. Depois, com a arte de um Pai Natal de hospital, ela abriu um cestinho de vime, que trouxera discretamente debaixo do xale, e retirou do interior um queijo redondo, era um Rabaçal cujo aspecto fazia crescer água na boca, mais uma broa de trigo e amêndoas. Tomás reconheceu nestas pequenas delícias as perdições gastronômicas do pai. Dona Graça serviu-as à boca do marido, muito terna e protetora, turturilhando palavras meigas.

Quando ele acabou de comer, a mulher limpou-lhe a boca, ajeitou-lhe o cabelo e os cobertores e compôs-lhe o colarinho do pijama, sempre muito maternal, a sua 285

presença impondo uma plácida tranquilidade, era como a mãe a aconchegar o recém-nascido no berço. Olhando-os ali, o pai deitado e desprotegido, a mãe inclinada sobre ele a tratá-lo e a consolá-lo, Tomás comoveu-se com a invisível ligação que os unia.