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que se vai passar é que o professor Siza nunca mais irá aparecer, percebeu?"

O físico balançou afirmativamente a cabeça, ainda tentando assimilar a informação.

"Mas que mundo!"

Tomás deixou-o mais um minuto a digerir a notícia da morte do seu mestre.

"Ouça, professor", começou por dizer. "A vida de uma segunda pessoa está em risco neste momento por causa do mesmo manuscrito e do mesmo equívoco. Salvá-la ou não depende de uma informação crucial que eu preciso de obter. Só o senhor me pode ajudar."

Luís Rocha, já mais recomposto, devolveu-lhe o olhar perscrutador.

"Diga..."

"Eu preciso de saber qual é a segunda via descoberta pelo professor Siza. O

senhor conhece-a?"

"Claro que conheço", devolveu o físico muito depressa, quase ofendido com a pergunta. "Eu e o professor Siza não temos feito outra coisa nestes últimos anos senão trabalhar nela."

"Então será que me pode explicar?"

"Bem, isso... uh.... enfim, é uma investigação liderada pelo professor Siza e..."

"O professor Siza morreu, não entende?", cortou Tomás, já impaciente. "E eu preciso de conhecer essa segunda via para impedir que uma outra pessoa morra pelos mesmos motivos."

Luís Rocha hesitou de novo.

"Mas o senhor não acha que é pouco curial eu estar a divulgar agora a investigação do professor Siza?"

"Ouça, o professor Siza morreu", insistiu Tomás, juntando toda a paciência que era capaz de reunir dentro de si. "Nada disso interessa agora, percebe? Nada o impede a si de publicar um artigo numa revista científica ou mesmo um livro com todos os pormenores da descoberta da segunda via, mais os detalhes do manuscrito de 295

Einstein. O professor Siza já cá não está para fazer esse anúncio público, anúncio que, deixe-me lembrar, ele próprio planeava fazer."

"Você acha que eu devo divulgar isso, é?"

"Então não há-de divulgar? Uma descoberta dessas é... é uma coisa sensacional, não pode permanecer eternamente em segredo. Claro que tem de divulgar. Se até era isso o que o professor Siza tencionava fazer, parece-me evidente que o seu dever é o de executar a sua vontade."

O físico ponderou o argumento.

"É", acabou por dizer. "Você é capaz de ter razão."

"Claro que tenho. Bem-vistas as coisas, essa era até uma justa homenagem que você prestava ao seu mestre. O texto que vier a elaborar pode ser de co-autoria, sei lá.

Aliás, é isso que faz sentido, não é?"

"Sim, tem razão", disse Luís Rocha, a voz mais firme e decidida. "É isso, vou divulgar tudo."

Tomás suspirou, aliviado com esta pequena vitória, mas não largou o seu interlocutor.

“Antes que você faça o que quer que seja, no entanto, preciso que me explique a mim essa vossa segunda via. Como lhe disse, a vida de uma outra pessoa depende dessa informação."

Luís Rocha ergueu-se bruscamente da cadeira.

"Muito bem", exclamou. "Vamos a isso."

Tomás olhou-o, surpreendido por vê-lo assim de pé.

"Onde vai?"

O físico deu meia-volta e afastou-se, lançando um derradeiro olhar para trás.

"Vou buscar dois cafés", disse. "Já venho."

XXXVIII

O aroma quente e perfumado invadiu a entrada da biblioteca logo que Luís Rocha apareceu com a bandeja. Chamou Tomás para o cubículo escondido à esquerda, logo depois da entrada, e convergiu apressadamente para o apertado compartimento com ar de quem estava a fazer uma tropelia. Pousou a bandeja numa mesinha e, logo que o visitante se acomodou naquele espaço estreito, pegou numa chávena fumegante, o vapor a emergir do líquido cremoso e encorpado, refletindo uma cor de noz levemente avermelhada, e sorriu.

"Sai um expresso", disse, estendendo a chávena a Tomás. "Quer açúcar?"

"Sim."

Tomás pegou num saquinho e despejou-o na chávena quente, mexendo o café logo a seguir.

"Se o director da biblioteca nos vê, mata-nos", comentou o físico com um riso baixo, depois de espreitar lá para fora para se assegurar de que não tinham sido vistos.

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Tomás analisou o cubículo desarrumado onde se haviam escondido.

"É por isso que viemos para aqui, é?"

"Sim", confirmou o anfitrião, o ar conspirativo. "Neste cantinho estamos mais à vontade."

"Não era melhor irmos para uma esplanada lá fora?"

"Não, aqui escondidos estamos bem. Ninguém nos vai encontrar." Inalou o aroma que se desprendia com o vapor. "Sabe, a verdade é que não consigo passar sem um café nestas ocasiões. Não há nada melhor do que um expressozinho antes de uma conversa complexa. Ajuda-me a concentrar nas ideias."

"A nossa conversa vai ser complexa?"

"Entender o que tenho para dizer não será complexo", disse Luís. "O que é complexo é fazer com que tudo isto não pareça complexo, percebe?" Piscou o olho.

"Isso é que é complexo!"

"A simplicidade é complexa."

"Mais do que as pessoas imaginam. Passei toda a investigação a engolir expressos, o que julga você? Era eu com os expressos e o professor Siza com um café frio que aprendeu a fazer em Itália, uma coisa gelada com natas batidas à superfície.

Chamava-lhe granita di caffé."

"Isso é um café frappé, não é?"

"Sim, ele tinha a mania de beber aquela porcaria." Estremeceu. "No Inverno esse café frio fazia-me cá uma confusão... mas, enfim, gostos não se discutem, não é verdade?"

"É evidente."

Beberam um trago do expresso. Tinha um sabor forte, muito característico, com o líquido cremoso a deixar um agradável travo prolongado na boca.

Luís Rocha pousou a sua chávena na bandeja e concentrou-se no que tinha para dizer.

"Bem, vamos a isto", exclamou, preparando-se para começar. "Já percebi que o amigo tibetano do professor Siza lhe explicou o que se passou em Princeton em 1951, não é?"

"Sim, ele contou-me tudo."

"Portanto, você já sabe a história do primeiro-ministro de Israel, o desafio que ele fez a Einstein, a elaboração d'A Fórmula de Deus e o requisito de se arranjar uma segunda via científica antes de se tornar público o manuscrito. Nada disto é novidade para si, pois não?"

"Não. Tudo isso já eu sei."

"Muito bem", suspirou. "O que se passou foi que o professor Siza levou muito a peito o projeto de Einstein e resolveu dedicar a sua vida a tentar resolver esse mistério. Seria possível arranjar uma segunda via que provasse cientificamente a existência de Deus? Era esse, sem tirar nem pôr, o desafio que tinha diante de si."

"E como é que ele o enfrentou?"

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"Bem, a primeira coisa que teve de fazer foi definir o objeto de estudo. O que é Deus? Quando falamos de Deus, estamos a falar exatamente do quê? Do Deus descrito pela Bíblia?"

"Suponho que sim..."

"Mas o Deus descrito pela Bíblia, como lhe expliquei há duas semanas, é absurdo." Ergueu-se e saiu do cubículo. Dirigiu-se a uma prateleira ali perto, pegou num enorme volume soberbamente encadernado e voltou ao esconderijo, sentando-se com a obra aberta no regaço. "Ora deixe cá ver", disse, folheando as páginas iniciais até localizar o trecho que procurava. "Aqui está. Logo no início do Antigo Testamento está escrito que Deus quis dar ao homem uma auxiliar e, então, fez o seguinte: «após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, conduziu-os até junto do homem, a fim de verificar como ele os chamaria, para que todos os seres vivos fossem conhecidos pelos nomes que o homem lhes desse.» Depois a Bíblia acrescenta: «contudo, não encontrou para ele uma auxiliar adequada. Então, o Senhor Deus adormeceu profundamente o homem e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher»." Ergueu a cabeça. "Não vê nada de estranho neste relato?"