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"Mas o que está um manuscrito desta importância aqui a fazer?", admirou-se o historiador. "O professor Siza guardava as suas coisas na Biblioteca Joanina?"

"Não, claro que não. O que se passou foi que, logo após o assalto em que o professor desapareceu, fiquei um pouco... enfim, assustado. Ao inventariar o que tinha sido tirado da casa, verifiquei que o velho manuscrito de Einstein não se encontrava em parte alguma e isso fez-me considerar a possibilidade de toda a investigação estar em perigo. De modo que decidi tirar da casa tudo o que havia relacionado com esta pesquisa. Ainda guardei as coisas no meu apartamento por alguns dias, mas isso pôs-me muito nervoso e acabei por achar que aquele não era igualmente um local seguro. Se assaltaram a casa do professor, poderiam também assaltar a minha, não é verdade? De modo que optei por distribuir algumas coisas pequenas entre os colegas do professor, incluindo o seu pai, por exemplo." Acariciou a cartolina azul. "O problema, no entanto, era o que estava nesta pasta, a segunda via, de longe o documento mais importante. Não lhes queria entregar a pasta para guardarem, mas também não a podia manter em casa, não é? O que fazer?" Fez um gesto na direção da estante de onde a retirara. "Foi então que tive a idéia de esconder a pasta num buraco que eu sabia existir aqui na biblioteca, ali em cima, mesmo ao lado do retrato do rei, detrás de uma fileira de livros."

"Você ficou realmente assustado, hã?"

"Então não havia de ficar? Se, além de raptarem o professor, tinham também levado A Fórmula de Deus, tornou-se evidente para mim que poderia haver uma relação entre o sequestro e a investigação. Como eu estava envolvido na investigação, comecei a sentir-me muito nervoso. Sabia lá se também me viriam bater à porta..."

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"Pois claro."

Luís Rocha calou-se e olhou em redor. Ergueu os braços e fez um gesto largo com as mãos, abarcando toda a Biblioteca Joanina.

"Sabe, o professor Siza costumava dizer que esta biblioteca é a metáfora da assinatura divina no universo."

"A assinatura divina no universo? Não entendo..."

"É uma imagem inspirada nas conversas que ele teve com Einstein." Apontou para as estantes preenchidas por livros. "Imagine que uma criança entra nesta biblioteca e vê estes livros, todos eles redigidos em línguas desconhecidas, a maior parte em latim. A criança sabe que alguém escreveu os livros e sabe que os livros revelam coisas, claro, embora não saiba quem os escreveu nem o que eles contam. Na verdade, a criança nem sequer compreende latim. Suspeita que toda esta biblioteca está organizada segundo uma ordem, mas essa ordem parece-lhe misteriosa." Pousou a palma das mãos no peito. "Nós estamos como essa criança e o universo é como esta biblioteca. O universo contém leis e forças e constantes criadas por alguém, com objetivos misteriosos e segundo uma ordem incompreensível para nós.

Compreendemos vagamente as leis, captamos as linhas gerais da ordem que tudo organiza, percebemos superficialmente que as constelações e os átomos se movem de determinada forma. Tal como a criança, desconhecemos os pormenores, apenas formamos uma pálida idéia do propósito de tudo isto. Mas há uma coisa de que temos a certeza: toda esta biblioteca foi organizada com uma intenção. Mesmo que não consigamos ler os livros nem jamais venhamos a conhecer os seus autores, o fato é que estas obras contêm mensagens e a biblioteca está organizada em obediência a uma ordem inteligente. Assim é o universo."

"Essa foi a pista dada por Einstein ao professor Siza para se encontrar a segunda via?"

"Não. Essa foi a metáfora que o professor Siza usava para explicar a inteligência intencional do universo, uma metáfora inspirada nas conversas que ele teve com Einstein."

Tomás esboçou uma expressão interrogativa.

"Então qual foi a pista dada por Einstein?"

Luís Rocha retirou o elástico que prendia a pasta e abriu-a, revelando uma resma de documentos e anotações, a maior parte cheia de equações estranhas, incompreensíveis para um leigo. O físico folheou as anotações até detectar uma página em particular.

"Cá está", disse. "Foi esta."

Tomás inclinou-se sobre a anotação.

"O que é isso?"

"É uma frase muito conhecida de Einstein", explicou Luís Rocha. "Disse ele: «o que realmente me interessa é saber se Deus poderia ter feito o mundo de uma maneira diferente, ou seja, se a necessidade de simplicidade lógica deixa alguma liberdade»."

"Isso é uma pista?"

"Sim. O professor Siza sempre encarou esta frase como a pista para a segunda via e, se formos a ver bem, é fácil perceber porquê. O que Einstein está aqui a colocar é a questão da inevitabilidade de o universo ser como é e a questão do determinismo.

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Ou seja, e esta é a pergunta essenciaclass="underline" se as condições de partida fossem diferentes, quão diferente seria o universo?"

"Hmm."

"Claro que, naquele tempo, esta era uma questão incrivelmente difícil de responder. Faltavam ainda os modelos matemáticos para lidar com ela, por exemplo.

Mas, uma década depois, com o aparecimento da Teoria do Caos, tudo mudou. A Teoria do Caos veio fornecer instrumentos matemáticos muito precisos para lidar com o problema da alteração das condições iniciais de um sistema."

"Não estou a perceber", disse Tomás. "O que entende por condições iniciais?"

"A expressão condições iniciais refere-se ao que aconteceu nos primeiros instantes de criação do universo com a distribuição da energia e da matéria. Mas é preciso também considerar as leis do universo, a organização das diversas forças, os valores das constantes da natureza, tudo, tudo. Olhe, por exemplo, veja o caso das constantes da natureza. Não lhe parece que elas são um elemento crucial neste cálculo?"

"As constantes da natureza?"

"Sim." Franziu o sobrolho, estranhando a pergunta. "Presumo que saiba do que se trata, não?"

"Uh... não."

"Ah, perdão, por vezes esqueço-me de que estou a falar com um leigo", exclamou o físico, levantando a mão a pedir desculpa. "Bem, as constantes da natureza são quantidades que desempenham um papel fundamental no comportamento da matéria e que, em princípio, apresentam o mesmo valor em qualquer parte do universo e em qualquer momento da sua história. Por exemplo, um átomo de hidrogênio é igual na Terra ou numa longínqua galáxia. Mas, mais do que isso, as constantes da natureza são uma série de valores misteriosos que se encontram na raiz do universo e que lhe conferem muitas das suas atuais características, constituindo uma espécie de código que encerra os segredos da existência."

Tomás contraiu o rosto num esgar intrigado.

"Ah, sim? Nunca tinha ouvido falar nisso..."

"Acredito", assentiu Luís Rocha. "Há muita coisa que os cientistas descobriram e que as pessoas comuns pura e simplesmente não conhecem. E, no entanto, estas constantes são algo de fundamental, elas constituem uma misteriosa propriedade do universo e condicionam tudo o que nos rodeia. Descobriu-se que o tamanho e a estrutura dos átomos, das moléculas, das pessoas, dos planetas e das estrelas não resultam de um acaso nem de um processo de seleção, mas dos valores destas constantes. Assim sendo, a questão que o professor Siza colocou foi muito simples: e se os valores das constantes da natureza fossem ligeiramente diferentes?"

"Como assim, diferentes?"

"Olhe, a força da gravidade ser ligeiramente mais fraca ou mais forte do que é, a luz apresentar uma velocidade no vácuo um pouco maior ou um pouco menor do que a que tem, a constante de Planck que determina a mais pequena unidade de energia possuir um valor marginalmente diferente... enfim, esse tipo de coisas. O que aconteceria se ocorressem pequenas alterações nestes valores?"