"Estou a perceber", murmurou Tomás, assombrado. "Isto é... é espantoso."
"Tudo graças a uma partícula extra." Localizou nova página. "Outra questão onde o universo requer uma incrível afinação é a sua homogeneidade. A distribuição da densidade da matéria é muito homogênea, mas não é totalmente homogênea. Quando ocorreu o Big Bang, as diferenças de densidade eram incrivelmente pequenas e foram sendo amplificadas ao longo do tempo pela instabilidade gravitacional da matéria. O
que o professor Siza descobriu é que esta afinação foi outro inacreditável golpe de sorte. O grau de não uniformidade é extraordinariamente pequeno, na ordem de um para cem mil, exactamente o valor necessário para permitir a estruturação do universo. Nem mais, nem menos. Se fosse marginalmente maior, as galáxias depressa se transformariam em densos aglomerados e formavam-se buracos negros antes de estarem reunidas as condições para a vida. Por outro lado, se o grau de não uniformidade fosse marginalmente mais pequeno, a densidade da matéria seria demasiado fraca e as estrelas não se formariam." Abriu as mãos. "Ou seja, era preciso que a homogeneidade fosse exactamente esta para que a vida fosse possível. As possibilidades de assim ser eram minúsculas, mas ocorreram."
"Estou a ver."
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"A própria existência das estrelas com uma estrutura semelhante à do Sol, adequada à vida, resulta de um novo golpe de sorte." Desenhou uma estrela numa folha limpa. "Repare, a estrutura de uma estrela depende de um equilíbrio delicado no seu interior. Se a irradiação de calor for demasiado forte, a estrela transforma-se numa gigante azul e se for demasiado fraca a estrela torna-se uma anã vermelha. Uma é excessivamente quente e outra excessivamente fria e ambas provavelmente não têm planetas. Mas a maior parte das estrelas, incluindo o Sol, situa-se entre estes dois extremos, e o que é extraordinário é que os valores para além desses extremos são altamente prováveis, mas não ocorreram. Em vez disso, a relação das forças e a relação das massas das partículas dispõem de um valor tal que parecem ter conspirado para que a generalidade das estrelas se situe no estreito espaço entre os dois extremos, assim possibilitando a existência e predominância de estrelas como o Sol. Altere-se marginalmente o valor da gravidade, da força eletromagnética ou da relação de massas entre o electrão e o protão e nada do que vemos no universo se torna possível."
"Incrível", comentou Tomás, abanando a cabeça. "Não fazia a mínima idéia disto."
Luís Rocha folheou de novo as anotações.
"Depois de analisar as condições iniciais do universo, o professor Siza dedicou a sua atenção às micropartículas." Parou noutra página cheia de equações. "Por exemplo, pôs-se a estudar duas importantes constantes da natureza, justamente esta proporção das massas dos electrões e protões, designada constante Beta, e a força de interacção electromagnética, designada constante da estrutura fina, ou Alfa, e alterou-lhes os valores, calculando as consequências de tal alteração. Sabe o que ele descobriu?"
"Diga."
"Faça-se um pequeno aumento de Beta e as estruturas moleculares ordenadas deixam de ser possíveis, uma vez que é o actual valor de Beta que determina as posições bem definidas e estáveis dos núcleos dos átomos e que obriga os electrões a moverem-se em posições bem precisas em torno desses núcleos. Se o valor de Beta for marginalmente diferente, os electrões começam a agitar-se de mais e impossibilitam a realização de processos muito precisos, como a reprodução do ADN. Por outro lado, é o actual valor de Beta que, em ligação com Alfa, torna o centro das estrelas suficientemente quentes para gerarem reacções nucleares. Se Beta exceder em 0,005 o valor do quadrado de Alfa, não haverá estrelas. Sem estrelas, não há Sol. Sem Sol, não há Terra nem vida."
"Mas as margens são assim tão estreitas?"
"Estreitíssimas. E isto não é tudo."
"Então?"
"Olhe, se Alfa aumentar em apenas quatro por cento, o carbono não poderá ser produzido nas estrelas. E se aumentar apenas 0,1, não haverá fusão nas estrelas.
Sem carbono nem fusão estelar, não haverá vida. Ou seja, para que o universo possa gerar vida, é necessário que o valor da constante da estrutura fina seja exatamente o que é. Nem mais, nem menos."
O físico localizou uma nova folha dos apontamentos.
"Outra coisa que o professor Siza analisou foi a força nuclear forte, aquela que provoca as fusões nucleares nas estrelas e nas bombas de hidrogênio. Ele fez os cálculos e descobriu que, se se aumentar a força forte em apenas quatro por cento, isso faria com que, nas fases iniciais após o Big Bang, todo o hidrogénio do universo se queimasse rápido de mais, convertendo-se em hélio 2. Isso seria um desastre, 311
porque significaria que as estrelas esgotariam depressa o seu combustível e algumas se transformariam em buracos negros antes de existirem condições para a criação de vida. Por outro lado, se se reduzisse a força forte em dez por cento, isso afetaria o núcleo dos átomos de um modo tal que impediria a formação de elementos mais pesados do que o hidrogênio. Ora, sem elementos mais pesados, um dos quais é o carbono, não há vida." Bateu com o indicador naquelas contas. "Ou seja, o professor Siza descobriu que o valor da força forte dispõe de apenas um pequeno intervalo para criar as condições para a vida e, veja só, como que por providencial milagre é justamente nesse estreitíssimo intervalo que a força forte se situa."
"E inacreditável", murmurou Tomás, acariciando distraidamente o queixo.
"Inacreditável."
Mais páginas repletas de insondáveis equações.
"Aliás, a conversão do hidrogênio em hélio, crucial para a vida, é um processo que requer absoluta afinação. A transformação tem de obedecer a uma taxa exacta de sete milésimos da sua massa para energia. Se se baixar uma fracção, a transformação não ocorre e o universo só tem hidrogênio. Se se aumentar uma fração, o hidrogênio esgota-se rapidamente em todo o universo."
Escreveu os valores.
0,006% - só hidrogênio
0,008% - hidrogênio esgotado
"Ou seja, para que exista a vida é necessário que a taxa de conversão do hidrogênio em hélio se situe exatamente neste intervalo. E, olhe a coincidência: situa-se mesmo!"
"Puxa! Mais uma sorte grande..."
"Sorte grande?", riu-se o físico. "Isto não é sorte grande. Isto é o jackpot dos jackpots!" Folheou as anotações. "Agora repare no carbono. Por diversas razões, o carbono é o elemento no qual assenta a vida. Sem carbono, a vida complexa espontânea não é possível, uma vez que só este elemento dispõe de flexibilidade para formar as longas e complexas cadeias necessárias para os processos vitais. Nenhum outro elemento é capaz de o fazer. O problema é que a formação do carbono só é possível devido a um conjunto de circunstâncias extraordinárias." Esfregou o queixo, concentrado na forma como iria explicar o processo. "Para formar o carbono, é preciso que o berílio radioativo absorva um núcleo de hélio. Parece simples, não é? O