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sempre a falar de futebol e de mulheres? Para elas andarem a ler revistas cor-de-rosa e a ver telenovelas? Para quê?"

Tomás encolheu os ombros.

"Sei lá", exclamou. "Mas qual é a relevância dessa questão?"

Luís Rocha cravou os seus olhos castanhos nos verdes de Tomás.

"Porque esta é a questão resolvida pela última mensagem de Einstein."

"Como?"

"A cifra inserida por Einstein em A Fórmula de Deus resolve o problema do propósito da nossa existência."

Tomás meteu a mão ao bolso e retirou o papelinho dobrado que o acompanhava sempre.

Desdobrou a folha e releu a mensagem cifrada.

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"Isto?"

"Sim."

"Você está-me a dizer que esta charada resolve o enigma da nossa existência?"

"Sim. Ela revela o objetivo da existência da vida."

O historiador voltou a analisar a mensagem.

"Mas como sabe você isso?"

"Foi o professor Siza que me disse."

"O professor Siza conhecia o segredo?"

"O professor Siza conhecia a pista para o segredo. Ele disse-me que Einstein lhe revelou que esta mensagem cifrada continha o endgame do universo."

"O endgame?"

"É uma expressão muito popular na América. Significa o objetivo final de um jogo."

Tomás abanou a cabeça, tentando entender o que lhe era revelado.

"Desculpe, não estou a perceber", exclamou. "Onde está a tentar chegar?"

O físico fez um gesto largo.

"Olhe para tudo o que nos rodeia", disse. "Aqui neste planeta há vida em toda a parte. Nas planícies e nas montanhas, nos mares e nos rios, entre as pedras e até debaixo da terra. Para onde nos viremos, vemos vida. E, no entanto, sabemos que tudo isto é efêmero, não é?"

"Claro, todos morremos."

"Não é isso o que eu estou a dizer", corrigiu Luís Rocha. "Quando eu digo que é tudo efêmero, o que eu quero dizer é que tudo isto está condenado a desaparecer. O

período em que a vida é possível no universo é muito limitado."

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"O que quer dizer com isso?"

"O que eu quero dizer é que nada é eterno. O que eu quero dizer é que este período fértil em vida não passa de um pequeno episódio na história do universo."

"Um pequeno episódio? Não entendo..."

"Ouça, a vida na Terra depende da atividade do Sol, não é? Ora bem, o Sol não vai existir até à eternidade. Se fosse um homem, já teria mais de quarenta anos, o que significa que provavelmente já passou mais de metade da sua existência. Todos os dias a nossa estrela está a tornar-se mais luminosa, aquecendo gradualmente o planeta até acabar por destruir toda a biosfera, o que deverá acontecer dentro de mil milhões de anos. Como se isso não bastasse, daqui a quatro ou cinco mil milhões de anos todo o combustível que alimenta a atividade solar irá esgotar-se. O núcleo, num esforço desesperado para manter a produção de energia, deverá encolher-se até que os efeitos quânticos actuem para o estabilizar. Nessa altura, o Sol inchará tanto que se transformará numa estrela gigante vermelha, com a sua superfície a crescer até engolir os planetas interiores."

"Que horror!"

"Pois é", disse o físico. "Mas é melhor ir-se habituando à idéia. Isto vai ficar muito pouco agradável, sabe? A própria Terra acabará por ser engolida pelo Sol, mergulhando naquela fornalha infernal. E, quando todo o combustível solar for consumido, a pressão interna entrará em colapso e o Sol encolherá até ficar reduzido ao atual tamanho da Terra, arrefecendo como uma anã negra. O mesmo processo ocorrerá nas estrelas que se encontram no céu. Uma a uma, todas incharão e todas morrerão, umas encolhendo até se tornarem anãs, outras explodindo em supernovas."

"Mas podem nascer novas estrelas, não é?"

"Vão nascer novas estrelas. O problema é que já nascem cada vez menos estrelas, porque os elementos que as formam estão a desaparecer, ou seja, o hidrogênio primordial está a esgotar-se e os gases começaram a dissipar-se. O pior é que, daqui a alguns milhares de milhões de anos, deixarão de nascer estrelas. Só haverá funerais galácticos. Com a gradual morte das estrelas, as galáxias vão-se tornando cada vez mais escuras até que, um dia, se apagarão todas e o universo se transformará num imenso cemitério, cheio de buracos negros. Mas mesmo os buracos negros irão desaparecer, com o total regresso da matéria à forma de energia. Numa fase muito adiantada, apenas restará radiação."

"Puxa", exclamou Tomás, uma expressão sombria no rosto. "O futuro adivinha-se negro."

"Muito negro", concordou Luís Rocha. "O que levanta um grande problema ao Princípio Antrópico, não acha?"

"Claro. Se o universo está destinado a morrer dessa forma, qual o objetivo da vida? Por que razão Deus afinou a criação do universo para permitir o nascimento da vida se planejava destruí-la logo a seguir? Qual o propósito de tudo isto?"

"Foi justamente isso o que pensou o professor Siza. Para quê criar a vida se a idéia é destruí-la logo a seguir? Para quê tanto trabalho se o seu produto é tão efémero? Qual é, afinal, o endgame?'"

"Pois, esse é um problema sem solução, não é?"

"Não", disse o físico. "Pelo contrário, tem solução."

Tomás arregalou os olhos.

"O quê?", admirou-se. "Tem solução?"

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"Sim, o professor Siza encontrou a solução."

"Então conte lá isso, homem", exclamou o historiador, impaciente. "Não me mantenha assim em suspenso!"

"Chama-se o Princípio Antrópico Final e nasce da constatação de que não faz sentido estar tudo organizado de modo a fazer aparecer vida para depois se deixar que ela desapareça dessa maneira. O Princípio Antrópico Final postula que o universo se encontra afinado para provocar o nascimento da vida. Mas não é uma vida qualquer.

É a vida inteligente. E, após ter aparecido, a vida inteligente jamais desaparecerá."

O historiador ergueu uma sobrancelha, mantendo a outra cerrada, numa expressão incrédula.

"A vida inteligente jamais desaparecerá?"

"Sim."

"Mas... mas como é isso possível? Não foi você que acabou de dizer que a Terra vai ser destruída?"

"Sim, claro. Isso é inevitável."

"Então como é possível que ela nunca desapareça?"

"Teremos de sair da Terra, está visto."

"Sair da Terra?" Tomás riu-se. "Desculpe lá, mas isto já começa a parecer má ficção científica."

"Acha que sim? E, no entanto, alguns cientistas começam a encarar seriamente esse cenário, sabia?"

O sorriso do historiador desfez-se.

"A sério?"

"Claro. A Terra não tem futuro, vai ser destruída."

"E vamos para onde?"

"Ora! Vamos para outras estrelas, claro."

Tomás abanou a cabeça, baralhado.

"Desculpe, mas, mesmo que assim seja, o que resolve isso?"

"Bem... parece-me óbvio, não é? Se formos para as estrelas, escaparemos à inevitável destruição da Terra."

"E o que nos adianta isso? Não são as estrelas que também vão desaparecer? Não são as galáxias que também se vão apagar? Não é o universo que também vai morrer?

Mesmo que consigamos escapar da Terra, estaremos apenas a adiar o inevitável, não lhe parece? Nessas circunstâncias, como é possível postular que a vida inteligente jamais desaparecerá?"

Luís Rocha percorreu com os olhos o altar maneirista da capela, mas a mente encontrava-se bem longe dali, mergulhada algures nos labirintos do pensamento.

"O estudo da sobrevivência e do comportamento da vida no futuro longínquo constituiu-se recentemente como um novo ramo da física", disse, a voz assumindo o tom neutral característico das exposições acadêmicas. "Sabe, as investigações em torno desta questão começaram com a publicação em 1979 de um artigo assinado por Freeman Dyson com o título Time witbout end: Physics and Biology in an Open Universe. Dyson esboçou aí um primeiro esquema, muito incompleto, que viria a ser reformulado por outros cientistas que se interessaram pela mesma questão, 324