designadamente Steve Frautschi, o qual publicou um outro texto científico sobre o mesmo assunto na revista Science em 1982. Sucederam-se novos estudos em torno deste problema, todos eles assentes inteiramente nas leis da física e na teoria dos computadores."
Tomás manteve uma expressão perplexa.
"Acho tudo isso extraordinário", comentou. "Não fazia a mínima idéia de que tinha aparecido um novo ramo da física dedicado à sobrevivência da vida no futuro longínquo. Se quer que lhe diga, nem vejo como tal seja possível, considerando o assustador cenário que você traçou sobre a inevitável morte das estrelas e das galáxias. Como é possível que a vida sobreviva nessas condições?"
"Quer que eu lhe explique?"
"Faça o favor. Sou todo ouvidos."
"Olhe, vou-lhe dar apenas as linhas gerais, está certo? Os pormenores são demasiado técnicos e parecem-me desnecessários nesta nossa conversa."
"Tudo bem."
"A primeira fase já está a decorrer. Trata-se do desenvolvimento da inteligência artificial. É verdade que a nossa civilização dá ainda os primeiros passos na tecnologia dos computadores, mas a evolução está a ser muito rápida e é possível que, um dia, sejamos capazes de desenvolver tecnologia tão ou mais inteligente do que nós. Aliás, à atual taxa de evolução, os cálculos mostram que os computadores atingirão o nível humano de processamento de informação e capacidade de integração de dados no prazo de um século ou pouco mais. Quando chegar o dia em que atingirem o nosso nível, os computadores adquirirão consciência, conforme, de resto, sugere o teste Turing, não sei se já ouviu falar."
"O meu pai já me mencionou, sim."
"Ora bem, os engenheiros prevêem que, para além de podermos vir a desenvolver computadores tão inteligentes como nós, poderemos também desenvolver robôs que sejam construtores universais. Sabe o que são construtores universais, não sabe?"
"Uh... não."
"Os construtores universais são engenhos que podem construir tudo o que possa ser construído. Por exemplo, uma máquina de uma fábrica de automóveis não é um construtor universal, uma vez que só sabe construir automóveis. Mas os seres humanos são construtores universais, dado que têm a habilidade de construir tudo o que possa ser construído. Ora, os cientistas dão como adquirido que é possível conceber uma máquina que seja um construtor universal. O matemático Von Neumann já mostrou como esses construtores podem ser criados e a NASA diz que é possível fabricá-los em algumas dezenas de anos, desde que haja financiamentos para isso, claro."
"Mas qual a utilidade desses... construtores universais? Servem para nos poupar trabalho, é?"
Luís Rocha fez uma curta pausa, para efeitos dramáticos.
"Servem para garantir a sobrevivência da civilização."
O seu interlocutor cerrou as sobrancelhas, surpreendido.
"Ah é?"
325
"Ouça, não se esqueça de que a Terra está condenada a morrer. Dentro de mil milhões de anos, o aumento da atividade solar destruirá toda a biosfera. O Princípio Antrópico Final estabelece que, uma vez tendo aparecido, a inteligência jamais desaparecerá do universo. Assim sendo, a inteligência na Terra não tem alternativa: terá de abandonar o berço e espalhar-se pelas estrelas. Os instrumentos desse processo são os computadores e os construtores universais. Parece inevitável que, algures no futuro, os seres humanos terão de enviar construtores universais computadorizados para as estrelas mais próximas. Esses construtores universais terão instruções específicas para colonizarem os sistemas solares que encontrarem e construírem aí novos construtores universais, os quais, por sua vez, serão enviados para as estrelas seguintes, num processo em crescimento exponencial. Isto principiará naturalmente com a exploração das estrelas que nos são mais próximas, como Próxima Centauri e Alfa Centauri, e estender-se-á gradualmente às estrelas seguintes, designadamente Tau Ceti, Epsilon Eridani, Procyon e Sirius numa segunda fase."
"Isso é possível?"
"Alguns cientistas dizem que sim. O processo levará muito tempo, claro. Uns milhares de anos. Mas, se isso é muito tempo à escala humana, não o é à escala universal."
"E quanto custa uma coisa dessas? Imagino que seja uma fortuna..."
"Oh, nem por isso", exclamou o físico. "Os custos são relativamente baixos, sabe?
É que basta construir quatro ou cinco destes construtores universais, não é preciso mais. Repare, uma vez chegado a um sistema solar, o construtor universal irá procurar planetas ou asteróides onde poderá extrair os metais e toda a matéria-prima de que necessitar. O robô começará a colonizar esse sistema e a povoá-lo com vida artificial pré-programada por nós ou até com vida humana, uma vez que é possível dar-lhes o nosso código genético para reprodução sempre que as condições encontradas forem adequadas. Para além disso, o robô terá também a missão de fabricar novos construtores universais, que enviará para as estrelas seguintes. A medida que avança, o processo de colonização das estrelas ir-se-á acelerando porque cada vez haverá mais e mais construtores universais. Mesmo que a civilização original desapareça, devido a um qualquer cataclismo, esta civilização continuará a espalhar-se autonomamente pela galáxia, graças aos construtores universais e ao seu programa automático de colonização."
"Mas, afinal, qual o objetivo de tudo isso?"
"Bem, o primeiro objetivo será o de explorar, não é? Queremos saber coisas sobre o universo, um pouco como as explorações que fazemos na Lua e nos planetas do sistema solar. Depois, à medida que a habitabilidade na Terra se tornar mais difícil, a prioridade será encontrar planetas para onde se possa transferir a vida."
"Transferir a vida? Assim como se fosse uma espécie de Arca de Noé galáctica?"
"Isso."
Tomás remexeu-se no banco da capela.
"Ouça lá, não acha que tudo isto assume uns ares assim de... de ficção científica muito fantasiada?"
"Sim, admito que sim. É normal que, agora, tudo pareça uma fantasia. Mas, quando as coisas se tornarem graves cá na Terra, com o aumento da atividade solar e a degradação da biosfera, garanto-lhe que, nessa altura, o problema vai começar a ser 326
encarado muito a sério, ouviu? O que nos parece hoje ficção científica tornar-se-á amanhã realidade."
O historiador ponderou a idéia.
"Sim, talvez tenha razão."
"Com a proliferação exponencial dos construtores universais, toda a nossa galáxia acabará por ser colonizada. De um pequeno planeta da periferia, a inteligência espalhar-se-á pela Via Láctea."
"E assim a vida escapará à inevitável destruição da Terra."
"Eu não disse isso. Disse que a inteligência se espalhará pela galáxia."
"Não é a mesma coisa?"
"Não necessariamente. A natureza só consegue criar a inteligência através de circunstâncias excepcionais envolvendo os átomos de carbono, a cuja complexa organização nós designamos vida. Mas o carbono só é predominante em estado sólido numa estreita faixa térmica. Nós, seres humanos, estamos a desenvolver uma certa forma de vida através de outros átomos, como o silício, por exemplo. O que os construtores universais vão espalhar pela galáxia será a inteligência artificial contida nos chips dos seus computadores. Não é certo que a vida baseada nos átomos de carbono seja capaz de sobreviver a viagens de milhares de anos entre as estrelas. É