Gatafunhou o alfabeto de cifra com o nome de Einstein.
"Não estou a perceber", disse Luís Rocha, sem tirar os olhos daquela linha.
"É uma cifra de César com o nome de Einstein à cabeça", explicou Tomás. "Está a ver? A idéia é escrever a palavra-chave no início, neste caso o nome de Einstein, retirando-lhe, no entanto, as letras repetidas, o ein final, e depois meter o resto do alfabeto pela sua ordem normal, embora evitando as letras já usadas na palavra-chave, einst. Está a perceber?"
"Sim. Mas o que se faz agora com isso?"
"Agora? Agora pomos o alfabeto normal debaixo do alfabeto de cifra e vamos ver se as letras correspondem a alguma mensagem."
Escreveu o alfabeto simples debaixo do alfabeto de cifra.
"Vamos agora ver a que corresponde este ya ovqo que se encontra na segunda linha da charada."
Os olhos começaram-lhe a bailar entre as duas linhas do alfabeto. "O y mantém-se y, o a torna-se e, o o fica p, o v mantém-se v, o q torna-se r e o o é p."
Redigiu a solução.
332
Ye pvrp
Ficaram os dois a analisar o resultado.
"Ye pvrp?", murmurou Luís Rocha. "O que significa isto?"
"Significa que a solução não é esta", suspirou Tomás. "Significa que temos de procurar outro caminho." Coçou o queixo, pensativo. "Que raio de cifra poderá haver que envolva o nome de Einstein?"
O historiador tentou várias alternativas, todas elas variações em torno do nome de Einstein, mas, pela meia-noite, sentiu-se encurralado num beco sem saída. Não encontrava forma de fazer com que um alfabeto de cifra com aquele nome funcionasse; desesperado e cansado, encostou-se na cadeira e cerrou os olhos.
"Não consigo", murmurou, desanimado. "Por mais que tente, nada dá certo."
"Vai desistir, é?"
Tomás olhou para o físico por um longo instante e, como um boneco subitamente insuflado de energia, endireitou-se depressa e voltou a agarrar-se à folha.
"Não posso", exclamou. "Tenho de continuar a tentar."
"O que tenciona fazer então?"
Era uma boa pergunta. Se as variações em torno do nome de Einstein não funcionavam, o que poderia ele fazer?
"Bem, se calhar é melhor esquecer por momentos esta segunda linha, não é?"
Tomás fez uma careta. "Olhe, vamos antes tentar esta." Apontou agora para a primeira linha. "Está a ver isto? Diz see sign, ou seja, veja o sinal." Ergueu a cabeça da folha e perscrutou com atenção o seu interlocutor. "Quando leu o manuscrito, reparou se havia algum sinal estranho lá colocado?"
O físico torceu a boca.
"Que eu saiba, não. Não reparei em nada."
"Então que raio de sinal é este a que se refere o criptograma?"
Ficaram ambos a contemplar aquele see sign.
"Não poderá ser essa frase ela própria um sinal?", perguntou Luís Rocha.
Tomás soergueu o sobrolho.
"A frase ser ela própria o sinal?"
"Esqueça, foi uma idéia disparatada."
"Não, não. Vamos considerá-la." Respirou fundo. "Como é que esta frase poderia ser ela própria um sinal? Bem... só se for um anagrama."
"Um anagrama?"
"Sim, por que não? Deixe cá ver o que acontece se mudarmos a ordem das letras."
Voltou à folha e pôs-se a tentar combinações. "Vamos ligar consoantes a vogais. Deixe cá ver. As consoantes são s, g e n, e as vogais são e e i. Vamos começar com o n."
Tentou diferentes combinações usando as letras incluídas nas palavras see sign.
333
"Não, isto não faz sentido", constatou o criptanalista. "Se calhar é melhor tentarmos começar com o g."
Gisenes
Gesines
Genises
Genesis
Parou.
Mirou a sequência, estupefacto, a boca abrindo-se como um peixe enquanto contemplava, vidrado, a última palavra. Permaneceu um longo momento sem nada conseguir dizer, apenas fixo na palavra que inesperadamente lhe emergiu no papel; até que, como um sonâmbulo, conseguiu enunciar a mensagem oculta naquele anagrama.
"Gênesis."
Passaram a hora seguinte num estado de excitação absoluta, quase frenéticos, às voltas com uma Bíblia que foram apressadamente arrancar às mãos do estremunhado pároco a cuja porta foram bater na Capela de São Miguel. Tomás leu e releu todo o início do Pentateuco, procurando um sinal que aparecesse no texto como um abre-te Sésamo redentor.
"«No princípio, Deus criou os céus e a terra»", leu em voz alta pela terceira vez. "«A terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus movia-Se sobre a superfície das águas. Deus disse: 'Faça-se luz'. E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia à luz e às trevas noite.
Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o primeiro dia. Deus disse: 'Haja um firmamento entre...'»"
"Ouça", protestou Luís Rocha, a excitação dando gradualmente lugar ao cansaço.
"Você não vai ler isso tudo outra vez, pois não?"
Tomás hesitou.
"Tenho de ler. Se não, como é que encontro o sinal?"
"Mas será que o sinal está mesmo aqui?"
O historiador acenou com a folha amarfanhada das anotações.
"Você não viu a mensagem cifrada por Einstein? See sign dá Gênesis. Que eu saiba, isto só tem uma interpretação. Trata-se de uma mensagem holográfica, em que a cifra e a mensagem cifrada se completam. Não vê? See sign dá Gênesis. No fundo, Einstein estava-nos a dizer: see the sign in Gênesis. Ou, vejam o sinal no Gênesis."
"Mas qual sinal?"
Tomás olhou para o grande volume da Bíblia que tinha aberto sobre a secretária.
"Não sei. É isso que tenho de descobrir, não é?"
"E vai descobrir a ler o Gênesis trezentas vezes?"
"Se tiver de ser", disse Tomás. "Vou ler tantas vezes quantas as necessárias até perceber qual o sinal a que Einstein se estava a referir. Vê alternativa?"
334
Luís Rocha apontou para a segunda linha da mensagem cifrada.
"A alternativa é tentar decifrar esta última mensagem. Este... uh... !ya ovqo."
"Mas eu não estou a conseguir quebrar essa cifra..."
"Desculpe lá, mas eu acabei de o ver a quebrar a cifra da primeira linha."
"Era um anagrama, uma coisa bem mais fácil."
"Não interessa. Se conseguiu decifrar a primeira linha, vai conseguir decifrar a segunda linha também."
"Ouça, você não está a entender. A segunda linha apresenta um grau de dificuldade infinitamente maior do que a..."
O telemóvel tocou.
Tomás hesitou, considerando a hipótese de o desligar. Precisava absolutamente de se concentrar e quebrar toda a cifra, de modo a desvendar o segredo antes das oito da manhã. Se não o fizesse, Ariana seria recambiada para o Irã e isso ele não podia permitir. Tinha de quebrar a última cifra e precisava de total concentração para isso.
Se calhar era melhor desligar o telemóvel.
O telemóvel continuou a tocar.
"Está sim?"
Decidira-se a atender, não seria por isso que se iria desconcentrar, pois não?
Além do mais, podia ser Greg com novidades sobre Ariana.
"Professor Noronha?"
Não era Greg.
"Sim, sou eu. Quem fala?"
"Daqui Gouveia, dos hospitais da universidade."
Era o médico do pai.
"Ah, doutor Gouveia. Desde há pouco. Como está?"
"Professor Noronha, precisava que viesse aqui com urgência."
"Aqui, onde? Ao hospital?"
"Sim."
"O que se passa? O meu pai está bem?"
"Não, professor Noronha. O seu pai não está bem."