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Quando se encontrava diante do urinol, concentrado na tarefa imediata, o historiador sentiu uma mão pousar-lhe no ombro e estremeceu de susto.

"Então professor?"

Era Bagheri.

"Mossa!" Bufou. "Que susto que você me pregou!"

"O senhor anda nervoso."

"E não tenho razões para isso? Já viu em que embrulhada você me quer meter?"

"Termine lá o que está a fazer", disse Bagheri, afastando-se e encostando-se ao lavatório.

Tomás ainda permaneceu mais um instante voltado para o urinol; quando concluiu, fechou a braguilha e veio lavar as mãos ao lavatório.

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"Oiça", disse, olhando Bagheri pelo espelho. "Eu não fui talhado para estas coisas. Estive a pensar e... e decidi não ir."

"São ordens de Langley."

"Quero lá saber! Eles nunca me falaram em meter-me em operações de assalto."

"As circunstâncias mudaram. O fato de o senhor não ter conseguido ler o manuscrito obrigou-nos a alterar os planos. Além do mais, há decisões novas que ultrapassam Langley."

"Decisões novas?"

"Sim. Decisões tomadas em Washington. Repare, professor, esta é uma matéria que envolve a segurança do Ocidente. Se um país como o Irã tem acesso à fórmula de fabrico simples de uma arma nuclear, pode ter a certeza de que isso assusta toda a gente, em particular num mundo pós-11 de Setembro." Esboçou um gesto conformado. "Portanto, perante o que está em jogo, pode crer que a derradeira das preocupações de Washington é saber se o senhor ou eu gostamos ou não da missão para que fomos recrutados."

"Mas eu não sou nenhum comando, percebe? Nem sequer fiz a tropa. Eu vou ser um empecilho."

"Professor, já lhe disse ontem que o seu envolvimento é crucial para o sucesso da operação."

Bagheri ergueu o polegar. "Só o senhor é que viu o manuscrito." Agora o indicador. "E só o senhor é que viu em que sala ele é guardado." Apontou para Tomás.

"Como é lógico, precisamos de si para nos guiar na localização e identificação do documento. Sem a sua ajuda, como é que faremos as coisas? Olhe, andaríamos a passear pelo ministério como baratas tontas, a vasculhar tudo sem encontrar nada."

Abanou a cabeça. "Não pode ser."

"Mas, ouça, qualquer pessoa pode perfeitamente..."

"Chega", cortou Bagheri, elevando um tudo-nada o tom de voz. "A decisão está tomada e não há nada que o senhor ou eu possamos fazer. Estão em jogo coisas demasiado importantes para que o senhor esteja agora com dúvidas." Olhou de relance para a porta. "Além do mais, diga-me uma coisa."

"Sim?"

"O senhor acredita mesmo que esta gente o vai deixar regressar ao seu país depois de o trabalho estar concluído?"

"Foi o que eles disseram."

"E o senhor acredita nisso? Repare bem. O senhor viu o manuscrito de Einstein e o senhor em princípio irá descodificar os segredos que Einstein colocou na sua fórmula nuclear. Não acha estranho que, tendo a intenção de manter tudo secreto, o regime o deixe voltar tranquilamente para a sua terra, sabendo o senhor o que sabe?

Não acha que isso constitui um grave risco para a confidencialidade do projecto nuclear iraniano? Não acha que, depois de concluído o trabalho, e estando o senhor na posse de parte do segredo, o regime o vai considerar uma grave ameaça para a segurança do Irã?"

Tomás arregalou os olhos, digerindo as implicações das perguntas disparadas pelo iraniano.

"Uh... pois, realmente... uh...", gaguejou. "Acha... acha mesmo que eles me vão manter aqui para... para sempre?"

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"Farão uma de duas coisas. Ou o matam quando já não precisarem de si, ou mantêm-no preso numa jaula dourada." Bagheri olhou de relance mais uma vez para a porta, certificando-se de que continuavam sós. "Admito como mais provável que o retenham para sempre aqui no Irã. O regime é constituído por fanáticos fundamentalistas, o que tem, apesar de tudo, o seu lado positivo. Embora sejam implacáveis na aplicação da sharia, a lei islâmica, eles partilham uma profunda crença no comportamento moral e é provável que, não dispondo de um motivo moralmente razoável para o matar, o mantenham retido. Mas, por outro lado, é preciso não esquecer que estão em causa segredos fundamentais para o regime, não é? E os motivos morais também se inventam.

Assim sendo, não é de negligenciar a possibilidade de eles escolherem um método mais radical e seguro para o calar." Passou o dedo pelo pescoço. "Entendeu?"

O historiador fechou os olhos, massajou as têmperas e suspirou.

"Estou mesmo tramado."

Bagheri voltou a espreitar a porta do quarto de banho.

"Ouça, não temos muito tempo", disse. "Vim aqui apenas para lhe dizer que está tudo pronto."

"O que é que está pronto?"

"Os preparativos para a missão encontram-se praticamente concluídos. Depois do assalto, vamos levá-lo para uma terriola no mar Cáspio, chamada Bandar-e Torkaman, localizada perto dos restos do muro de Alexandre, o Grande."

"Bandar e quê?"

"Bandar-e Torkaman. É uma pequena povoação portuária turca, não muito longe da fronteira com o Turcomenistão. No porto de Bandar-e Torkaman estará um barco de pesca com o nome da capital do Azerbaijão, Baku. É um barco alugado por nós e que o levará justamente para Baku. Percebeu?"

"Uh... mais ou menos." Fez um ar intrigado. "Você virá comigo?"

Bagheri abanou a cabeça.

"Não, eu vou ter de permanecer aqui em Teerã para baralhar as pistas. Mas o Babak leva-o até lá, fique descansado. É importante, no entanto, que decore uma coisa."

Tomás tirou um papel e uma caneta do bolso.

"Diga."

"Não, não pode escrever isso em parte alguma. Tem de decorar, percebeu?"

O historiador fez uma expressão contrariada.

"Decorar?"

"Sim, tem de ser. Por motivos de segurança."

"Então diga lá."

"Quando chegar ao Baku, que se encontra atracado no porto de Bandar-e Torkaman, mande chamar pelo Mohammed." Ergueu o dedo. "Lembre-se, Mohammed."

"Como o profeta."

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"Isso. Pergunte-lhe se este ano ele tenciona ir a Meca. Ele responderá inch'Allah.

São essas a senha e contra-senha."

"Tenciona ir este ano a Meca?", perguntou Tomás, memorizando a pergunta. "É

isto, não é?"

"Sim, isso mesmo."

"Se ele disser inch'Allab, é porque está tudo bem."

"Exato."

"Parece fácil."

"Claro que é fácil." Bagheri consultou o relógio. "Bem, tenho de ir. Venho buscá-lo à meia-noite."

"À meia-noite? Para ir onde?"

O iraniano mirou-o, surpreendido.

"Ainda não lhe disse?"

"Disse o quê?"

"A operação, professor."

"O que tem a operação?"

"É esta noite."

XII

Quando voltou para junto de Ariana, Tomás sentia-se de tal modo perturbado que teve dificuldade em voltar a concentrar-se. Quanto mais se fixava no poema, mais divagava para a aventura louca em que iria embarcar nessa noite. Tinha os olhos perdidos nas letras rabiscadas no papel e a cabeça concentrada nas implicações de tudo o que se passava, fixando-se nos pormenores, desde os preparativos para sair do hotel até ao que aconteceria no momento do encontro no barco com o tal Mohammed.

Deveria levar a bagagem? Mas isso não iria levantar suspeitas, se o vissem a sair do hotel com uma grande mala? Não, tinha de deixar a bagagem para trás, só podia levar um saco com o essencial. E como sairia do hotel sem ser visto? Os empregados não estranhariam vê-lo sair assim à meia-noite? Dariam o alerta? E, uma vez dentro do ministério, como seria? Será que...