"Então como se sabe a evolução de uma partícula?"
"É esse o problema. Não se sabe. Eu posso saber qual a posição e velocidade da Lua, e assim sou capaz de prever todos os seus movimentos passados e futuros. Mas não tenho maneira de determinar com exatidão a posição e a velocidade de um electrão, pelo que não consigo prever os seus movimentos passados e futuros. É essa a incerteza. Para resolver isso, a mecânica quântica recorreu ao cálculo de probabilidades. Se um electrão tiver de escolher entre dois buracos por onde passar, há cinquenta por cento de probabilidades de o electrão passar pelo buraco da esquerda e outros cinquenta por cento pelo da direita."
"Parece uma boa maneira de resolver esse problema."
"Pois é. Mas Niels Bohr complicou a coisa e disse que o electrão passa pelos dois buracos ao mesmo tempo. Passa pelo da esquerda e pelo da direita."
"Como?"
"É como eu lhe estou a dizer. Ao escolher entre duas rotas, o electrão passa pelas duas em simultâneo, pelo buraco da esquerda e pelo da direita. Ou seja, está nos dois sítios ao mesmo tempo!"
"Mas isso não é possível."
"E, no entanto, é o que a Teoria Quântica prevê. Por exemplo, se pusermos um electrão numa caixa dividida em dois lados, o electrão estará nos dois lados ao mesmo tempo em forma de onda. Quando espreitamos a caixa, a onda desfaz-se imediatamente e o electrão transforma-se em partícula num dos lados. Se não olharmos, o electrão permanecerá nos dois lados ao mesmo tempo sob a forma de onda. Mesmo que os dois lados sejam separados e colocados a milhares de anos-luz de distância um do outro, o electrão continuará nos dois lados ao mesmo tempo. Só quando espreitarmos para um dos lados é que o electrão decidirá qual o lado onde vai ficar."
"Só quando nós espreitamos é que ele se decide?", perguntou Tomás com ar incrédulo. "Que conversa é essa?"
"O papel do observador foi estabelecido inicialmente pelo Princípio da Incerteza.
Heisenberg concluiu que nunca poderemos saber com precisão e em simultâneo qual a posição e velocidade de uma partícula devido à presença do observador. A teoria 100
evoluiu até ao ponto de ter havido quem considerasse que o electrão só decide em que lugar está quando existe um observador."
"Isso não faz sentido nenhum..."
"Foi o que também disseram os outros cientistas, incluindo Einstein. Como o cálculo passou a ser probabilístico, Einstein declarou que Deus não jogava aos dados, isto é, a posição de uma partícula não podia estar dependente da presença de observadores e, sobretudo, de cálculos de probabilidade. A partícula ou está num sítio ou está no outro, não pode estar nos dois ao mesmo tempo. A incredulidade foi tal que houve até um outro físico, chamado Schrödinger, que concebeu uma situação paradoxal para pôr a nu este absurdo. Ele imaginou que era colocado um gato numa caixa com um frasco fechado de cianeto. Um processo quântico poderia levar um martelo, com uma probabilidade de cinquenta por cento, a quebrar o frasco ou não.
De acordo com a teoria quântica, os dois acontecimentos igualmente prováveis ocorreriam em simultâneo enquanto a caixa permanecesse encerrada, fazendo com que o gato estivesse simultaneamente vivo e morto, da mesma maneira que um electrão está simultaneamente nos dois lados da caixa enquanto não é observado.
Ora, isso é um absurdo, não é?"
"Claro que é. Isso não faz sentido nenhum. Como é possível que essa teoria seja ainda
defendida?"
"É justamente isso o que Einstein pensava. O problema é que esta teoria, por muito bizarra que pareça, bate certo com todos os dados experimentais. Qualquer cientista sabe que, sempre que a matemática contradiz a intuição, a matemática tende a ganhar. Isso aconteceu, por exemplo, quando Copérnico disse que era a Terra que andava à volta do Sol e não o contrário. A intuição dizia que a Terra é que era o centro, uma vez que tudo parecia girar em torno da Terra. Perante o ceticismo de toda a gente, Copérnico apenas encontrou aliados entre os matemáticos, os quais, com as suas equações, constataram que só a possibilidade de a Terra andar à volta do Sol concordava com a matemática. Sabemos hoje que a matemática estava certa. Com as Teorias da Relatividade foi a mesma coisa. Há muitos elementos dessa teoria que são contra-intuitivos, como idéias de que o tempo dilata e outras bizarrias do gênero, mas a verdade é que esses conceitos são aceites pelos cientistas porque condizem com a matemática e com as observações da realidade. É o que acontece aqui. Não faz sentido dizer que um electrão está em dois sítios ao mesmo tempo enquanto não é observado, isso é contra-intuitivo. E, no entanto, bate certo com a matemática e com todas as experiências efectuadas."
"Ah, bom."
"Mas Einstein não se conformou com esta idéia, por uma razão muito simples. É
que a Teoria Quântica começou por não condizer com a Teoria da Relatividade. Isto é, uma é boa para compreender o universo dos grandes objetos e a outra é eficiente na explicação do universo dos átomos. Mas Einstein achava que o universo não pode ser gerido por leis diferentes, umas deterministas para os grandes objectos e outras probabilísticas para os pequenos objectos. Tem de
haver um único conjunto de regras. Começou assim a busca de uma teoria unificadora que apresentasse as forças fundamentais da natureza como manifestações de uma força única. As suas Teorias da Relatividade reduziam a uma única fórmula todas as leis que regem o espaço, o tempo e a gravidade. Com a nova teoria ele procurava reduzir a uma única fórmula os fenômenos da gravidade e do 101
electromagnetismo. Ele acreditava que a força que faz mover o electrão à volta do núcleo é do mesmo tipo da que faz mover a Terra à volta do Sol."
"Uma nova teoria, é?"
"Sim. Ele chamou-lhe a Teoria dos Campos Unificados. Era a sua versão da Teoria de Tudo."
"Ah."
"E era isso o que Einstein estava a desenvolver quando elaborou este manuscrito."
"Acha que A Fórmula de Deus tem ligação com essa busca, é?"
"Não sei", disse Ariana. "Talvez sim, talvez não."
"Mas, se é isso, que sentido faz manter tudo secreto?"
"Ouça, eu não sei se é isso. Eu já li o documento e ele é estranho, sabe? E a verdade é que foi o próprio Einstein quem decidiu mantê-lo em segredo. Se o fez é porque tinha bons motivos, não acha?"
Tomás cravou os olhos na iraniana, atento à sua reacção quando ouvisse a pergunta que tinha para lhe fazer.
"Se A Fórmula de Deus não tem ligação com a busca da Teoria de Tudo, tem ligação com quê?", perguntou. Fez uma expressão interrogativa. "Com armas nucleares?"
Ariana devolveu-lhe o olhar com intensidade.
"Vou fingir que não ouvi essa pergunta", disse ela, pronunciando cada sílaba muito devagar, com enorme intensidade. "E não volte a falar sobre isso, entendeu?"
Colou o indicador à testa. "A sua segurança depende da sua inteligência."