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Crack.

Crack.

Crack.

Um gemido e o som espalhafatoso de uma queda confirmou a Tomás que os três novos tiros desferidos pelo companheiro haviam abatido pelo menos mais um iraniano.

"Mais dois despachados", rosnou Bagheri, após verificar o resultado dos últimos disparos. Afinal tinham sido dois. "Já vão três."

"Mossa, ouça", implorou Tomás. "Eles agora vão-nos acusar também de homicídio. Você está a piorar tudo!"

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Bagheri olhou-o de relance.

"Você não conhece este país", comentou com secura. "O que nós fomos apanhados a fazer é a coisa mais grave que há. Matar uns tipos não é nada ao pé disso."

"Não importa", devolveu o historiador. "Matar uns quantos é que não vai ajudar nada."

O iraniano espreitou novamente o corredor e, sentindo que os perseguidores tinham recuado ao depararem com resistência, procurou o saco das ferramentas no chão e puxou-o para si. Com a mão direita empunhava a pistola, enquanto com a esquerda apalpava o interior do saco.

"Não nos vão apanhar", insistiu, rangendo os dentes.

A mão imobilizou-se dentro do saco, tendo presumivelmente encontrado o que procurava. Após uma curta pausa nos movimentos, recolheu o braço e a mão reapareceu com dois objetos brancos.

Tomás inclinou-se para tentar perceber se aquilo era mesmo o que lhe parecia ser.

Seringas.

"O que é isso?", perguntou, uma expressão desconfiada nos olhos.

"Potassium chloride."

"O quê?"

"É uma solução de potássio."

"E é para quê?"

"Para você se injetar."

Tomás fez um ar admirado e pousou a mão no peito.

"Para eu me injetar? Para quê?"

"Para não sermos apanhados vivos."

"Você está louco."

"Loucura é deixarmo-nos apanhar vivos."

"Você está louco."

"Eles vão torturar-nos até à morte", explicou Bagheri. "Vão torturar-nos até nós confessarmos tudo e depois matam-nos na mesma. Mais vale despacharmos já as coisas."

"Se calhar não matam."

"Não tenho dúvidas de que matam, mas isso não interessa", retorquiu o iraniano.

Acenou com as seringas. "São ordens de Langley."

"Como?"

"Langley deu-me instruções para, em caso de sermos detectados, não deixarmos que nos apanhem vivos. As implicações para a segurança seriam incalculáveis."

"Quero lá saber."

"O que você quer ou não saber não me interessa para nada. Um bom agente tem de perceber que, por vezes, precisa de se sacrificar em prol de um bem comum."

"Eu não sou agente de ninguém. Eu sou..."

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"Você é, neste momento, agente da CIA", cortou Bagheri, esforçando-se por não elevar a voz.

"Quer queira, quer não, está envolvido numa missão de grande importância e tem conhecimentos que, se forem partilhados com o Irão, irão criar um grave embaraço aos Estados Unidos e aumentar a insegurança internacional. Não podemos permitir que isso aconteça, pois não?" Fez um gesto na direção do corredor. "Eles não nos podem apanhar vivos."

O historiador cravou os olhos nas seringas e abanou a cabeça.

"Eu não me vou injetar com isso."

Bagheri virou a pistola e, sempre com o outro braço esticado a estender as seringas, fez um gesto na direcção de Tomás.

"Vai, vai. E depressa."

"Não vou. Não sou capaz."

O iraniano apontou a pistola para a cabeça de Tomás.

"Ouça-me bem", disse. "Temos duas maneiras de fazer isto." Voltou a acenar com as seringas.

"Uma é você injetar-se com este líquido. Prometo-lhe uma morte serena. O

potassium chloride, quando entra na circulação sanguínea, faz parar imediatamente o músculo do coração. É esta solução que os médicos usam para pôr fim à vida de doentes terminais e a que alguns estados americanos recorrem para executar condenados à morte. Como vê, não irá sofrer." Abanou agora a pistola. "A outra é levar dois tiros. Também não sofrerá muito, mas é um método mais brutal. Além disso, eu queria poupar as duas balas para acabar com mais um dos cabrões que nos estão a cercar." Fez uma pausa. "Entendeu?"

Os olhos de Tomás saltitaram entre as duas opções. As seringas e a pistola. As seringas e a pistola. As seringas e a pistola.

"Eu... uh... deixe cá ver..."

Começou a tentar ganhar tempo, nenhuma das soluções lhe interessava. Aliás, nem achava que fossem soluções. Ele era um professor de História, não um agente da CIA; tinha a esperança, quase a certeza, de que, bem conversados, os iranianos iriam perceber essa evidência.

"Então?"

"Uh... não... não sei..."

Bagheri esticou mais o braço com a pistola, o cano firmemente apontado para os olhos do historiador.

"Já vi que tenho de ser eu a resolver isto."

"Não, não, espere", implorou Tomás. "Dê-me a seringa."

Bagheri atirou uma seringa para junto de Tomás e guardou a outra no bolso, reservando-a para si.

"Injecte lá isso", disse. "Vai ver que não custa nada."

Com os dedos a tremerem de nervos, quase numa convulsão de horror, Tomás agarrou no plástico que selava a seringa e puxou-o tenuamente, sem o rasgar.

"Isto... isto é difícil."

"Despache-se."

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As mãos tremelicantes voltaram a tentar rasgar o plástico, mas sempre sem convicção nem vontade, pelo que o elástico se manteve mais uma vez incólume.

"Não consigo."

Bagheri fez um gesto impaciente com a mão esquerda.

"Dê cá isso."

Tomás devolveu-lhe a seringa. Bagheri arrancou o plástico com os dentes, tirou a seringa do interior, cuspiu o plástico para o chão, colocou a agulha, ergueu a seringa e expeliu um pequeno jato para o ar.

"Já está", disse. "Prefere que seja eu a injetar, é?"

"Não, não. Eu... eu faço isso."

Bagheri atirou a seringa de volta.

"Vá, despache-se."

Sempre muito devagar, com as mãos a agitarem-se numa louca convulsão nervosa, Tomás pegou na seringa, pousou-a ao lado de si, puxou a manga do casaco de modo a expor o braço, voltou a tapá-lo, repetiu o gesto no outro braço e abanou a cabeça.

"Não sei fazer isto", disse.

Bagheri aproximou-se.

"Eu faço."

"Não, não. Eu faço, deixe estar."

O enorme iraniano pegou na seringa pousada no chão.

"Já vi que não vai fazer nada", rosnou. "Eu é que..."

Um súbito ruído no corredor fê-lo voltar-se para a porta, a pistola em riste. Dois vultos apareceram nesse instante na entrada, seguidos de outros, e caíram em cima de Bagheri, que já tinha a arma preparada.

Crack.

Crack.

Crack.

Os iranianos amontoavam-se uns em cima dos outros, todos sobre Bagheri, aos urros, enquanto Tomás se arrastava pelo chão para o fundo da sala, tentando escapar àquela tremenda confusão. Mais homens irromperam pela sala, todos armados com AK 47, e, berrando ordens, apontaram as armas automáticas para o historiador.

Devagar, cheio de hesitações, o olhar trespassado pelo horror e pelo alívio, Tomás ergueu os braços.

"Rendo-me."

XVI

A venda nos olhos impedia Tomás de ver o que quer que fosse, a não ser uma nesga de luz que lhe vinha de baixo, mas sentiu calor e ouviu novas vozes em ambiente fechado e percebeu que o arrastavam para dentro de um edifício. Braços 117

poderosos puxaram-no por portas, escadas e corredores, as mãos sempre algemadas nas costas; por fim, após muito tropeçar na escuridão, mero joguete nas mãos de desconhecidos, foi empurrado para um compartimento e atirado para um assento de madeira. Homens invisíveis falavam num parsi agitado, até que uma voz lhe perguntou em inglês.