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"Foi por pouco", comentou Mohammed. "Mais um dia e íamo-nos embora, hem?

Teve sorte em ainda nos encontrar por cá."

"Eu sei."

Fez um gesto na direção da praia enfim deserta, já abandonada por Sabbar.

"Aquele também é dos nossos?"

"Sabbar?"

"Sim. É também um homem nosso?"

Tomás abanou a cabeça.

"Não."

"Então quem é?"

"É um motorista."

"Um motorista?" Soergueu o sobronho. "Como assim? A sua identidade foi controlada?"

Tomás suspirou, fatigado.

"É uma longa história", disse. "Mas o Sabbar é uma de várias pessoas que me salvou a vida. Se não fosse ele, eu não estaria aqui."

Mohammed não teceu mais comentários sobre o assunto, embora fosse visível que não apreciava improvisações com desconhecidos; tratava-se de trabalho pouco profissional. Mas nada mais acrescentou, a verdade é que, profissional ou não, o seu passageiro lograra ali chegar em condições muito adversas e isso era algo que tinha de respeitar.

Permaneceram ambos plantados na ré, enchendo os pulmões e admirando a costa iraniana à luz baixa do ocaso. O cheiro a mar era aqui intenso. Uma brisa forte rumorejava baixinho, quase abafando o insistente grasnido das gaivotas e o incansável ruminar do motor. O céu adquiria tonalidades quentes sobre o azul-petróleo, mas era uma luz glacial que banhava a linha de costa, com a longa cadeia das Alborz a recortar o horizonte à direita, a neve relampejando no topo, e lá ao fundo o sol corria para beijar o Cáspio.

Caía a noite.

Sentindo o frio apertar na brisa que soprava de norte, o capitão do pesqueiro esfregou os braços com intensidade, num esforço inútil de gerar calor, até que se deu por vencido e fez meia-volta.

"Vou para dentro", anunciou. "De qualquer modo, está na hora de ligar o telefone e contactar a base."

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"Vai falar para Baku, é?"

"Não, não."

"Então?"

"Langley."

A noite abatera-se sobre o Cáspio como um manto opressor, cercando o barco ronronante de um negro opaco, quase tenebroso, de uma escuridão tão profunda que se confundia com um abismo. Apenas uns ondulantes pontinhos luminosos emergiam da treva, no fio do horizonte, assinalando pesqueiros na faina ou navios a transportar carga e passageiros de uma margem para a outra.

Indiferente ao frio, Tomás demorou-se na proa; vivera três dias fechado num caixão de cimento e não era uma qualquer aragem gelada ou uma simples noite escura que o privariam agora de gozar a liberdade recuperada, de mergulhar a alma na imensidão do céu e encher os pulmões com o ar fresco que o vento lhe soprava à cara.

A porta da ponte abriu-se e um dos marinheiros que falava inglês acenou.

"Mister, venha cá", disse. "O capitão está a chamá-lo."

A ponte encontrava-se aquecida e bem iluminada, embora a nuvem de tabaco e o cheiro a cigarros fosse aqui insuportável. O marinheiro apontou para umas escadas apertadas e Tomás desceu para o piso inferior, desembocando numa salinha atarracada onde se encontrava Mohammed. O capitão tinha uns auscultadores nos ouvidos e um microfone diante de boca e comunicava através de um aparelho eletrônico instalado num buraco oculto na parede.

"Chamou-me?"

Mohammed viu-o e fez-lhe um gesto com a mão, convidando-o a sentar-se ao seu lado.

"Tenho Langley em linha."

O historiador acomodou-se no lugar enquanto o capitão terminava a sua comunicação, toda ela cheia de algarismos, mais fox trots e papa kilos. Quando concluiu, Mohammed tirou os auscultadores e estendeu-os a Tomás.

"Eles querem agora falar consigo", disse.

"Eles, quem?"

"Langley."

"Mas quem?"

"Bertie Sismondini."

"Quem é esse?"

"É o coordenador do Directorate of Operations encarregado do Irã."

Tomás colocou os auscultadores nos ouvidos e ajeitou o microfone diante de si.

Afinou a voz, um pouco hesitante, e inclinou-se para a frente, como se assim o microfone o pudesse captar melhor.

"Hello?"

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"Professor Norona?"

Era uma voz anasalada, muito americana, pronunciando mal o seu nome, como já era hábito entre os anglo-saxônicos.

"Sim, sou eu."

"Aqui Bertie Sismondini, sou o responsável pelas operações de intelligence gathering no Irã. Okay, antes de começarmos, deixe-me garantir-lhe que estamos a falar numa linha segura."

"Muito bem", disse Tomás, indiferente ao problema da segurança da linha que tanto parecia obcecar todo aquele pessoal da CIA. "Como está você?"

"Não muito okay, professor. Não muito okay."

"Então?"

"Professor, há alguns dias que o nosso principal agente em Teerã anda desaparecido. Ele era suposto efectuar uma operação muito delicada consigo e extraí-

lo depois do país pelos meios que, de resto, o senhor está agora a utilizar. O que é fato é que o nosso homem deixou de dar notícias. Perdemos ainda o contato com um outro agente e, como se isso não bastasse, também o senhor andou desaparecido este tempo todo. Tenho aqui muita gente em pânico, inúmeras perguntas que me são feitas e nenhuma resposta para todas elas. Será que o senhor poderia ter a amabilidade de me explicar o que diabo aconteceu?"

"Quais são os dois agentes de que fala?"

"Receio que, por motivos de segurança, não lhe possa dizer os nomes."

"São Mossa e Babak?"

"Babak, okay. Mossa, não conheço."

"Ah, pois", lembrou-se Tomás. "Mossa era o nome que ele me deu, mas não era o nome verdadeiro." Refletiu. "Ouça lá, estamos a falar de um tipo grande, cheio de força, todo despachado?"

"Condiz."

"Não voltou a ter notícias deles?"

"Nada."

"Olhe, lamento dizer-lhe isto mas parece que o matulão morreu."

Fez-se um breve silêncio do outro lado da linha.

"Bagh... uh... ele morreu? Tem a certeza?"

"Não, não tenho a certeza. Vi-o aos tiros dentro do ministério e vi-o também ser acossado pelos iranianos no meio de vários disparos. Fui depois informado de que ele ficou ferido e faleceu mais tarde, já no hospital. Quanto ao Babak, olhe, não sei de nada."

"Mas o que aconteceu exatamente?"

Tomás deu uma explicação pormenorizada, relatando o sucedido dentro do ministério e tudo o que se passou depois na cadeia de Evin. Falou do seu resgate e contou tudo o que Ariana lhe revelara, mais o que a iraniana fizera para o ajudar a sair do país.

"Essa é uma rapariga e peras", comentou Sismondini no final. "Acha que ela aceitaria ser a nossa agente em Teerã?"

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"O quê?", cortou Tomás, erguendo a voz. A idéia era alarmante. "Nem pense nisso!"

"Okay, okay", devolveu o americano do outro lado da linha, admirado com a reação peremptória. "Era só uma idéia, relax."

"Péssima idéia", insistiu o historiador, o tom um tudo-nada exaltado. "Deixem-na em paz, ouviram?"

"Okay, não se preocupe", voltou a assegurar.

O português sentiu-se subitamente muito irritado com a forma como os responsáveis da agência americana dispunham da vida dos outros em função dos seus interesses, não olhando a meios para obterem o que pretendiam. Já que ia embalado, Tomás aproveitou para tocar num assunto que trazia atravessado na garganta havia vários dias.

"Olhe", disse. "Eu tenho uma pergunta para vos fazer."

"Sim?"

"Vocês deram ordens ao... ao matulão para me matar em caso de sermos apanhados?"

"Como?"

"Quando estávamos prestes a ser capturados dentro do ministério, o Mossa quis que eu me injetasse com um veneno qualquer. Foram vocês que deram essa ordem?"