"Uh... bem, nós... nós temos procedimentos de segurança, não é?"
"Mas deram essa ordem?"
"Ouça, essa ordem existe para todas as operações de grande delicadeza política, de modo que..."
"Já vi que deram", concluiu Tomás. "O que eu queria agora saber é por que razão não fui avisado de que havia essa possibilidade em caso de captura?"
"Pela simples razão de que, se você conhecesse esse procedimento de segurança, jamais iria concordar em participar na operação."
"Pode ter a certeza."
"Mas, lamento dizer-lhe, isso tinha de ser feito em caso extremo. A vossa vida é, quer queira quer não, menos importante do que a segurança nacional dos Estados Unidos."
"Olhe que, para mim, não é."
"Tudo depende do ponto de vista", disse Sismondini. "Mas, se for a ver bem, o nosso homem em Teerã cumpriu à risca os procedimentos de segurança, não se deixando apanhar vivo."
"Bem, ele estava vivo quando foi capturado. O que aconteceu é que ele morreu depois."
"Para os efeitos em causa, é a mesma coisa. Se ele fosse interrogado vivo era uma catástrofe. Os iranianos arranjariam maneira de lhe extrair toda a informação e a nossa operação em Teerã ficaria gravemente comprometida. Daí a nossa ansiedade em saber o que aconteceu. E olhe que iriam fazer o mesmo consigo."
"Mas não fizeram."
"Por causa da sua amiga, graças a Deus", concluiu o americano. "Desculpe, espere um segundo." Mudou de tom, parecendo hesitante, como se alguém lhe 152
estivesse a sussurrar alguma coisa ao ouvido. "Oiça, obrigado pelas suas informações, foi muito útil... uh... agora tenho... tenho aqui mais uma pessoa para falar consigo, okay?"
"Está bem."
"Só um momento."
Ouviram-se uns sons estranhos na linha, depois veio música, era evidente que a ligação estava a ser transferida; instantes mais tarde apareceu de novo alguém.
"Hello, Tomás."
O português reconheceu aquela voz rouca e arrastada, usada num tom traiçoeiramente calmo, carregado de ameaças e de uma mal dissimulada agressão.
“Mister Bellamy?"
"You're a fucking genius."
Era evidentemente Frank Bellamy, o responsável do Directorate of Science and Technology.
"Como está, mister Bellamy?"
"Nada contente. Nada contente mesmo."
"Então?"
"Você falhou."
"Eh, alto lá! Não é bem assim..."
"Você tem o manuscrito consigo?"
“Não."
"Você leu o manuscrito?"
"Uh... não, mas..."
"Então você falhou", atalhou Bellamy, a voz carregando o mesmo gelo tenso de sempre. "Os parâmetros da sua missão não foram cumpridos. Você falhou."
"Não é bem assim."
"Então como é?"
"Em primeiro lugar, a responsabilidade pela operação de furto do manuscrito não era minha. Não sei se sabe, eu não sou um operacional da sua maldita agência nem fui treinado para andar armado em assaltante. Se a operação falhou é porque o vosso homem não foi suficientemente competente para a levar a cabo com sucesso."
"Fair enough", aceitou o responsável da CIA. "O meu colega do Directorate of Operations vai ouvir das boas."
"Em segundo lugar, tenho uma pista sobre o paradeiro do professor Siza."
"Is that so?”
"Sim. É o nome de um hotel."
"Qual hotel?"
"Hotel Orchard."
Bellamy fez uma pausa, como se estivesse a tomar nota.
"Or... chard", disse lentamente. "E isso é onde?"
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"Não sei. Apenas tenho esse nome."
"Muito bem, vou mandar verificar."
"Faça isso", assentiu Tomás. "Em terceiro lugar, e embora eu não tenha sido autorizado a ler o manuscrito de Einstein, sei que os iranianos estão perplexos com ele e não sabem como interpretá-lo."
"Tem a certeza?"
"Sim, foi o que eles me disseram."
"Quem?"
"Como?"
"Quem foi o iraniano que lhe disse que estavam todos perplexos com o manuscrito?"
"Ariana Pakravan."
"Ah, a beldade de Isfahan." Fez uma pausa. "Ela é mesmo uma deusa na cama?"
"Perdão?"
"Você ouviu-me."
"Nem me vou dignar a responder a essa pergunta tonta."
Bellamy soltou uma gargalhada.
"Hmm... sensível, uh? Já vi que está apaixonado..."
Tomás fez um estalido impaciente com a língua.
"Ouça lá", protestou. "Você quer ouvir o que eu tenho para lhe dizer ou não?"
O americano mudou de tom.
"Go on."
"Uh... onde ia eu?"
"Dizia você que os iranianos estavam perplexos com o documento."
"Ah, sim", exclamou Tomás, retomando o fio à meada. "Pois, eles ficaram perplexos com o que leram e, pelos vistos, não sabem o que pensar do texto. Pelo que percebi, os iranianos acreditam que a chave para a interpretação do manuscrito se encontra encerrada em duas mensagens cifradas deixadas por Einstein."
"Sim..."
"E acontece que eu tive acesso às duas mensagens. Tenho-as aqui comigo."
"Hmm-hmm."
"E já decifrei uma."
Fez-se um curto silêncio.
"O que é que eu tenho dito?", exclamou Bellamy. "You're a fucking genius!"
Tomás riu-se.
"Eu sei."
"E o que revela essa mensagem já decifrada?"
"Uh... para falar com toda a franqueza, não percebi bem."
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"O que quer dizer com isso? Ou decifrou ou não decifrou."
"Sim, decifrei", confirmou.
Na verdade, não tinha sido apenas Tomás a decifrar o poema, uma vez que Ariana também esteve envolvida no trabalho, mas o criptanalista achou melhor omitir esse pormenor; algo lhe dizia que Bellamy perderia as estribeiras se soubesse que a responsável iraniana pelo projecto Die Gottesformel se encontrava ao corrente de tudo.
"Então?", quis saber o americano. "Em que ficamos?"
"O que eu quero dizer é que me dá a impressão de que a mensagem constitui, ela também, uma charada", explicou o criptanalista. "É como uma holografia, entende?
Dentro de uma mensagem enigmática esconde-se uma outra mensagem enigmática.
Por mais que decifremos as mensagens, aparece sempre uma outra por baixo."
"O que quer? O rabo lavado com água-de-colônia?"
"Perdão?"
"Estou a perguntar o que quer você? Ter a papinha toda feita, é? Não se esqueça de que o autor desse documento é o homem mais inteligente que já viveu no nosso planeta. Como é evidente, as suas charadas terão de ser de grande complexidade, não acha?"
"Pois, se calhar tem razão."
"Claro que tenho razão." Impacientou-se. "Mas diga-me lá o que diz essa fucking mensagem que você já decifrou."
"Espere um momento."
Tomás apalpou o bolso do casaco, subitamente apreensivo, mas, para seu grande alívio, sentiu a folha dobrada justamente no sítio onde a tinha deixado. Os guardas prisionais de Evin podiam ser uns grandes sádicos, mas pelo menos respeitaram ciosamente as suas posses. Ou talvez não esperassem que ele se escapasse antes de passarem tudo a pente fino, quem sabe? Fosse como fosse, a verdade é que a folha com as charadas tinha sobrevivido ao cativeiro.
"Não me vai fazer esperar, pois não?", perguntou Bellamy, crescentemente impaciente no outro lado da linha.
"Não, não, já aqui está", disse Tomás, desdobrando a folha. "Tenho aqui a charada."
"Leia-me lá isso, homem."
O historiador passou os olhos pelas linhas rabiscadas.
"Bem, a charada que decifrei era um poema que se encontrava na primeira página do manuscrito, mesmo por baixo do título."
"Uma espécie de epígrafe?"
"Sim, isso. Uma epígrafe."
"E o que dizia o poema?"
"Era uma coisa um pouco tenebrosa", observou Tomás. "Vou ler." Afinou a voz.