"Já não está assim?"
"Não, felizmente não. Mostra-se mais conformado, dá-me a impressão de que ele começou a aceitar melhor as coisas."
"E o tratamento? Está a resultar?"
Graça encolheu os ombros.
"Oh, sei lá!", exclamou. "Já nem digo nada."
"Então?"
"O filho, o que queres que eu te diga? A radioterapia é uma coisa chata, percebes?
E o pior é que não o vai curar."
"E ele sabe disso?"
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"Sabe."
"E como está a reagir?"
"Tem esperança. Tem a esperança que qualquer paciente e qualquer familiar de um paciente tem nestas circunstâncias, não é?"
"A esperança de quê? De se curar?"
"Sim, a esperança de que apareça uma coisa nova que resolva o problema. A história da medicina está cheia de casos desses, não está?"
"É", assentiu Tomás, sentindo-se igualmente impotente. "Vamos esperar que aconteça alguma coisa."
A mãe pegou-lhe nas mãos.
"E tu? Estás bem?"
"Sim, estou."
"Não mandaste notícias nenhumas! Nós aqui todos ralados e o menino sem dizer nada, nem água vai, nem água vem."
"Ora, sabe como é, o trabalho..."
Dona Graça afastou-se um passo e analisou Tomás da cabeça aos pés.
"Além disso, estás muito magro, filho. Que porcarias andaste tu a comer no deserto?"
"No Irã, mãe."
"Ora, é a mesma coisa! Isso não é lá no deserto, onde andam os camelos?"
"Não, não é", explicou ele, enchendo-se de paciência para lidar com as confusões geográficas da mãe. "O Irã é para aqueles lados, de facto, mas não é no deserto."
"Não interessa", disse ela. "A verdade é que vens escanzelado que nem um carapau, valha-me Deus! Os beduínos não te deram nada de jeito para comer?"
"Uh... sim, comi bem."
A mãe mirou-o com ar incrédulo.
"Então como é que vens assim tão magro, hã? Credo, parece que vieste do Biafra!"
"Quer dizer, houve dias em que comi muito mal..."
Graça ergueu a mão direita.
"Ah! Bem me queria parecer! Bem me queria parecer! Tens a mania de te meter nas bibliotecas e nos museus dias a fio, esqueces-te de almoçar... e depois... depois... "
Fez um gesto na direção de Tomás, como se exibisse uma prova em tribunal. "Depois é isto!"
"Pois, se calhar foi isso, foi." Deu-lhe vontade de rir. "Esqueci-me de almoçar."
A senhora levantou-se, decidida.
"Espera aí! Vou-te pôr mais gordinho que um leitão da Bairrada em dia de matança, ou eu não me chame Maria da Graça Rosendo Noronha!", exclamou, virando-se para sair da sala. "Tenho ali um ensopado de borrego que está um mimo, ouviste? Um mimo! É de chorar por mais, vais ver." Fez-lhe sinal para a seguir. "Ora anda daí, vem aqui à cozinha, vem."
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O borrego ia a meio, regado por um frutado tinto do Douro, quando o telemóvel tocou.
"Mister Norona?"
Tomás rolou os olhos. O sotaque era inconfundivelmente americano, o que só podia significar que a CIA não o largava.
"Sim, sou eu."
"Daqui fala do gabinete do Directorate of Science and Technology da Central Intelligence Agency, em Langley, USA. Um momento, por favor. Esta é uma linha segura e o senhor diretor quer falar consigo."
"Está bem."
Uma música encheu o telemóvel enquanto a chamada era transferida.
"Hello Tomás. Daqui Frank Bellamy."
Com a sua característica voz rouca e arrastada, a apresentação era redundante, Bellamy não precisava de se anunciar para ser logo identificado.
"Hi, mister Bellamy."
"Os rapazes da agência trataram bem de si?"
"Só a partir do mar Cáspio, mister Bellamy. Só a partir do mar Cáspio."
"Ah, é? Tem alguma queixa antes do mar Cáspio?"
"Nada de especial", ironizou o português. "Apenas o fato do vosso gorila em Teerã ter tentado injetar-me com veneno."
Bellamy riu-se.
"Considerando o que se passou a seguir, ainda bem que você não o deixou", disse. "Já viu? Se ele o tivesse neutralizado, jamais poderíamos saber as coisas que você nos contou. A nossa busca teria entrado num beco sem saída."
"Obrigado por se preocupar com o meu bem-estar", devolveu Tomás com acidez.
"Fico tocado, sim senhor."
"É, eu sou um sentimental. Só penso na sua saúde."
"Já tinha reparado."
O americano pigarreou.
"Ouça, Tomás, a razão pela qual lhe estou a ligar tem a ver com aquela pista que você me passou."
"Qual pista?"
"A do Hotel Orchard."
"Ah, sim."
"Bem, estivemos a fazer uma pesquisa e descobrimos que existem centenas de hotéis com o nome Orchard em todo o mundo. Eles estão em Singapura, em São Francisco, em Londres... uh, em toda a parte, na verdade. Isto assim é como procurar uma agulha no palheiro."
"Estou a entender."
"Não tem nenhum dado adicional que nos possa ajudar?"
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"Não", disse Tomás. "Tudo o que sei é que existe uma ligação entre o Hotel Orchard e o professor Siza. Não sei mais nada."
"Bem... isso assim é muito vago", considerou o americano. "Vamos continuar a procurar, claro. O problema é que, deste modo, iremos levar anos, não é?"
"Compreendo, mas não posso fazer nada."
"Quem é que lhe deu essa informação?"
"Ariana Pakravan."
"Hmm", murmurou Bellamy, considerando o caso. "E podemos confiar nela?"
"Em que sentido?"
"No sentido de que falou a verdade."
"Bem, foi ela que me salvou, não é? Se não fosse ela, eu não estava aqui a falar consigo. Presumo que tenha dito a verdade..."
"I see. E acha que dá para nós a contactarmos?"
"A quem? À Ariana?"
"Sim."
"Nem pense nisso!"
"Porquê? Se o ajudou a si é porque não está necessariamente do lado deles."
"Ela ajudou-me porque me quis ajudar. Não foi um ato político. Foi um ato... uh...
pessoal."
Bellamy calou-se uma fração de segundo.
"Já vi que você foi mesmo para a cama com ela."
"Não me venha outra vez com essa conversa."
O americano riu-se.
"Ela é assim tão boa como dizem?"
Tomás rolou os olhos, impaciente.
"Ouça, foi para me dizer isso que me ligou?"
"Liguei-lhe porque preciso de mais do que você me deu."
"Não tenho mais."
"Mas ela tem."
"Ela é iraniana e está do lado do seu país. Se vocês forem ter com ela, ela vai relatar tudo aos seus superiores."
"Você acha?"
"Tenho a certeza."
"O que o leva a dizer isso?"
"O fato de ela se ter recusado a revelar-me pormenores sobre o programa nuclear iraniano. Ela nem sequer me disse qual o conteúdo do manuscrito de Einstein..."
Bellamy hesitou e Tomás quase suspendeu a respiração, à espera da decisão no outro lado da linha. O historiador acreditava agora que este era o único argumento 161
que poderia travar os americanos. Ou os convencia de que Ariana permanecia leal ao regime de Teerã, ou então a CIA iria incomodá-la, colocando-a em perigo.
"Hmm... está bem", aceitou Bellamy. "Parece-me que só nos resta então vasculhar os hotéis, uh?"
"Sim, é melhor."
"E você? Já fez progressos com a segunda cifra?"
"Uh... justamente, eu... eu quero ver se me desligo deste caso. Sabe, já tive a minha dose e não quero..."
"Isso é que era bom!"
"Perdão?"
"Ninguém sai deste caso até ele estar resolvido, entendeu?", vociferou Bellamy, num tom que não admitia discussão. "Você vai cumprir tudo até ao fim."
"Mas, ouça, eu já não..."
"Aqui não há mas nem meio mas! Você está envolvido numa missão de elevada importância e irá levá-la a bom termo, custe o que custar, doa a quem doer. Estou a ser claro?"