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"Hmm..."

"É essa a sutileza." Levantou a mão. "Com uma subtileza adicional. É que o Princípio da Incerteza diz-nos também que jamais poderemos provar que o comportamento da matéria é determinista, uma vez que, quando o tentamos fazer, a interferência da observação impede-nos de obter essa prova."

"Entendi", murmurou Tomás. "Mas, então, por que razão esse debate existiu?"

O pai riu-se.

"Também a mim faço a mesma pergunta", disse. "Eu e o Siza sempre nos mostramos perplexos por ninguém perceber que isto era um problema de semântica, nascido da confusão entre a palavra indeterminista e a palavra indeterminável."

Levantou a mão. "Mas o essencial não é isso. O essencial é que, ao negar a possibilidade de algum dia podermos saber todo o futuro e o passado, o Princípio da Incerteza veio expor uma sutileza fundamental do universo. É como se o universo nos dissesse o seguinte: a história encontra-se determinada desde o nascer dos tempos, mas vocês jamais o poderão provar e jamais poderão conhecê-la com exatidão. É esta a sutileza. Através do Princípio da Incerteza, ficamos a saber que, embora esteja tudo determinado, a derradeira realidade é indeterminável. O universo ocultou o seu mistério por detrás desta sutileza."

Tomás releu a frase de Einstein.

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"Sutil é o Senhor, mas malicioso Ele não é", enunciou. "A Natureza esconde o seu segredo devido à sua essência majestosa, nunca por ardil." Ergueu a cabeça. "E esta parte de que Deus não é malicioso nem usa nenhum ardil?"

"É o que te tenho dito sempre", devolveu o pai. "O universo esconde o seu segredo, mas fá-lo devido à sua imensa complexidade."

"Entendi", confirmou Tomás. "No entanto, a indeterminabilidade do comportamento da matéria só se aplica ao universo atômico, não é?"

O matemático fez uma careta.

"Bem, a verdade é que essa subtileza existe a todos os níveis."

"Eu pensei que tinha dito que só havia indeterminabilidade quântica...", admirou-se Tomás.

"Quer dizer, isso é o que se pensava antigamente. Só que houve outras descobertas que foram feitas entretanto."

"Que descobertas?"

Manuel Noronha contemplou a cidade para além da janela, mas fê-lo com um olhar sonhador, como um pássaro fechado numa gaiola observa o céu para além das grades.

"Olha lá, e se fôssemos tomar um café ali à praça?"

XXIV

A Praça do Comércio espreguiçava-se na modorra aprazível da manhã. O sol fazia resplandecer as fachadas brancas e os varandins metálicos dos velhos edifícios que cercavam o largo, onde apenas sobressaía o amarelo-torrado do frontispício quase rústico da velha igreja românica de São Tiago. Pequenas tendinhas animavam a praça, exibindo roupas alegres, faiança azul da região e simples bijuteria. A esplanada parecia convidativa, pelo que pai e filho instalaram-se numa mesa, estenderam as pernas e viraram o rosto na direção do astro flamejante, abraçando com prazer o calor gostoso que lhes amornava a pele.

O empregado apareceu de bloco de notas na mão e, perante o seu olhar inquiridor, os clientes pediram duas bicas. Quando o rapaz se afastou, Tomás mirou languidamente o pai.

"O pai disse há pouco que a indeterminabilidade não pertencia apenas ao mundo quântico..."

"Sim."

"Mas, ou me engano muito, ou isso contradiz tudo o que foi dito antes. Não era a Teoria da Relatividade e a Física Clássica de Newton que eram deterministas?"

"Eram e são."

"E ambas estabelecem que o comportamento da matéria é previsível..."

"Não exatamente."

"Não percebo. Segundo me disseram noutro dia, se eu souber a posição, a velocidade e a direção da Lua, poderei calcular com exactidão todos os seus movimentos passados e futuros. Não é isso previsibilidade?"

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"As coisas não se passam bem assim. Foram feitas descobertas posteriores que mudaram tudo."

"Que descobertas?"

O empregado apareceu e colocou as duas bicas na mesa. Manuel Noronha endireitou-se na cadeira, bebeu um trago tímido e passou os olhos pelo céu, observando os flocos de algodão que deslizavam suavemente sobre o azul límpido.

"Diz-me uma coisa, Tomás. Por que razão não conseguimos prever com rigor o estado do tempo?"

"Hã?"

O matemático apontou para o céu.

"Por que razão o boletim meteorológico na televisão previa para hoje céu limpo sobre Coimbra e eu estou a ver aquelas nuvens a passar, desmentindo a previsão?"

"Sei lá", riu-se Tomás. "Porque os nossos meteorologistas são uns nabos, suponho eu."

O pai voltou a esticar-se no seu lugar, o rosto voltado para o calor do sol.

"Resposta errada", disse. "O problema está na equação."

"Como assim?"

"Em 1961, um meteorologista chamado Edward Lorenz sentou-se diante de um computador e pôs-se a ensaiar previsões meteorológicas sobre o comportamento do clima a longo prazo com base em apenas três variáveis: a temperatura, a pressão do ar e a velocidade do vento. A experiência nada revelaria de especial se não se tivesse dado o caso de ele ter querido examinar uma determinada sequência com mais pormenor.

Foi uma coisa pequena, quase insignificante. Em vez de introduzir um certo dado outra vez desde o início, foi ver uma cópia impressa da experiência original e copiou o número que ali viu." Tirou uma caneta do bolso do casaco e pegou num guardanapo de papel, que estendeu sobre a mesa da esplanada. "Era, se bem me lembro, o... uh..."

Rabiscou quatro algarismos.

0,506

"Era 0,506."

"Ena, isso é que é memória", comentou o filho.

"Nós, os matemáticos, somos assim." Sorriu e apontou para as chávenas fumegantes sobre a mesa. "Ora bem, tal como nós estamos agora a fazer, Lorenz foi tomar um café e deixou o computador a processar os dados. Quando regressou, no entanto, nem queria acreditar no que tinha à sua espera. Ele descobriu que a nova previsão meteorológica feita pelo computador era totalmente diferente da anterior.

Totalmente. Intrigado, foi tentar ver o que mudara." Bateu com a ponta da caneta nos quatro dígitos que gatafunhara no guardanapo de papel. "Depois de analisar tudo, percebeu que, ao introduzir este dado, só tinha reproduzido quatro algarismos de uma sequência mais longa."

Rabiscou a sequência completa.

0,506127

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"Era esta a sequência completa original. Confrontado com esta situação, ele tomou consciência de que uma alteração milionesimal dos dados, uma coisa infimamente pequena, quase insignificante, alterava totalmente a previsão. Era como se uma mera lufada de vento imprevista tivesse o poder de mudar o estado do tempo em todo o planeta." Fez uma pausa dramática. "Lorenz descobriu o caos."

"Perdão?"

"A Teoria do Caos constitui um dos mais fascinantes modelos matemáticos existentes e ajuda a explicar muitos comportamentos do universo. A ideia fundamental dos sistemas caóticos é simples de formular. Pequenas alterações nas condições iniciais provocam profundas alterações no resultado final. Ou seja, pequenas causas, grandes efeitos."

"Dê-me um exemplo."

O pai voltou a apontar para o céu e para as nuvens intermitentes que, por vezes, lançavam irritantes sombras sobre a Praça do Comércio.