"O estado do tempo", disse. "O exemplo mais famoso é o chamado Efeito Borboleta. O bater de asas de uma borboleta aqui em Coimbra vai alterar milionesimalmente a pressão do ar em redor de si. Essa pequeníssima alteração irá produzir um efeito dominó nas moléculas de ar, ao ponto de, daqui a algum tempo, provocar uma colossal tempestade na América. É isso o Efeito Borboleta. Agora, transporta o efeito desta pequena borboleta para o efeito de todas as borboletas no mundo, de todos os animais, de tudo o que mexe e respira. O que resulta daqui?"
Abriu as mãos, como quem expõe uma evidência. "A imprevisibilidade."
"Que remete para o indeterminismo."
"Não", exclamou o matemático. "A imprevisibilidade não remete para o indeterminismo, mas para a indeterminabilidade. O comportamento da matéria continua a ser determinista. O que se passa é que a matéria organiza-se de tal maneira que não é possível prever o seu comportamento a longo prazo, embora ele já esteja determinado. Se quiseres, poderemos dizer que o comportamento dos sistemas caóticos é causal, mas parece casual."
"Hmm", murmurou Tomás. "Acha que, sendo isso válido para a meteorologia, pode também ser aplicado noutros campos?"
"Tomás, a Teoria do Caos está presente por todo o lado. Todo. Se calhar, no mundo quântico nós não conseguimos prever com toda a certeza o comportamento das micropartículas pela simples razão de que ele é caótico. Esse comportamento já está determinado, mas as flutuações das suas condições iniciais são de tal modo minúsculas que não nos é possível antecipar-lhe a evolução. É por isso que, para efeitos práticos, o mundo quântico nos parece indeterminista. Na verdade, as micropartículas têm um comportamento determinista, mas o fato é que não o conseguimos determinar. Acredito que isso se deve à influência da observação, conforme estabelecido inicialmente pelo Princípio da Incerteza, mas também à indeterminabilidade inerente aos sistemas caóticos."
"Está bem, mas isso só acontece com coisas minúsculas, como os átomos ou as moléculas..."
"Enganas-te", insistiu o pai. "O caos está em toda a parte, incluindo nos grandes objetos. O próprio sistema solar, que parece ter um comportamento previsível, é, na verdade, um sistema caótico. O que se passa é que nós não nos apercebemos disso porque observamos movimentos muito lentos. Mas o sistema solar é caótico. Uma 173
projeção feita por um computador calculou, por exemplo, que se a Terra começasse a orbitar o Sol a apenas cem metros de distância do local onde efetivamente começou, ao fim de cem milhões de anos afastar-se-ia quarenta milhões de quilômetros da rota original. Pequenas causas, grandes efeitos."
"Hmm."
"Até as nossas vidas são geridas pelo caos. Imagina, por exemplo, que te metes no carro e, antes de arrancares, percebes que a aba do teu casaco ficou presa na porta. O
que fazes então? Abres a porta, ajeitas a aba, fechas a porta e arrancas. Perdeste cinco segundos nesse processo. Quando chegares à primeira esquina, aparece um camião que te abalroa. Resultado, ficas paraplégico a vida toda. Agora imagina que não prendeste a aba do casaco na porta. O que acontece? Arrancas imediatamente o carro e chegas à esquina cinco segundos antes, não é? Olhas para a direita, vês o caminhão a aproximar-se, esperas que ele passe e depois prossegues a tua viagem. É isto a Teoria do Caos. Por causa da aba do casaco presa na porta do carro, perdeste cinco segundos que te vão fazer a diferença o resto da vida." Fez um gesto resignado.
"Pequenas causas, grandes efeitos."
"Tudo por causa de uma coisa tão pequena?"
"Sim. Mas atenção. Já estava determinado que tu irias prender a aba do casaco à porta do carro. É que vestiste mal o casaco de manhã. E vestiste-o mal porque acordaste maldisposto. E acordaste maldisposto porque dormiste pouco. E dormiste pouco porque te deitaste tarde. E deitaste-te tarde porque tinhas um trabalho para fazer para a faculdade. E tinhas esse trabalho para fazer por isto ou por aquilo. Tudo é causa de tudo e provoca consequências que se tornam causas de outras consequências, num eterno efeito dominó, em que tudo está determinado mas permanece indeterminável. O próprio motorista do camião podia ter travado a tempo, mas não o fez porque viu uma rapariga bonita a passar e olhou para o lado. E a rapariga passou ali naquele instante porque se atrasou. E ela atrasou-se por causa de um telefonema do namorado. E o namorado ligou-lhe por isto ou por aquilo. Tudo é causa e consequência."
Tomás passou a mão pelo cabelo, tentando ordenar as idéias.
"Espere aí", disse. "Vamos imaginar que é possível colocar todos os dados do universo num supercomputador. Nesse caso, conseguiríamos prever todo o passado e todo o futuro?"
"Sim, o Demónio de Laplace aplicar-se-ia. Todo o passado e o futuro já existem e se nós soubéssemos todas as leis e conseguíssemos definir com precisão, e em simultâneo, a velocidade, direção e posição de toda a matéria, conseguiríamos ver todo o passado e o futuro."
"Portanto, em teoria isso é possível..."
"Não, em teoria não é possível."
"Desculpe", retificou Tomás. "Em teoria é possível. Na prática é que não é."
O pai abanou a cabeça.
"Essa é mais uma sutileza do universo", disse. "Se nós conseguíssemos saber tudo sobre o estado presente do universo, conseguiríamos determinar o passado e o futuro, uma vez que já está
tudo determinado. Mas mesmo do ponto de vista teórico não é possível saber tudo sobre o estado presente do universo."
"Ah é? E por que não?"
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"Por causa de outra sutileza inerente ao universo", respondeu o matemático. "O
infinito."
Tomás esboçou uma careta.
"O infinito?"
"Sim. Nunca ouviste falar no Paradoxo de Zenão?"
"Uh... já."
"Descreve-o, se faz favor."
"O que é isto? Um exame?"
"Anda lá! Descreve-o, vá!"
O filho estreitou os olhos e fez um esforço de memória.
"Bem... uh... se bem me lembro, é aquela história da corrida entre uma tartaruga e uma lebre, não é? A tartaruga arranca primeiro, mas a lebre, que é muito mais rápida, depressa a ultrapassa. O problema é que, segundo Zenão, a lebre nunca poderá apanhar a tartaruga porque o espaço que as divide é infinitamente divisível. É
isso, não é?"
"Sim", confirmou o pai. "O Paradoxo de Zenão ilustra o problema matemático do infinito. Para correr um metro, a lebre tem de correr metade dessa distância. E essa metade também é divisível por outra metade, e a outra metade por outra metade, e assim infinitamente."
"Mas o que quer o pai provar com isso?"
"O que quero provar é que o infinito é um problema inultrapassável para a questão da previsibilidade." Fez mais uma vez um gesto na direcção do céu. "Voltemos ao exemplo do estado do tempo. A previsão a longo prazo é impossibilitada por duas ordens de fatores. Uma é iminentemente prática. Mesmo que eu saiba quais são todos os factores que influem no estado do tempo, eu teria de os considerar a todos. A respiração de cada animal, o movimento de qualquer ser vivo, a actividade solar, uma erupção vulcânica, o fumo exalado por cada automóvel, cada chaminé, cada fábrica, tudo. Ora, eu tenho uma impossibilidade prática de levar em linha de conta todos estes fatores em simultâneo, não é?"