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Portanto, o problema está resolvido, não acham?" Aguardou um momento, à espera de resposta, mas como ninguém interveio o professor voltou para a secretária, pegou nos apontamentos e dirigiu-se para a saída. "Bem, uma vez que vocês acham que a questão está encerrada, não há motivo para continuarmos a aula, pois não? Se o universo é eterno, não há os problemas do Alfa e do Ômega. Como esta aula era dedicada a esses dois problemas, e eles já estão resolvidos, só me resta despedir-me, não é?" Acenou. "Então até para a semana."
Os alunos olharam-no, embasbacados.
"Adeus", repetiu o professor.
"Mas o professor já se vai embora?", quis saber uma estudante, desconcertada.
"Sim", retorquiu ele, ainda pregado à porta. "Pois vocês parecem satisfeitos com a resposta do universo eterno..."
"E é possível demonstrar o contrário?"
"Ah!", exclamou Luís Rocha, como se finalmente tivesse ouvido um argumento válido para continuar a aula. "Ora aí está uma possibilidade interessante." Deu meia-volta e regressou à secretária, despejando aí os apontamentos de novo. "Afinal a aula não acabou. Há ainda um pequeno pormenor a resolver. Será possível demonstrar que o universo não é eterno? Na verdade, esta pergunta remete para um problema cruciaclass="underline" o fato de as observações contradizerem a teoria." Esfregou as mãos. "Alguém aqui sabe que contradições são essas?"
Ninguém sabia.
"Bom, a primeira contradição surge na Bíblia, embora isso não tenha grande relevância no quadro da física, claro. Mas é uma curiosidade que tem graça explorar.
Segundo relata o Antigo Testamento, Deus criou o universo numa explosão primordial de luz. Embora esta permanecesse a explicação padrão para as religiões judaica, cristã e muçulmana, a verdade é que ela veio a ser questionada fortemente pela ciência.
Afinal de contas, a Bíblia não é um texto científico, pois não? A tese do universo eterno tornou-se assim, como vos disse, a explicação mais aceite, pelos motivos que já vos indiquei." Fez um gesto dramático com a mão. "Porém, no século XIX foi feita uma descoberta de grande importância, uma das maiores descobertas jamais efetuadas pela ciência, uma revelação que veio pôr em causa a ideia do universo com idade infinita." Passou os olhos pela turma. "Alguém sabe que descoberta foi essa?"
Todos permaneceram calados.
O professor pegou num marcador negro e rabiscou uma equação no quadro.
"Quem sabe o que é isto?"
Os alunos fixaram os olhos no quadro.
"Isso não é a segunda lei da termodinâmica?", perguntou um deles, um rapaz magro de óculos e despenteado, habitualmente dos mais brilhantes alunos do curso.
"Nem mais", exclamou Luís Rocha. "A segunda lei da termodinâmica." Apontou para cada um dos elementos da equação rabiscada no quadro. "O triângulo significa variação, o S quer dizer entropia, o > representa, como vocês sabem, o conceito de maior, e o 0 é o zero. Ou seja, o que esta equação nos vem dizer é que a variação da entropia do universo é sempre maior do que zero." Bateu no quadro com a ponta do marcador. "A segunda lei da termodinâmica." Apontou para o aluno que falara anteriormente. "Quem a formulou?"
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"Clausius, professor. Em 1861, creio eu."
"Rudolf Julius Emmanuel Clausius", entoou o professor, claramente embalado na matéria. "Clausius já tinha formulado a lei da conservação da energia, afirmando que a energia do universo é uma eterna constante, nunca pode ser criada nem destruída, apenas transformada. Depois decidiu propor o conceito de entropia, que abarca todas as formas de energia e a temperatura, acreditando que ela também seria uma eterna constante. Se o universo era eterno, a energia teria de ser eterna e a entropia também.
Mas quando começou a fazer medições, descobriu, chocado, que as fugas de calor de uma máquina excediam sempre a transformação do calor em trabalho, provocando ineficiências. Recusando-se a aceitar esse resultado, pôs-se a medir também a natureza, incluindo o ser humano, e concluiu que o fenómeno persistia em toda a parte. Depois de muito tentar, teve de se render à evidência. A entropia não era uma constante, antes estava sempre a aumentar. Sempre. Nasceu assim a segunda lei da termodinâmica. Clausius detectou a existência desta lei no comportamento térmico, mas o conceito de entropia rapidamente se generalizou a todos os fenômenos naturais.
Percebeu-se que a entropia existia em todo o universo." Fitou os alunos. "Qual é a consequência desta descoberta?"
"As coisas envelhecem", disse o estudante de óculos.
"As coisas envelhecem", confirmou o professor. "A segunda lei da termodinâmica veio provar três coisas." Ergueu três dedos. "A primeira é que, se as coisas envelhecem, então haverá um ponto no tempo em que vão morrer. Isso acontecerá quando a entropia atingir o seu ponto máximo, no momento em que a temperatura se espalhar uniformemente pelo universo." Dois dedos. "A segunda é que existe uma flecha do tempo. Ou seja, o universo pode estar determinado e toda a sua história já existir, mas a sua evolução é sempre do passado para o futuro. Esta lei implica que tudo evolui com o tempo." Um dedo. "A terceira coisa que a segunda lei da termodinâmica veio provar é que, se está tudo a envelhecer, é porque houve um momento em que tudo era novo. Mais ainda, houve um momento em que a entropia era mínima. O momento do nascimento." Fez uma pausa dramática. "Clausius mostrou que houve um nascimento do universo."
"O professor está a dizer que já no século XIX se sabia que o universo não era eterno?"
"Sim. Quando a segunda lei da termodinâmica foi formulada e demonstrada, os cientistas logo perceberam que a ideia de um universo eterno era incompatível com a existência de processos físicos irreversíveis. O universo está a evoluir para um estado de equilíbrio termodinâmico, em que deixa de haver zonas frias e zonas quentes, antes uma temperatura constante em toda a parte, o que implica entropia total, ou máxima desordem. Ou seja, o universo parte de total ordem para acabar em total desordem. E
esta descoberta foi acompanhada pelo aparecimento de outros indícios. Alguém conhece o Paradoxo de Olbers?"
Ninguém conhecia.
"O Paradoxo de Olbers está relacionado com a escuridão do céu. Se o universo é infinito e eterno, então não pode haver escuridão à noite, uma vez que o céu estaria obrigatoriamente inundado de luz proveniente de um número infinito de estrelas, não é? Mas a escuridão existe, o que é um paradoxo. Este paradoxo só se resolve se se atribuir uma idade ao universo, dado que assim se pode postular que a Terra só recebe a luz que teve tempo de viajar até ela desde o nascimento do universo. Essa é a única explicação para o facto de existir escuridão à noite."