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"Portanto, houve mesmo um ponto Alfa, não é?", perguntou um aluno.

"Exato. Mas havia ainda um outro problema para resolver, relacionado com a gravidade. Os cientistas presumiam que o universo, sendo eterno, era também estático, e foi nesse pressuposto que assentou toda a física de Newton. O próprio Newton, porém, apercebeu-se de que a sua lei da gravidade, que estabelece que toda a matéria atrai matéria, tinha como consequência última que todo o universo estaria amalgamado numa grande massa. A matéria atrai a matéria. E, no entanto, olhando para o céu, percebe-se que não é isso o que se passa, pois não? A matéria está distribuída. Como explicar este fenômeno?"

"Não foi Newton que recorreu ao infinito?"

"Sim, Newton disse que era o fato de o universo ser infinito que impedia que a matéria se amalgamasse toda. Mas a verdadeira resposta foi dada por Hubble."

"O telescópio ou o astrônomo?"

"O astrônomo, claro. Na década de 1920, Edwin Hubble confirmou a existência de galáxias para além da Via Láctea, e, quando se pôs a medir o espectro da luz que elas emitiam, percebeu que se estavam todas a afastar de nós. Mais ainda, ele verificou que quanto mais longe se encontrava uma galáxia, mais depressa ela se afastava. Foi assim que se percebeu a verdadeira razão pela qual, em obediência à lei da gravidade, toda a matéria do universo não estava amalgamada numa única e enorme massa. É

que o universo está em expansão." O professor estacou no centro do estrado, mirando a classe. "Pergunto-vos eu: qual a relevância desta descoberta para o problema do ponto Alfa?"

"É simples", disse o estudante de óculos, agitando-se no seu lugar. "Se toda a matéria do universo se está a afastar uma da outra, é porque no passado esteve junta."

"Nem mais. A descoberta do universo em expansão implica que houve um momento inicial em que tudo se encontrava junto e foi projetado em todas as direções.

Aliás, os cientistas perceberam que isso batia certo com a Teoria da Relatividade Geral, que permitia o conceito de um universo dinâmico. Ora, com base em todas estas descobertas, houve um padre belga, chamado Georges Lemaitre, que, na década de 1920, propôs uma nova idéia."

Voltou-se para o quadro e rabiscou duas palavras inglesas.

Big Bang

"O Big Bang. A grande explosão." Voltou a encarar os alunos. "Lemaítre sugeriu que o universo nasceu de uma brutal explosão inicial. A ideia era extraordinária e resolvia de uma assentada todos os problemas existentes com o conceito de um universo eterno e estático. O Big Bang estava em consonância com a segunda lei da termodinâmica, solucionava o Paradoxo de Olbers, explicava a atual configuração do universo perante as exigências da lei da gravidade de Newton e batia certo com as teorias da Relatividade de Einstein. O universo começou com uma grande explosão súbita... embora talvez a expressão mais adequada não seja explosão, mas expansão."

"E antes dessa... uh... expansão o que havia, professor?", perguntou uma aluna de aspecto prendado. "Apenas o vácuo?"

"Não houve antes. O universo começou com o Big Bang."

A estudante fez um ar atrapalhado.

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"Sim, mas... uh... o que havia antes da expansão? Tinha de haver alguma coisa, não?"

"É isso o que eu lhe estou a dizer", insistiu Luís Rocha. "Não houve antes. Não estamos a falar aqui de um espaço que existia vazio e que começou a ser preenchido.

O Big Bang implica que não havia espaço sequer. O espaço nasceu com a grande expansão súbita, está a entender? Ora, as teorias da Relatividade estabelecem que espaço e tempo são duas faces da mesma moeda, não é? Assim sendo, a conclusão é lógica. Se o espaço nasceu com o Big Bang, o tempo também nasceu com esse acontecimento primordial. Não havia antes porque não existia o tempo. O tempo começou com o espaço, que começou com o Big Bang. Perguntar o que havia antes de haver o tempo é o mesmo que perguntar o que existe a norte do pólo Norte. Não faz sentido, entendeu?"

A aluna abriu muito os olhos e assentiu com a cabeça, mas era evidente que a ideia lhe parecia bizarra.

"Este problema do momento inicial é, aliás, o mais complexo de toda a teoria", salientou o professor, percebendo a estranheza do que tentava explicar. "Chamam-lhe uma singularidade. Pensa-se que todo o universo se encontrava comprimido num ponto infinitamente pequeno de energia e que, de repente, houve uma erupção, na qual se criou a matéria, o espaço, o tempo e as leis do universo."

"Mas o que provocou essa erupção?", perguntou o aluno de óculos, muito atento aos pormenores.

O rosto de Luís Rocha contraiu-se num novo tique nervoso. Este era o ponto mais delicado de toda a teoria, aquele em que havia mais dificuldades em explicar as coisas; não só porque as explicações eram contra-intuitivas, mas também porque os próprios cientistas se mostram ainda perplexos perante este problema.

"Bem, este é o ponto onde o mecanismo causal não se aplica", argumentou.

"Não se aplica, como?", insistiu o aluno. "O professor está a insinuar que não houve causa?"

"Mais ou menos. Reparem, eu sei que tudo isto parece esquisito, mas é importante que sigam o meu raciocínio. Todos os acontecimentos têm causas e os seus efeitos tornam-se causas dos acontecimentos seguintes. Certo?" Algumas cabeças assentiram, essa era uma evidência da física. "Ora bem, o processo causa-efeito-causa implica uma cronologia, não é? Primeiro vem a causa, depois produz-se o efeito." Ergueu a mão, tentando enfatizar o que ia dizer a seguir. "Agora reparem: se o tempo ainda não existia naquele ponto infinitamente pequeno, como podia um acontecimento gerar outro? Não havia antes nem depois. Logo, não havia causas nem efeitos, porque nenhum acontecimento podia preceder o outro."

"O professor não acha que essa é uma explicação um pouco insatisfatória?", perguntou o aluno de óculos.

"Eu não acho, nem deixo de achar. Estou apenas a tentar explicar-vos o Big Bang com os dados que temos hoje. A verdade é que, tirando o problema da singularidade inicial, esta teoria resolve de fato os paradoxos suscitados pela hipótese do universo eterno. Mas houve cientistas que, tal como alguns de vós, se sentiram insatisfeitos com o Big Bang e procuraram uma explicação alternativa. A hipótese mais interessante que apareceu foi a da teoria do universo em estado permanente, baseada na idéia de que a matéria de baixa entropia está constantemente a ser criada. Em vez de a matéria surgir toda numa grande expansão inicial, ela vai aparecendo gradualmente, em pequenas erupções ao longo do tempo, compensando a parte da matéria que morre ao atingir a máxima entropia. Assim sendo, o universo pode ser 184

eterno. Esta possibilidade foi encarada seriamente pela ciência, ao ponto de, durante muito tempo, a teoria do universo em estado permanente ter sido sempre apresentada em pé de igualdade com a teoria do Big Bang."

"E por que motivo já não estão as duas em pé de igualdade?"

"Por causa de uma previsão da teoria do Big Bang. A haver uma grande expansão inicial, os cientistas perceberam que teria de existir uma radiação cósmica de fundo, uma espécie de eco dessa erupção primordial do universo. A existência desse eco foi prevista em 1948 e preconizava que teria uma temperatura por volta dos cinco graus Kelvin, ou seja, cinco graus acima do zero absoluto. Mas onde diabo estava o eco?"

Encolheu o pescoço, arregalou os olhos e abriu os braços, numa expressão interrogativa. "Por mais que se procurasse, nada se encontrava. Até que, em 1965, dois astrofísicos americanos estavam a levar a cabo trabalho experimental numa grande antena de