comunicações de New Jersey quando depararam com um irritante barulho de fundo, uma espécie de assobio provocado por vapor. O barulho era enervante e parecia vir de toda a parte do céu. Por mais que virassem a antena para um lado ou para outro, na direção de uma estrela ou de uma galáxia, de um espaço vazio ou de uma nebulosa distante, o som persistia. Andaram um ano a tentar eliminá-lo.
Verificaram cabos elétricos, procuraram uma qualquer fonte que estivesse na origem da avaria, fizeram tudo, mas não havia meio de localizarem o problema que provocava aquele ruído insuportável. Em desespero de causa, decidiram ligar aos cientistas da Universidade de Princeton, a quem relataram o que estava a acontecer e pediram uma explicação. E a explicação veio. Era o eco do Big Bang."
"Como assim, o eco?", admirou-se o estudante de óculos. "Que eu saiba, no espaço não há som..."
"O eco é uma força de expressão, claro. O que eles estavam a captar era a luz mais antiga que chegou até nós, uma luz que o tempo tinha transformado em microondas. Chama-se a isso radiação cósmica de fundo e as medições térmicas revelaram que ela se encontra nos três graus Kelvin, muito próximo da previsão feita em 1948." Fez um gesto rápido com a mão. "Oiçam, nunca vos aconteceu ligarem um televisor numa frequência em que não há emissão? O que vêem vocês? Hã?"
"Estática, professor."
"Barulho. Vemos aqueles pontinhos todos a pulularem no ecrã e um ruído enervante, assim crrrrrrrrrrrr, não é? Pois ficam a saber que um por cento desse efeito é proveniente deste eco." Sorriu. "Portanto, se um dia estiverem a ver televisão e nada vos interessar, sugiro-vos que
sintonizem um canal sem programação e fiquem a ver o nascimento do universo.
Não há melhor reality show que esse."
"E essa erupção inicial, professor, é possível demonstrá-la matematicamente ?"
"Sim. Aliás, Penrose e Hawking provaram uma série de teoremas que mostraram que o Big Bang é inevitável, desde que a gravidade consiga ser uma força de atração nas condições extremas em que se formou o universo." Fez sinal na direcção do quadro. "Numa das próximas aulas vamos ver esses teoremas."
"Mas, ó professor, explique lá um pouco melhor o que aconteceu logo a seguir ao Big Bang. Formaram-se as estrelas, é?"
"Tudo aconteceu algures entre há dez e vinte mil milhões de anos, provavelmente há quinze mil milhões de anos. A energia estava concentrada num ponto e expandiu-se numa monumental erupção."
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Voltou-se para o quadro e escreveu a famosa equação de Einstein.
E = mc2
"Como, segundo esta equação, a energia equivale a massa, o que se passou foi que a matéria emergiu da transformação da energia. No primeiro instante apareceu o espaço e logo se expandiu. Ora, como o espaço está ligado ao tempo, o aparecimento do espaço implicou automaticamente o aparecimento do tempo, que também se expandiu. Nesse primeiro instante nasceu uma superforça e apareceram todas as leis.
A temperatura era imensa, umas dezenas de milhares de milhões de graus. A superforça começou a separar-se em forças diferentes. Iniciaram-se as primeiras reações nucleares, que criaram os núcleos dos elementos mais leves, como o hidrogênio e o hélio, e ainda vestígios de lítio. Em três minutos foi produzida noventa e oito por cento da matéria que existe ou alguma vez existirá."
"Os átomos que fazem parte do nosso corpo remontam a esse momento?"
"Sim. Noventa e oito por cento da matéria que existe foi formada a partir da erupção de energia do Big Bang. Isso significa que quase todos os átomos que se encontram no nosso corpo já passaram por diversas estrelas e já ocuparam milhares de organismos diferentes até chegarem a nós. E temos tantos e tantos átomos que se calcula que cada um de nós possui pelo menos um milhão que já pertenceu a qualquer pessoa que viveu há muito tempo." Ergueu o sobrolho. "Isto significa, meus caros, que cada um de nós tem muitos átomos que já estiveram nos corpos de Abraão, Moisés, Jesus Cristo, Buda ou Maomé."
Fez-se um burburinho na sala.
"Mas regressemos então ao Big Bang", disse Luís Rocha, fazendo sobrepor a sua voz à do rumor espantado que se ergueu pela turma. "Depois da erupção inicial, o universo começou a organizar-se automaticamente em estruturas, obedecendo às leis criadas nos primeiros instantes. Com o tempo, as temperaturas baixaram até atingirem um ponto crítico em que a superforça se desintegrou em quatro forças: primeiro a força da gravidade, depois a força forte, finalmente separaram-se a força electromagnética e a força fraca. A força da gravidade organizou a matéria em grupos localizados. Ao fim de duzentos milhões de anos, acenderam-se as primeiras estrelas.
Nasceram os sistemas planetários, as galáxias e os grupos de galáxias. Os planetas eram inicialmente pequenos corpos incandescentes que orbitavam as estrelas, como se fossem estrelas pequenas. Esses corpos arrefeceram ao ponto de solidificarem, como aconteceu com a Terra." Abriu os braços e sorriu. "E aqui estamos nós."
"O professor disse há pouco que os planetas pareciam pequenas estrelas que acabaram por solidificar. Isso quer dizer que o Sol também vai solidificar?"
Luís Rocha esboçou uma careta.
"Eh pá! Não me estraguem a manhã a pensar nisso!"
A turma riu-se.
"Mas isso vai acontecer?", insistiu a aluna.
"É sempre simpático falar no nascimento, já viram? Quem não gosta de ver crianças a nascer?" Sacudiu a mão. "Mas, agora, falar na morte... hmm, isso é outra coisa. E, no entanto, a resposta à sua pergunta é afirmativa. Sim, o Sol vai morrer.
Aliás, primeiro vai morrer a Terra, depois morrerá o Sol, depois morrerá a galáxia, por 186
último morrerá o universo. É essa a consequência inevitável da segunda lei da termodinâmica. O universo caminha para a entropia total." Fez um gesto teatral.
"Tudo o que nasce, morre. O que nos remete directamente do ponto Alfa para o ponto Ômega."
"O fim do universo."
"Sim, o fim do universo." O professor esticou dois dedos e exibiu-os à turma.
"Tudo indica que existem duas possibilidades diante de nós."
Voltou-se para o quadro e rabiscou uma frase em inglês.
1. Big Freeze
"A primeira é o chamado Big Freeze, ou grande gelo. Trata-se da consequência última da segunda lei da termodinâmica e da expansão eterna do universo. Com o aumento da entropia, as luzes vão-se apagando gradualmente até haver uma temperatura uniforme em todo o lado, transformando o universo num imenso e gelado cemitério galáctico."
"Isso não é já amanhã, pois não?", gracejou um estudante.
Risos na classe.
"Calcula-se que será daqui a uns cem mil milhões de anos, no mínimo." Fez uma careta com o seu tique nervoso. "Eu sei que é um valor tão grande que não vos diz nada, por isso é melhor eu apresentar as coisas de uma maneira mais compreensível.
Imaginem que o universo é um homem que morrerá aos cento e vinte anos. Então, o que vos posso dizer é que o Sol apareceu aos dez anos de vida e nós estamos nos quinze anos de vida. Isto significa que ainda existem cento e cinco anos de vida pela frente. Não é mau, pois não?"
A turma assentiu e Luís Rocha voltou-se de novo para o quadro.