"Bem, vamos agora à segunda possibilidade do ponto Ômega."
Escreveu com o marcador negro mais uma frase na superfície lisa do quadro.
2. Big Crunch
"A segunda possibilidade é a do Big Crunch, ou o grande esmagamento", anunciou, encarando novamente a turma. "A expansão do universo abranda e chegará a um momento em que irá parar, começando depois a encolher." Fez um movimento largo com as mãos, como se tivesse entre elas um balão gigante a crescer, a parar e a encolher. "Devido à força da gravidade, o espaço, o tempo e a matéria começarão a convergir entre si até se esmagarem num ponto infinito de energia." As palmas das mãos juntaram-se. " O Big Crunch é, se quiserem, o Big Bang ao contrário."
"Como um balão que incha e desincha?"
"Exato. No entanto, a contração não se deve a um desinchar, antes aos efeitos da gravidade." Luís Rocha pôs a mão no bolso e tirou uma moeda. "Como esta moeda, estão a ver?" Atirou a moeda ao ar, a moeda subiu um metro nas alturas e caiu de novo na sua mão. "Viram? A moeda subiu, parou a ascensão e desceu, voltando ao ponto inicial. Primeiro venceu a gravidade, depois foi vencida pela gravidade."
187
Um outro aluno ergueu o dedo e o professor fez-lhe sinal com a cabeça para falar.
"Professor, qual dessas duas possibilidades de morte do universo é a mais forte?"
Luís Rocha bateu com o marcador no primeiro ponto.
"Os astrofísicos inclinam-se para o Big Freeze."
"Porquê?"
"Por dois motivos, ambos resultantes das observações astronômicas. Em primeiro lugar, porque o Big Crunch requer que haja muito mais matéria no universo do que a que nós vemos. A matéria encontrada é insuficiente para, através da gravidade, provocar a contracção do universo. Para resolver este problema, avançou-se com a hipótese de existir matéria negra, ou seja, uma matéria que permanece invisível aos nossos olhos, devido à sua fraca interação. Essa matéria negra constituiria noventa por cento ou mais da matéria existente no universo. O problema é que é difícil encontrar a tal matéria negra. Além disso, se ela existir, será que se encontra disponível em quantidade suficiente para travar a expansão?" Encolheu os ombros.
"Em segundo lugar, o Big Freeze parece mais provável por causa de novas observações justamente sobre a expansão do universo. Em 1998 descobriu-se que a velocidade a que as galáxias se afastam está a aumentar. Repito, está a aumentar. Isso acontece provavelmente devido a uma nova força que até aqui se desconhecia, a que se designou força escura, já prevista por Einstein e que combate a força de gravidade.
Ora, o Big Crunch requer que a velocidade de expansão diminua até parar e começar a contracção, não é? Mas se a velocidade de expansão está a aumentar, a conclusão que se tira só pode ser uma." Passou os olhos pela turma. "Alguém me sabe dizer qual é essa conclusão?"
O aluno de óculos ergueu o dedo.
"O universo caminha para o Big Freeze."
O professor abriu as mãos e sorriu.
"Bingo."
XXVI
Os estudantes convergiram para a porta e abandonavam o anfiteatro em catadupa, comprimidos como uma agitada corrente a escoar-se por uma estreita garganta, quando Tomás se encaminhou para o fundo do anfiteatro e ficou a aguardar, parecia uma sentinela de plantão àquele caudal tumultuoso. Luís Rocha arrumava os apontamentos enquanto respondia a perguntas de três alunos, um processo que se prolongou por alguns minutos, a ponto de o professor de Astrofísica sair da sala e meter-se pelo corredor sempre com um estudante ao lado. Tomás seguiu-o e, logo que o último aluno se afastou, apressou o passo e interpelou o colega.
“Professor Rocha?"
Luís girou a cabeça e encarou-o. Pela expressão do olhar dava a impressão de que confundia o desconhecido com mais um dos seus alunos.
"Sim?"
Tomás esticou a mão.
188
"Bom dia. Sou Tomás Noronha, professor de História na Universidade Nova de Lisboa e filho do professor Manuel Noronha, que lecciona Matemática aqui em Coimbra."
Luís Rocha ergueu as sobrancelhas, como se o reconhecesse.
"Ah! O professor Manuel Noronha! Conheço muito bem, muito bem." Apertou a mão que lhe era estendida. "Como está o seu pai?"
"Não muito bem, infelizmente. Arranjou agora um problema chato, sabe? Uma coisa de saúde. Vamos lá a ver o que isto vai dar."
O professor de Astrofísica balançou a cabeça afirmativamente, com ar constrangido.
"Pois, isto é mesmo uma chatice", desabafou. "Parece que alguém deitou um mau-olhado qualquer sobre a Universidade de Coimbra, já reparou? Primeiro foi o desaparecimento do professor Siza, com quem eu trabalhava. Quase logo a seguir foi a notícia de que o seu pai já não iria leccionar mais por causa do... uh... da doença que... que apanhou." Fez um gesto impotente com as mãos. "Já viu isto? A universidade perdeu, quase de uma assentada, dois dos seus melhores cérebros! Isto é... não sei como dizê-lo, é... é um desastre."
"Sim, realmente é... enfim... é um problema."
"Um desastre", repetiu Luís.
Saíram à rua e o professor de física mostrou-se desorientado, olhando para todos os lados. Deu meia-volta e analisou o grande edifício rectangular de onde tinham emergido, o Departamento de Física. Parecia um hospital, mas exibia enormes estátuas de pedra nas esquinas e a parede exterior apresentava-se preenchida por um gigantesco retrato de Einstein a andar de bicicleta.
"Desculpe", balbuciou o físico. "Que disparate! Estou distraído."
Reentraram no edifício e subiram umas escadas, em direcção aos gabinetes dos professores. Caminhando ao lado de Luís Rocha, Tomás esforçou-se por completar o ritual da comiseração em torno da desgraça que parecia ter-se abatido sobre a Universidade de Coimbra, conversa que evoluiu para as habituais apreciações sobre o estado do ensino no país.
Já no pequeno e desarrumado gabinete do seu colega, Tomás aproveitou uma pausa em todas aquelas considerações para ir directamente ao tema que ali o trouxera.
"Ouça, professor, eu estou aqui por causa de um assunto delicado."
"Tem a ver com o seu pai?"
"Não, não." Apontou para o seu interlocutor. "Tem a ver com o seu mestre."
Luís Rocha fez um ar admirado.
"O meu mestre?"
"Sim. O professor Siza."
"Mais do que um mestre, ele foi... ele foi um segundo pai para mim." A voz quase se lhe embargou e baixou os olhos. "Ainda me custa a acreditar que ele tenha desaparecido, assim sem mais nem menos."
"É justamente sobre o seu desaparecimento que eu lhe queria falar."
189
"O que quer saber?"
"Tudo o que me possa ajudar a localizá-lo."
O físico mirou-o com estranheza.
"O senhor está a tentar localizá-lo?"
"Sim, fui contactado no sentido de colaborar nas investigações."
"A Judiciária foi falar consigo, é?"
"Bem... uh... não foi exatamente a Judiciária."
"Foi a PSP?"
"Também não."
Luís Rocha esboçou uma expressão confusa.
"Então quem?"
"Bem... uh... foi... foi uma polícia internacional."
"A Interpol?"
"Sim", mentiu Tomás. O espírito inquiridor do seu interlocutor obrigava-o a arranjar uma resposta. Como estava fora de questão mencionar a CIA, a Interpol faria bem esse papel. "Eles pediram-me para os ajudar nas investigações."
"Porquê a Interpol?"