"É o Santo Graal da matemática e da física. Formular uma equação que contenha em si toda a estrutura do universo."
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"E isso é possível?"
"Talvez, não sei", retorquiu Luís, encolhendo os ombros. "Sabe, existe a crescente convicção de que a actual profusão de leis e forças existentes no universo se deve ao fato de nos encontrarmos num estado de baixa temperatura. Há muitos indícios de que, quando se eleva a temperatura a partir de um determinado nível, as forças fundem-se. Por exemplo, durante muito tempo houve a convicção de que existiam quatro forças fundamentais no universo: a força da gravidade, a força eletromagnética, a força forte e a força fraca. Mas já se descobriu que são, na verdade, três forças, uma vez que a força electromagnética e a força fraca constituem, na realidade, a mesma força, que se designa agora de força electrofraca. Há também quem ache que a força forte constitui uma outra faceta da força eletrofraca. Se assim for, só falta unir essas três forças à força da gravidade para
chegarmos a uma única força. Muitos físicos acreditam que, quando ocorreu o Big Bang, e debaixo das elevadíssimas temperaturas que então existiam, todas as forças estavam unidas numa única superforça, que pode ser descrita numa equação matemática simples." Luís inclinou-se sobre a mesa. "Ora, quando começamos a falar em superforça, que entidade nos vem logo à mente?"
"Deus?"
O físico sorriu.
"Os cientistas estão a descobrir que, à medida que se aumenta a temperatura, a energia une-se e as complexas estruturas subatómicas quebram-se, revelando estruturas simples. Debaixo de um calor muito intenso, as forças simplificam-se e fundem-se, emergindo assim a superforça. Nessas circunstâncias, é possível conceber uma equação matemática fundamental. Trata-se de uma equação capaz de explicar o comportamento e a estrutura de toda a matéria e capaz também de descrever tudo o que acontece." Abriu as mãos, como se tivesse acabado de executar um passe de mágica. "Tal equação seria a fórmula mestra do universo."
"A fórmula mestra?"
"Sim", confirmou Luís Rocha. "Há quem lhe chame a fórmula de Deus."
XXVII
A manhã ia adiantada e, talvez pela vigésima vez em apenas uma hora, Tomás contemplou a folha de papel e imaginou uma nova estratégia para quebrar a charada.
Mas o enigma permanecia firme, teve até a impressão de que aquelas treze letras e aquele ponto de exclamação se riam dos seus esforços.
See sign
!ya ovqo
Meneou a cabeça, imerso no problema. Afigurava-se-lhe evidente que cada uma das linhas remetia para uma cifra diferente e não tinha sequer a certeza de que a primeira fosse mesmo uma cifra. See sign era inglês para veja o sinal. Tratava-se provavelmente de uma indicação dada por Einstein em relação a um qualquer sinal que fizera no manuscrito. O problema é que, como não pudera ler o documento, 201
Tomás não tinha modo de verificar se assim era. Haveria algum sinal misterioso escondido algures no texto original?
O criptanalista abanou a cabeça.
Talvez fosse impossível determinar tal coisa sem aceder ao manuscrito. Por mais voltas que desse ao problema, concluía sempre que precisava mesmo de ler o documento, procurar aí pistas ocultas, cavar o texto em busca do sinal que Einstein mandava ver. See sign. Veja o sinal. Mas qual sinal?
Encostou-se à cadeira da cozinha e pousou o lápis. Com um suspiro resignado, Tomás desistiu nesse instante de perceber esta primeira linha; o fato é que não podia aceder ao manuscrito e tudo o que fizesse para interpretar o teor dessas duas palavras sem ter o documento à frente estaria condenado ao fracasso. Ergueu-se, irrequieto, foi ao frigorífico buscar um sumo de laranja e voltou a sentar-se na mesa da copa. Sentia uma impaciência miudinha a consumir-lhe as entranhas.
Pousou de novo os olhos na folha e concentrou-se na segunda linha. Pelo seu aspecto, esta mensagem fora certamente cifrada por um sistema de substituição.
Parecia-lhe evidente que as letras originais tinham sido substituídas por outras letras, segundo uma ordem predeterminada por uma chave. Se descobrisse a chave, quebraria a cifra. O problema era perceber que chave tinha Einstein usado para cifrar esta linha.
Leu várias vezes as letras da segunda linha, até que, convencido de que se tratava de fato de um sistema de substituição, se pôs a considerar diversas hipóteses.
Poderia estar perante uma substituição monoalfabética, que seria relativamente simples de quebrar. Mas se fosse uma substituição polialfabética, com recurso a dois ou mais alfabetos de cifra, a operação complicar-seia gravemente. Podia também ser uma substituição poligrâmica, segundo um esquema em que grupos de letras são integralmente substituídos por outros grupos. Ou então, pesadelo dos pesadelos, seria uma substituição fraccional, em que o próprio alfabeto de cifra é também ele cifrado.
Pressentia que iria ser muito difícil. A opção mais natural, no entanto, parecia-lhe ser a substituição monoalfabética e foi com esse pressuposto que decidiu avançar. A ser um sistema destes, tinha perfeita consciência de que a chave da substituição não podia ter sido escolhida ao acaso. Seria, por exemplo, um alfabeto de César, um dos mais antigos alfabetos de cifra de que se tinha conhecimento, utilizado por Júlio César nas suas intrigas palacianas e campanhas militares. Bastar-lhe-ia alterar o ponto de início do alfabeto normal e encontraria a solução.
A campainha da entrada tocou nesse instante.
Dona Graça saiu da sala, onde arrumava as coisas, e dirigiu-se apressadamente à porta.
"Isto agora é um corrupio", resmungou entre dentes. Pegou no auscultador.
"Quem é?" Pausa.
"Quem?" Pausa. "Ah, um momento." Olhou para o filho. "É o professor Rocha para ti. Está lá em baixo à tua espera."
"Ah", exclamou Tomás. "Diga-lhe que já desço."
Sentindo-se quase satisfeito por interromper o esgotante trabalho que se arrastava por toda a manhã sem produzir frutos, Tomás dobrou a folha com a charada e foi ao quarto buscar um casaco.
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Estacionaram à sombra de um carvalho. Ao sair do carro, Tomás contemplou a pequena vivenda que se escondia por detrás do muro e dos arbustos, a meio da tranquila Avenida Dias da Silva, a artéria onde residia a maior parte dos professores da universidade. A casa tinha um ar acolhedor, embora fosse notório que lhe faltava mão de jardineiro, a verdura crescera demasiado e invadia as zonas de passagem e até o pátio frente à porta.
"Então é aqui que vivia o professor Siza?", perguntou Tomás, passando os olhos pela fachada da moradia.
"Sim, é aqui."
O historiador mirou o seu colega.
"É duro voltar cá?"
Luís Rocha olhou para a vivenda e respirou fundo.
"Então não é?"
"Desculpe lá ter-lhe pedido este favor", disse Tomás. "Mas parece-me importante que eu veja o local onde tudo aconteceu."
Cruzaram a cancela de entrada e dirigiram-se à porta. O físico tirou uma chave do bolso e inseriu-a na fechadura, rodando-a até a porta se abrir com um estalido. Fez um sinal para Tomás entrar e depois seguiu-o.
Um silêncio quase absoluto acolheu-os dentro da vivenda. O pequeno hall de entrada tinha o piso em tijoleira, com uma porta à esquerda aberta para a sala e outra à direita para a cozinha, de onde vinha o murmúrio suave de um frigorífico ainda ligado.
"Mas isto está tudo com aspecto muito arranjado."