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Ora, perante isso, o governo decidiu apressar as investigações, de modo a tornar a nossa posição... uh... inexpugável."

"Vocês querem desenvolver armas nucleares, é o que é."

"Claro. Quando as tivermos, ninguém se atreverá a atacar-nos, não é? Olhe para o exemplo da Coréia do Norte." Arqueou as sobrancelhas, enfatizando a ideia. "De modo que decidimos avançar. Com a ajuda de uns amigos libaneses, fomos lá a Coimbra, deitamos a mão ao professor Siza, convencemo-lo a mostrar-nos onde se encontrava o manuscrito e, claro, convidamo-lo a vir conosco para Teerã. Foi um diálogo caloroso, mas ele acabou por se deixar convencer quando o seu nariz tomou contacto com uma persuasiva quantidade de clorofórmio." Sorriu, muito satisfeito com a forma como apresentara a situação. "Uma vez em Teerão, pusemo-nos a ler o manuscrito de Einstein e houve umas coisas que... enfim, não pareciam muito claras.

De modo que fizemos umas perguntas ao professor. Primeiro fomos muito gentis, muito polidos, mas ele resolveu armar-se em casmurro e não disse nem uma palavra.

Teimoso como um burro. De modo que tivemos de empregar os grandes meios."

"O que lhe fizeram?"

"Pusemo-lo na Prisão 59."

"Puseram-no na Prisão 59? Sob que acusação?"

Kazemi riu-se.

"Não são precisas acusações para pôr alguém na Prisão 59. Lembre-se de que a Prisão 59 oficialmente não existe e que, para efeitos formais, o professor Siza não estava sequer no Irã."

"Ah, pois."

"De modo que lá o internamos num quarto com serviço de cinco estrelas."

"E então?"

"Fizemos-lhe um interrogatório. Começamos com uma versão suave, mas ele voltou a não colaborar. Dava sempre umas respostas disparatadas, evidentemente concebidas para nos enganar. De modo que tivemos de passar aos grandes meios."

"Os grandes meios?"

"Sim. O problema é que a coisa não correu bem. O professor tinha, aparentemente, um problema cardíaco para o qual não fomos antecipadamente prevenidos."

"O que aconteceu?"

"Ele morreu."

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"Como?"

"Ele morreu no interrogatório. Tínhamo-lo pendurado de cabeça para baixo e estávamos a dar-lhe umas vergastadas quando o corpo se tornou inerte. Pensamos que ele tinha perdido os sentidos e tentamos reanimá-lo, mas ele não voltou a si.

Fomos examiná-lo e descobrimos que estava morto."

"Filhos da puta."

"Foi um bocado chato", comentou Kazemi. "O velho morreu antes de poder revelar qualquer coisa. Isso atrapalhou-nos um bocado a vida, como deve calcular."

"Que coisas esperava que ele revelasse?"

"A interpretação do manuscrito de Einstein, claro. Pois se o manuscrito continha enigmas e o seu proprietário tinha morrido, como poderíamos nós compreender o documento? Ficou montado um grande problema, o que pensa você? Houve cabeças que estiveram para rolar." Passou a mão pelo pescoço, como se a sua fosse uma delas.

"Felizmente que os nossos serviços do VEVAK tinham referenciado previamente todo o círculo de pessoas próximas do professor Siza. Foi assim que percebemos que ele era amigo de um matemático chamado... uh... qualquer coisa Noronha."

Tomás abriu a boca, horrorizado.

"O meu pai."

"Um homem com quem o professor Siza conversava muito, ao que parece."

Kazemi inclinou-se no banco, uma expressão quase conspirativa nos olhos. "O que nós precisávamos de saber era se, durante essas muitas conversas de amigos, o defunto físico revelara algum dos segredos do manuscrito de Einstein ao distinto matemático. Está a perceber? Portanto, bastava-nos fazer umas perguntinhas ao matemático." Encolheu os ombros. "O problema é que o matemático, viemos nós a perceber, estava gravemente doente. Nem pensar em repetir o número que já tínhamos montado com o professor Siza. A coisa acabaria outra vez mal e atrairíamos atenções indesejadas. Mas

precisávamos de ter a resposta ao nosso problema, não é? O que fazer?" Fez uma pausa, para efeitos dramáticos. "Foi então que descobrimos que esse matemático tinha um filho que era criptanalista. A coisa encaixava na perfeição. Trazíamos cá o filho e ele ajudar-nos-ia a decifrar os enigmas do manuscrito. Se não conseguisse, era provável que, descobrindo a proximidade entre o pai e o professor Siza, lhe fizesse algumas perguntas. Parecia perfeito."

"Estou a ver."

"As coisas correram inicialmente bem. Você foi a Teerã, viu as cifras e começou a trabalhar nelas. A doutora Pakravan fez-nos relatórios muito elogiosos, comunicando-nos até um grande sucesso no que diz respeito ao primeiro enigma, o do poema.

Estávamos todos muito satisfeitos. O problema foi o assalto ao Ministério da Ciência.

As coisas descambaram aí. Quando fomos informados de que você tinha sido detido naquelas circunstâncias, percebemos nesse instante que a CIA estava metida ao barulho. E isso, como deve calcular, complicava grandemente a situação."

"Pois claro", ironizou Tomás. "Deve-vos ter estragado a noite toda."

"Nem imagina", confirmou Kazemi. "Foi uma chatice. Pensamos primeiro em arrancar-lhe a informação à força, mas depressa se tornou evidente que você não sabia tudo. Com muita propriedade, ali a doutora Pakravan chamou-nos a atenção para o fato de que você nem sequer tivera ainda tempo de questionar o seu pai. Ora, 224

tínhamos de criar essa oportunidade, não é? Tínhamos de deixá-lo falar com o seu pai e depois seguir-lhe os passos, ver até onde nos conduziria."

"Mas vocês acreditam mesmo que o meu pai sabe de alguma coisa?"

O coronel encolheu os ombros.

"É uma possibilidade."

"E que coisa ele saberá?"

"Saberá, por exemplo, onde está guardado o segundo manuscrito."

"Qual segundo manuscrito?"

"Ora. A segunda parte de Die Gottesformel."

"Qual segunda parte de Die Gottesformel? Mas do que raio está você a falar?"

Kazemi suspirou, quase como se estivesse a dirigir-se a uma criança.

"Existe uma segunda parte do manuscrito. O documento que levamos para Teerã encontra-se incompleto. Onde está a segunda parte? Foi isso o que perguntámos ao professor Siza. Onde está a segunda parte? Ele não nos respondeu."

"Mas como é que vocês sabem que há uma segunda parte?"

"Por causa da cifra."

"Qual cifra?"

"A cifra assinalada no manuscrito." Ajeitou-se no banco. "Eu sei que você não pôde ler Die Gottesformel, mas eu vou-lhe explicar. A determinado ponto do texto, já bem perto do final, Einstein escreve que descobriu a fórmula que provocará a grande explosão e que essa fórmula se encontra registada noutro sítio. Depois acrescenta see sign e a cifra. Acreditamos que essa é a chave para a descoberta da segunda parte do manuscrito."

"Mas onde está essa segunda parte?"

Kazemi suspirou, uma ponta de nervosismo na sua postura agressiva.

"Não sei", exclamou. "Diga-me você."

"Eu? Mas o que quer que eu lhe diga? Eu não faço a mínima idéia sobre o paradeiro dessa... dessa segunda parte. Aliás, só agora estou a saber que existe uma segunda parte do manuscrito."

"Não se faça de parvo", rosnou o iraniano. "Não é isso o que eu quero saber."

"Então é o quê?"

"Eu quero saber o que lhe revelou o seu pai."

“O meu pai? O meu pai não me revelou nada."

"Está a querer convencer-me de que não falou com ele?"

"Claro que falei", disse Tomás. "Mas não sobre o manuscrito de Einstein."

"E sobre as investigações do professor Siza?"

"Também não. Nunca me passou pela cabeça que ele pudesse saber alguma coisa de relevante para o caso."