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"Então para onde vamos?"

Ariana carregou no travão com força e o jipe guinchou até parar na berma da estrada, próximo de um posto de combustíveis da PetroChina. A condutora manteve as luzes ligadas e puxou o travão de mão antes de olhar para o seu passageiro.

"Diga-me você, Tomás."

"Como assim, digo-lhe eu? Você é que planeou esta fuga, não fui eu."

A iraniana suspirou.

"Tomás, esta fuga não nos levará a nada se não formos consequentes."

"O que quer você dizer com isso?"

"O que eu quero dizer é que não nos basta fugir. Para onde quer que fujamos, eles vão-nos encontrar. Hoje, amanhã, na próxima semana, daqui a um mês ou dentro de um ano, não interessa. Eles vão-nos apanhar, percebe?"

"E então? O que sugere?"

"Sugiro que lhes provemos que não têm motivos para nos perseguirem."

"E como é que lhes poderemos provar isso?"

"Você ontem deu-me uma ideia", disse ela, os olhos de caramelo a brilharem na escuridão.

"Lembra-se de ter dito que o manuscrito de Einstein não tem nada a ver com armas nucleares?"

"Sim."

"Isso é mesmo verdade?"

"Estou convencido que sim, mas você é que leu o manuscrito, não é? O que diz ele?"

Ariana abanou a cabeça e fez uma careta.

"É um texto muito estranho, sabe? Nunca percebemos bem o que quer aquilo dizer. Mas Einstein é inequívoco na referência que faz ao modo de se provocar a grande explosão. Ele escreveu see sign e depois cifrou a fórmula com seis letras divididas em dois blocos, mais um ponto de exclamação logo à cabeça. São tão poucas letras que até já as memorizei todas, veja lá." Concentrou-se. "!Ya ovqo", recitou. "Ora, não me parece que uma fórmula tão importante possa ser assim tão pequena, pois não? Daí que acreditemos que se trate de uma cifra com a chave de acesso a uma segunda parte do manuscrito."

"Hmm... estou a ver."

"Mesmo assim", insistiu Ariana, "você acha que não se trata da fórmula para uma bomba atômica?"

"Ouça, não tenho a certeza", disse ele, prudente. "Mas parece-me que não."

"Então só temos uma coisa a fazer."

"O quê?"

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"Temos de provar isso."

"Hã?"

"Temos de lhes provar que o manuscrito não esconde o segredo de uma bomba atômica de fabrico simples. É disso que eles estão à procura, não é? Se lhes provarmos que essa é uma busca sem futuro, eles deixam-nos em paz."

"Estou a perceber."

Fez-se um silêncio pensativo no jipe.

"Então?", perguntou Ariana.

Tomás suspirou.

"Então vamos a isso."

"É possível provar tal coisa?"

"Não sei. Mas é possível tentar."

"Muito bem", assentiu ela. "Então o que fazemos?"

"Partimos."

"Partimos para onde?"

Tomás abriu o guarda-luvas do jipe e localizou um mapa do Tibete. Abriu o mapa, estudou-o durante alguns segundos e pousou o dedo sobre um ponto uns duzentos quilômetros a oeste de Lhasa.

"Shigatse."

O sol nasceu lá para trás. Era primeiro um clarão que azulou o céu estrelado e logo a luz irrompeu para lá do horizonte serrado, cristalina, anunciando a aurora.

A manhã revelou uma paisagem bela, de tirar o fôlego, mas previsível; montanhas áridas e escarpadas, com os picos cobertos de neve, rodeavam a estrada, por vezes abrindo-se em vales verdejantes, pitorescos, de uma serenidade contagiante. Viam-se rebanhos de ovelhas a pastar, aqui e ali um nômade a passar, um iaque a carregar mantimentos ou uma tenda pregada ao solo, um trator e uma carroça arrastando-se ao passo lento da vida no campo; embora, no essencial, a natureza respirasse ainda livre, selvagem, pulsando ao ritmo milenar em que vivia aquele espantoso e vasto planalto recolhido do mundo.

Tomás sentia-se cansado, mas demasiado nervoso e excitado para poder repousar. Alimentava uma ressentida desconfiança em relação a Ariana e, após um longo silêncio, decidiu que não podia prosseguir sem esclarecer as suas dúvidas.

"O que me garante que você não está a fazer jogo duplo?"

Ariana, até então fixa na estrada, arqueou os belos olhos de mel.

"Hã?"

"Como posso ter a certeza de que você não me está a enganar outra vez? Afinal de contas, montou um belo teatrinho lá em Teerã..."

A iraniana abrandou e fitou-o nos olhos.

"Você acha que o estou a enganar, Tomás?"

"Bem... enfim... já me enganou uma vez, não é? O que me garante que não me está a enganar segunda vez? O que me garante que tudo isto não é mais uma 230

encenação montada em conluio ali com o... com o coronel Drácula, ou lá como ele se chama?"

Ariana voltou a fixar a sua atenção na estrada.

"Compreendo que alimente essa suspeita", disse. "É perfeitamente natural, em função do que aconteceu. Mas pode ter a certeza de que, agora, não há encenação nenhuma."

"Como posso ter essa certeza?"

"As coisas são diferentes."

"Diferentes em quê?"

"Em Teerã eu fiz tudo para o proteger. A encenação foi parte do processo para o proteger."

"Como assim? Não estou a entender..."

"Ouça, Tomás", disse ela, cerrando os dentes. "O que acha que lhe ia acontecer depois de ter sido apanhado no Ministério da Ciência a meio da noite com um manuscrito secreto na mão e um maluco ao seu lado aos tiros?"

"Ia passar um mau bocado, acho eu. Aliás, passei um mau bocado."

"Claro que ia passar um mau bocado. A Prisão 59 é muito pior do que Evin, ou tem dúvidas?"

"Pois, está bem. Ia passar um bocado ainda pior."

"Ainda bem que já percebeu isso. E tem alguma ilusão quanto à inevitabilidade de confessar tudo?"

"Uh... por acaso tenho."

"Não diga disparates", exclamou ela. "Claro que ia confessar tudo. Poderia levar algum tempo, entre umas semanas e uns meses, mas acabaria por confessar tudo.

Todos confessam."

"Pronto, está bem."

“E depois de confessar? O que lhe aconteceria?"

"Sei lá. Ia passar muito tempo na prisão, acho eu."

Ariana abanou a cabeça.

"Iria morrer, Tomás." Mirou-o fugazmente. "Percebe isso? Quando deixasse de ter utilidade, eles matá-lo-iam."

"Você acha?"

A iraniana voltou a observar a estrada.

"Eu não acho", disse. "Eu sei." Mordeu o lábio inferior. "Fiquei desesperada quando me apercebi disso. Foi então que tive aquela idéia. Por que não libertarem-no e depois seguirem-no para ver até onde as investigações o conduziriam? Afinal de contas, disse-lhes eu, talvez o seu pai soubesse mesmo alguma coisa que permitisse desvendar o mistério. Por que não deixarem-no voltar para o seu pai e manterem-no sob apertada e discreta vigilância? Não seria isso mais produtivo do que aquilo que planeavam fazer?" Sorriu sem humor. "A minha ideia, nascida do desespero em lhe salvar a vida, foi considerada muito interessante. Os falcões do regime, que antes exigiam a sua cabeça, começaram a reconsiderar. Afinal de contas, disse-lhes eu, a prioridade era desenvolver em segredo uma arma nuclear de fabrico fácil, uma daquelas armas que nem a Agência Internacional de Energia Atômica nem os satélites 231

espiões americanos alguma vez lograssem localizar. Era esse o objetivo do exercício, não era? Então se era, e se a sua libertação servisse esse objectivo, por que não libertá-lo?" Voltou a mirar Tomás por uns instantes. "Está a perceber? Foi assim que os convenci a deixarem-no fugir. Depois, foi só uma questão de montar o teatrinho."