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"Que tal a Universidade de Colúmbia?"

"Estive lá pouco tempo. Apenas uns seis meses."

"Tão pouco?"

"Sim. Um dos meus professores tinha estado envolvido no Projeto Manhattan, o programa militar que juntara os maiores físicos do Ocidente para fabricar a primeira bomba atômica. Aliás, o projeto chamava-se Manhattan justamente porque começou a ser desenvolvido na Universidade de Colúmbia, em Manhattan."

"Não sabia."

"Pois o meu professor, como catedrático de Física em Colúmbia, esteve empenhado nesse programa. Quando me conheceu ficou de tal modo impressionado com as minhas capacidades que resolveu recomendar-me ao seu mentor, um homem muito famoso."

"Quem?", perguntou Tomás.

"Albert Einstein", disse Tenzing muito devagar, sabendo que ninguém permanecia indiferente a este nome. "Einstein trabalhava então no Institute for Advanced Study, em Princeton, e era um

grande admirador de alguns aspectos da cultura oriental, como o confuncionismo. Estávamos em 1950 e, nessa altura, decorriam acontecimentos muito graves no Tibete. Pequim anunciou logo em Janeiro que iria libertar o nosso país e, ato contínuo, as forças chinesas invadiram toda a região do Kham, atingindo o rio Iangtzé. Era o princípio do fim da nossa independência. Simpatizando com a causa tibetana, Einstein acolheu-me de braços abertos. Eu era muito novo, claro, tinha apenas vinte anos, e o meu novo mestre resolveu pôr-me a trabalhar com um outro estagiário, um rapaz um ano mais velho do que eu." O bodhisattva arqueou as sobrancelhas brancas. "Presumo que calcule de quem se tratava."

"O professor Siza."

"Na altura não era ainda professor. Era apenas o Augusto. Simpatizamos logo e, como eu conhecia a história dos primeiros exploradores europeus do Tibete serem os jesuítas portugueses, logo alcunhei o meu novo amigo de o Jesuita. Riu-se com gosto, quase como uma criança. "Ah, havia de ver a cara que ele fazia! Até espumava!

Contra-atacou e chamou-me monge careca, mas isso para mim não era problema, pois eu fui mesmo um monge em Rongbuk, não é?"

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"E o que faziam os dois?"

"Oh, muita coisa." Voltou a rir-se. "Mas a maior parte eram disparates e tropelias.

Olhe, uma vez pintamos um bigodinho à Hitler no retrato do Mahatma Gandhi que Einstein tinha no primeiro andar da sua casa, em Mercer Street. Ui! O velho ficou furioso, até os cabelos se lhe puseram de pé! Vocês haviam de ver..."

"Mas vocês os dois não trabalhavam?"

"Claro que trabalhávamos. Einstein estava nessa altura envolvido num trabalho muito complicado e ambicioso. Ele queria desenvolver a Teoria de Tudo, uma teoria que reduzisse a uma única fórmula a explicação da força da gravidade e da força eletromagnética. Era uma espécie de grande teoria do universo."

"Sim, já sei", disse Tomás. "Einstein dedicou os seus últimos anos de vida a esse projeto."

"E arrastou-nos nesse trabalho. Pôs-me a mim e ao Augusto a testar formulações diferentes. Andamos um ano nisso, até que, em 1951, Einstein chamou-nos ao seu gabinete e tirou-nos do projeto."

"Ah, sim? Porquê?"

"Ele tinha uma outra coisa para nos dar. Uma ou duas semanas antes, não sei exatamente quando, Einstein tinha recebido em sua casa uma importante visita. Era o primeiro-ministro de Israel. Durante a conversa, o primeiro-ministro fez-lhe um desafio de grande importância. De início, Einstein mostrou-se relutante em corresponder a esse desafio, mas, ao fim de alguns dias, foi ganhando entusiasmo e decidiu envolver-nos no trabalho. Tirou-nos do projeto da Teoria de Tudo e colocou-nos no novo projecto, uma coisa muito usb-ush, muito confidencial, muito secreta."

Tomás e Ariana inclinaram-se para a frente, ansiosos por saberem do que se tratava.

"Que... que projeto era esse?"

"Einstein deu-lhe um nome de código", revelou Tenzing. "Chamou-lhe A Fórmula de Deus.'"

Fez-se um silêncio profundo na pequena sala.

"E em que consistia esse projecto?", perguntou Ariana, falando pela primeira vez.

O bodhisattva remexeu-se na almofada, colocou a mão na região lombar, contorceu-se e esboçou um esgar de dor. Olhou em redor do compartimento escurecido, apenas iluminado pelas velas de manteiga de iaque e pela chama amarela do fogão, e respirou fundo.

"Não estão cansados de estar aqui fechados?"

Os dois visitantes iam sofrendo um ataque de nervos. Ansiavam pela resposta, desesperavam pelo desvendar do mistério, sufocavam com a angústia da espera pela revelação; tinham atingido o ponto mais importante da busca, diante de si sentava-se o homem que aparentemente dispunha de todas as respostas, a conversa chegara ao momento-chave, ao instante crucial. E o que fazia Tenzing? Queixava-se de estar há muito tempo fechado naquele quarto.

"Em que consistia o projeto?", insistiu Ariana, exasperada e impaciente.

O bodhisattva esboçou um gesto sereno.

"A montanha é a montanha e o caminho o mesmo de sempre", entoou, pousando a palma da mão no peito. "O que realmente mudou foi o meu coração."

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Fez-se um silêncio confuso.

"O que quer isso dizer?"

"Este quarto escuro é o mesmo quarto escuro e a verdade a mesma de sempre.

Mas o meu coração cansou-se de aqui estar." Fez um movimento majestoso na direção da porta. "Vamos lá para fora."

"Para onde?"

"Para a luz", disse Tenzing. "Iluminar-vos-ei o caminho num caminho iluminado."

XXXIII

Abandonaram a salinha escura à entrada do templo de Maitreya, no alto do mosteiro de Tashilhunpo, desceram as escadas de pedra escura e viraram à esquerda; Tomás pegava no bodhisattva pelo braço, ajudando-o a caminhar, enquanto Ariana os seguia com as três almofadas apertadas no peito. Percorreram o estreito corredor do sector das capelas e entraram na primeira porta, desembocando num discreto pátio arborizado, à sombra do grande palácio do Panchen Lama.

Vários monges cumprimentaram Tenzing com reverência e o velho parou para lhes responder com um gesto. Depois retomou a marcha, fez sinal em direcção a uma árvore plantada num canteiro e encaminharam-se para lá.

"Yun Men disse", recitou o bodbisattva quando se aproximava do local, fazendo um esforço para se concentrar nos seus passos de ancião. "Ao caminhar, caminha apenas. Ao sentares-te, senta-te apenas. Acima de tudo, não vaciles."

Ariana depositou a grande almofada ao lado do tronco, num local escolhido pelo seu anfitrião, e Tomás ajudou-o a sentar-se. Olharam em redor e verificaram que o sítio tinha sido bem selecionado. Encontrava-se à sombra, mas as folhas deixavam passar muito sol, o que fazia com que aquele local não fosse demasiado frio nem demasiado quente, estava no ponto certo.

O tibetano fez um gesto na direção dos dois visitantes, que o observavam de pé.

"O Buda disse: senta-te, descansa, trabalha", declamou de novo. "Só contigo mesmo. Na orla da floresta vive feliz, sem desejo."

Os dois perceberam o convite. Ajeitaram as almofadas no chão, diante do bodhisattva, e sentaram-se.

Fez-se silêncio.

Escutavam-se, ao longe, os cânticos dos monges na recitação em coro dos mantras, os textos sagrados, o gutural om sempre presente; era aquele o som criador, a sílaba sagrada que precedeu o universo, a vibração cósmica que tudo criou e que tudo une. Pequenos pássaros estridulavam amorosamente pelos ramos, irrequietos e despreocupados, alheios ao timbre primordial que ecoava pelo mosteiro como um murmúrio de fundo, parecia o rumorejar plácido do mar ao abraçar a praia. Tudo ali era aprazível, sereno, eterno, um lugar perfeito para a contemplação; o pátio tranquilo convidava à meditação e à ascensão do espírito na incessante busca pela essência da verdade.