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"O senhor mencionou há pouco o projecto de A Fórmula de Deus", começou Tomás. "Será que me pode explicar o que era isso?"

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"O que querem que eu explique?"

"Bem... tudo."

Tenzing abanou a cabeça.

"Os chineses têm um provérbio", disse. "Os professores abrem a porta, mas tens de entrar sozinho."

Tomás e Ariana entreolharam-se.

"Então abra-nos a porta."

O velho tibetano respirou fundo.

"Quando comecei a estudar física e matemática, em Darjeeling, achava tudo aquilo divertido porque me parecia um grande e belo jogo. Até que, quando cheguei a Colúmbia, tive um professor que me levou mais longe. Levou-me tão longe que o estudo deixou de ser um jogo para se transformar numa grande descoberta."

"O que descobriu?"

"Descobri que a ciência ocidental se aproximava estranhamente do pensamento oriental."

"O que quer dizer com isso?"

Tenzing fitou Tomás e depois Ariana.

"O que sabem vocês sobre as experiências místicas do Oriente?"

"O meu conhecimento limita-se ao Islã", disse a iraniana.

"Eu conheço o judaísmo e o cristianismo", indicou Tomás. "E aprendi agora umas coisas sobre budismo. Gostaria de saber mais, claro, mas nunca tive um mestre que me ensinasse."

O bodhisattva suspirou.

"Nós, os budistas, temos um provérbio", proclamou. "Quando o estudante está preparado, o mestre aparece." Deixou o pipilar insistente de um pássaro encher o pátio de musicalidade. "Para que possam entender a essência do derradeiro projeto de Einstein, é preciso que vocês percebam duas ou três coisas sobre o pensamento oriental." Pousou a palma da mão no tronco da árvore e deixou-a aí ficar por um momento. Depois retirou-a e encaixou-a na outra, ambas entrelaçadas agora no regaço numa pose contemplativa. "O budismo tem as suas origens remotas no hinduísmo, cuja filosofia assenta numa colecção de velhas escrituras anônimas redigidas em sânscrito antigo, os Vedas, os textos sagrados dos Arianos. A última parte dos Vedas chama-se Upanisbads. A idéia básica por detrás do hinduísmo é que a variedade de coisas e acontecimentos que vemos e sentimos à nossa volta não passa de diferentes manifestações da mesma realidade. A realidade chama-se Brahman e está para o hinduísmo como a Dharmakaya está para o budismo. Brahman significa crescimento e é a realidade em si, a essência interior de todas as coisas. Nós somos Brahman, embora possamos não o perceber devido ao poder mágico criativo de maya, que cria a ilusão da diversidade. Mas a diversidade, sublinho, não passa de uma ilusão. Só há um real e o real é Brahman."

"Desculpe, mas não estou a entender", interrompeu Tomás. "Sempre tive a idéia de que o hinduísmo estava cheio de deuses diferentes."

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"Isso é parcialmente verdade. Os hindus têm muitos deuses, de facto, mas as sagradas escrituras tornam claro que todos esses deuses não passam de reflexos de um único deus, de uma única realidade. É como se Deus tivesse mil nomes e cada nome fosse de um deus, mas todos eles remetessem para o mesmo, diferentes nomes e diferentes rostos para uma única essência." Abriu os braços e uniu-os. "Brahman é todos e um. É ele o real e o único que é real."

"Entendi."

"A mitologia hindu assenta na história da criação do mundo através da dança de Shiva, o Senhor da Dança. Conta a lenda que a matéria se encontrava inerte até que, na noite do Brahman, Shiva iniciou a sua dança num anel de fogo. Nesse instante também a matéria começou a pulsar ao ritmo de Shiva, cujo bailar transformou a vida num grande processo cíclico de criação e destruição, de nascimento e morte. A dança de Shiva é o símbolo da unidade e da existência e é através dela que decorrem os cinco actos da divindade: a criação do universo, a sua sustentação no espaço, a sua dissolução, a ocultação da natureza da divindade e a concessão do verdadeiro conhecimento. Dizem as sagradas escrituras que, primeiro, a dança provocou uma expansão, em que se criou o material de construção da matéria e das energias. O

primeiro estágio do universo foi preenchido por espaço, para onde tudo se expandiu com a energia de Shiva. Prevêem os textos sagrados que a expansão irá acelerar-se, tudo se misturará e, no fim, Shiva executará a terrível dança da destruição." O

bodhisat-tva inclinou a cabeça. "Não lhe parece tudo isto familiar?"

"Incrível", murmurou Tomás. "O Big Bang e a expansão do universo. A equivalência entre massa e energia. O Big Crunch."

"Notável, sim", concordou o tibetano. "O universo existe devido à dança de Shiva e também ao auto-sacrifício do ser supremo."

"Auto-sacrifício? Como no cristianismo?"

"Não", disse Tenzing, abanando a cabeça. "A expressão sacrifício é usada aqui no seu termo original, no sentido de fazer com que algo se torne sagrado, e não no sentido de sofrimento. A história hindu da criação do mundo é a do ato divino de criar o sagrado, um acto pelo qual Deus se torna no mundo, o qual se torna Deus. O

universo é um gigantesco palco de uma peça divina, na qual Brabman desempenha o papel do grande mágico que se transforma no mundo através do poder criativo da maya e da acção do karma. O karma é a força da criação, é o princípio ativo da peça divina, é o universo em acção. A essência do hinduísmo radica na nossa libertação em relação às ilusões da maya e à força do karma, levando-nos a perceber, através da meditação e do ioga, que todos os diferentes fenômenos captados pelos nossos sentidos fazem parte da mesma realidade, que tudo é Brabman." O bodhisattva pousou a mão no peito. "Tudo é Brabman", repetiu. "Tudo. Incluindo nós próprios."

"Não é isso o que defende também o budismo?"

"Exatamente", assentiu o velho tibetano. "Em vez de Brabman, preferimos usar a palavra Dharmakaya para descrever essa realidade una, essa essência que se encontra nos diferentes objetos e fenômenos do universo. Tudo é Dharmakaya, tudo está relacionado por fios invisíveis, as coisas não passam de diferentes rostos da mesma realidade. Mas esta não é uma realidade imutável, é antes uma realidade marcada pela samsara, o conceito de que as coisas são impermanentes, de que tudo muda sem cessar, de que o movimento e a transformação são inerentes à natureza."

"Mas, então, qual é a diferença entre hinduísmo e budismo?"

"Há diferenças na forma, há diferenças nos métodos, há diferenças nas histórias.

Buda aceitava os deuses hindus, mas não lhes atribuía grande importância. Há 246

imensas diferenças entre as duas religiões, embora a essência seja a mesma. O real é uno, apesar de parecer múltiplo. As coisas diferentes não passam de diferentes máscaras da mesma coisa, essa realidade última que é também impermanente. Ambos os pensamentos ensinam a ver para além das máscaras, ensinam a perceber que a diferença esconde a unidade, ensinam a caminhar para a revelação do uno. Mas recorrem a métodos diversos para chegar ao mesmo objetivo. Os hindus atingem a iluminação através do vedanta e do ioga, os budistas através do óctuplo caminho sagrado do Buda."

"Portanto, a essência do pensamento oriental radica na noção de que o real, embora assuma diferentes formas, é, na sua essência, a mesma coisa."

"Sim", disse Tenzing. "Apesar de as idéias fundamentais estarem já incorporadas no hinduísmo e no budismo, os taoístas vieram depois sublinhar alguns elementos essenciais já existentes no pensamento dominante."