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"Ah, sim? O quê?"

O tibetano aspirou o ar puro que deslizava num sopro pelo pátio.

"Alguma vez leu o Tao Te Ching?"

"Uh... não."

"É o texto fundamental do Tao."

"E o que é o Tao?"

"Disse Chuang Tzu: se alguém perguntar o que é o Tao e outro responder, nenhum dos dois sabe o que é o Tao."

Tomás riu-se.

"Bem, então já vi que não nos pode explicar o que é o Tao..."

"O Tao é outro nome para Brahman e para Dharmakaya", enunciou o tibetano. "O

Tao é o real, é a essência do universo, é o uno do qual deriva o múltiplo. O caminho taoísta foi enunciado por Lao Tzu, que resumiu o pensamento num conceito essencial."

"Qual?"

"O Tao Te Ching começa com palavras reveladoras", disse Tenzing. "O Tao que pode ser dito não é o verdadeiro Tao. O Nome que pode ser nomeado não é o verdadeiro Nome."

O budista deixou as palavras ressoarem pelo pátio como folhas largadas à aragem do vento.

"O que quer isso dizer?"

"O Tao sublinhou o papel do movimento na definição da essência das coisas. O

universo balança entre o yin e o yang, as duas faces que pautam o ritmo dos padrões cíclicos do movimento e através das quais o Tao se manifesta. A vida, disse Chuang Tzu, é a harmonia do yin e do yang. Tal como o ioga é o caminho hindu para a iluminação de que tudo é Brabman, tal como o óctuplo caminho sagrado do Buda é o caminho budista para a iluminação de que tudo é Dharmakaya, o taoísmo é o caminho taoísta para a iluminação de que tudo é Tao. O taoísmo é um método que usa a contradição, os paradoxos e a sutileza para chegar ao Tao." Ergueu a mão.

"Disse Lao Tzu: para contrair uma coisa, é preciso expandi-la." Inclinou a cabeça. "É

essa a sabedoria subtil. Através da relação dinâmica entre o yin e o yang, os taoístas explicam as mudanças da natureza. O yin e o yang são dois pólos antagônicos, dois extremos ligados um ao outro por um cordão invisível, duas diferentes faces do Tao, a 247

unidade de todos os opostos. O real está em permanente mudança, mas as mudanças são cíclicas, ora tendem para o yin, ora voltam para o yang." Ergueu de novo a mão.

"Mas, atenção, os extremos são ilusões do uno e tanto assim é que o Buda falou em não dualidade. O Buda disse: luz e sombra, longo e curto, preto e branco só podem ser conhecidos um em relação

ao outro. A luz não é independente da sombra nem o negro do branco. Não há opostos, apenas relações."

"Não percebo", disse Tomás. "Quais são então as principais novidades do taoísmo?"

"O taoísmo não é bem uma religião, mas um sistema filosófico nascido na China.

Algumas das suas ideias essenciais, porém, coincidem com o budismo, como a noção de que o Tao é dinâmico e de que o Tao é inacessível."

"Inacessível, em que sentido?"

"Lembre-se de Lao Tzu: o Tao que pode ser dito não é o verdadeiro Tao. Lembre-se de Chuang Tzu: se alguém perguntar o que é o Tao e outro responder, nenhum dos dois sabe o que é o Tao. O Tao está para além do nosso entendimento. É inexprimível."

"Engraçado", sorriu Tomás. "É justamente o que diz a Cabala judaica. Deus é inexprimível."

"O real é inexprimível", proclamou Tenzing. "Já os Upanishads dos hindus se referiam à intangibilidade da realidade última em termos inequívocos: lá onde o olho não chega, a palavra não chega, a mente não chega, não sabemos, não compreendemos, não podemos ensinar. O próprio Buda, questionado por um discípulo que lhe pediu para definir a iluminação, respondeu com silêncio e limitou-se a levantar uma flor. O que Buda queria expressar com este gesto, que ficou conhecido por Sermão das Flores, é que as palavras só servem para objetos e ideias que nos são familiares. O Buda disse: um nome é imposto no que se pensa ser uma coisa ou um estado e isso separa-o de outras coisas e outros estados, mas, quando se vai ver o que está por detrás do nome, encontra-se uma maior e maior subtileza que não tem divisões." Suspirou. "A iluminação da realidade última, da Dharmakaya, está para além das palavras e das definições. Chamemos-lhe Brahman, Dharmakaya, Tao ou Deus, essa verdade mantém-se imutável. Podemos sentir o real numa epifania, podemos quebrar as ilusões de maya e o ciclo do karma de modo a atingirmos a iluminação e chegarmos ao real." Fez um gesto lento com a mão. "Porém, façamos o que fizermos, digamos o que dissermos, nunca o poderemos descrever. O real é inexprimível. Está para lá das palavras."

Tomás remexeu-se na almofada e olhou para Ariana, que permanecia calada.

"Desculpe, mestre", disse ele, uma ponta de impaciência a colorir-lhe o tom da voz. "Tudo isto é fascinante, sem dúvida, mas não responde às nossas dúvidas."

"Não responde deveras?"

"Não", insistiu Tomás. "Gostaria que nos explicasse em pormenor o projeto em que Einstein o envolveu."

O bodhisattva suspirou.

"Fez Yang disse: quando te sentes iludido e cheio de dúvidas, nem mil livros bastarão. Quando tiveres alcançado o entendimento, uma palavra já é de mais." Olhou para Tomás. "Entende?"

"Uh... mais ou menos."

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"Essas suas palavras hesitantes parecem gotas de chuva, o que me lembra um ditado Zen", insistiu Tenzing. "As gotas de chuva batem na folha de basbo, mas não são lágrimas de pesar, é apenas a angústia de quem as escuta."

"Acha que estou angustiado?"

"Acho que você não me está a ouvir, português. Escuta-me, é verdade, mas não me ouve.

Quando ouvir, entenderá. Quando entender, uma palavra já será de mais.

Enquanto não o fizer, contudo, nem mil livros lhe bastarão."

"Está-me a dizer que tudo isto tem relação com o projeto de Einstein?"

"Estou-lhe a dizer o que lhe estou a dizer", disse o tibetano, a voz muito tranquila, apontando-lhe o dedo como se o interpelasse. "Lembre-se do provérbio chinês: os professores abrem a porta, mas tens de entrar sozinho."

"Muito bem", assentiu Tomás. "Já sei que me abriu a porta. É este o momento de eu entrar?"

"Não", murmurou Tenzing. "É este o momento de me escutar. Disse Lao Tzu: age sem fazer, trabalha sem esforço."

"Sim, mestre."

O bodhisattva cerrou as pálpebras por instantes. Parecia ter mergulhado na meditação, mas logo reabriu os olhos.

"Tudo isto que vos contei tinha eu já relatado em Princeton a Einstein, que se mostrou muito interessado na visão oriental do universo. O principal motivo desse interesse radicava na proximidade existente entre o nosso pensamento e pormenores cruciais das novas descobertas nos campos da física e da matemática, algo que eu tinha constatado na Universidade de Colúmbia e que fiz questão de explicar ao meu novo mentor."

"Desculpe, não estou a perceber", interrompeu Ariana, a sua mente de cientista reagindo com surpresa. "Proximidades entre o pensamento oriental e a física? Do que está o senhor a falar concretamente?"

Tenzing riu-se.

"A menina está a reagir exatamente como Einstein reagiu de início, quando eu lhe falei nisso."

"Desculpe, mas parece-me uma reacção natural para qualquer cientista", disse a iraniana. "Misturar ciência com misticismo é... enfim... é uma coisa um pouco estranha, não lhe parece?"

"Não, se ambos disserem a mesma coisa", replicou o tibetano. "Revelam os Upanishads: tal como o corpo humano, assim é o corpo cósmico. Tal como a mente humana, assim é a mente cósmica. Tal como o microcosmos, assim é o macrocosmos.