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"Naturalmente que a grande dificuldade começava logo no Gênesis. Os primeiros versos da Bíblia estabelecem, para lá de qualquer dúvida, que o universo foi criado em 262

seis dias. Seis dias apenas. Ora, do ponto de vista científico isto era um absurdo.

Claro que se poderia dizer que o texto é todo ele metafórico, que Deus queria dizer seis fases, que isto ou que aquilo, mas Einstein acreditava que isso seria falsear a questão, não passaria de um truque para fazer com que a Bíblia tivesse razão a qualquer preço.

Como cientista que era, não podia aceitar tal método. Mas o problema mantinha-se. A Bíblia dizia que o universo foi criado em seis dias. Isso não passava de uma evidente falsidade." Fez uma pausa. "Ou não seria?" Os olhos do velho budista saltitaram entre os dois visitantes. "O que acham vocês?"

Ariana remexeu-se sobre a almofada.

"Sendo muçulmana, eu não gostaria de contrariar o Antigo Testamento, que o Islão reconhece como sendo verdadeiro. Sendo cientista, eu não gostaria de o confirmar, uma vez que a criação do universo em seis dias constitui uma evidente impossibilidade."

O bodhisattva sorriu.

"Compreendo a sua posição", disse. "Repare que Einstein, sendo judeu, não era um homem religioso. Ele acreditava que algo transcendente poderia estar por detrás do universo, mas esse algo não seria certamente o Deus que mandou Abraão matar o seu filho para ter a certeza de que o patriarca Lhe era fiel. Einstein acreditava numa harmonia transcendente, não num poder mesquinho. Acreditava numa presença inteligente, não numa entidade bondosa. Acreditava numa força universal, não numa divindade antropomórfica. Mas seria possível encontrá-la na Bíblia? Quanto mais analisava as sagradas escrituras hebraicas, mais se convencia de que a resposta se escondia algures no Gênesis, e em particular na questão dos seis dias da Criação.

Seria possível tudo criar em apenas seis dias?"

"O que entende pela palavra tudo?", perguntou Ariana. "Os cálculos relativos ao Big Bang prevêem que toda a matéria foi criada nas primeiras fracções de segundo.

Antes do primeiro segundo ficar completo já o universo se tinha expandido um bilião de quilômetros e a superforça se tinha fragmentado em força da gravidade, força forte e força eletrofraca."

"Por tudo entende-se, aqui, a luz, as estrelas, a Terra, as plantas, os animais e o homem. Diz a Bíblia que o homem foi criado ao sexto dia."

"Ah, isso não é possível."

"Foi o que Einstein pensou. Não era possível a criação de tudo em apenas seis dias. Mas, apesar desta óbvia conclusão preliminar, reuniu-se connosco e pediu-nos para limparmos a mente e partirmos do princípio de que aquilo era possível. Como resolver o problema? Ora bem, colocada assim a questão tornou-se para todos evidente que o nó górdio se encontrava na definição dos seis dias. O que eram seis dias? A pergunta abriu uma pista a Einstein, que se debruçou sobre o assunto e arrastou-nos numa investigação fora do comum." Tenzing abanou a cabeça. "É uma pena eu não ter aqui comigo um exemplar do manuscrito que ele preparou. É uma coisa que me parece ser..."

"Eu li-o", atalhou Ariana.

O velho tibetano suspendeu o que estava a dizer e franziu o sobrolho.

"Você leu-o?"

"Li, sim."

"Leu o manuscrito intitulado Die Gottesformel?"

"Sim."

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"Mas como?"

"É uma longa história", desabafou ela. "Mas sim, li-o. Era o professor Siza quem tinha o documento."

"O Augusto deixou-a ler?"

"Sim... uh... deixou. Como disse, é uma longa história."

Tenzing manteve o olhar fixo nela, inquisitivo.

"E o que achou?"

"Bem, é um documento... como direi? É um documento surpreendente.

Estávamos à espera que contivesse a fórmula da construção de uma bomba atômica barata e de fácil concepção, mas o teor do texto deixou-nos... enfim, desconcertados.

Havia equações e cálculos, como seria de esperar, mas tudo nos parecia imperceptível, sem um sentido claro nem uma direção definida."

O bodhisattva sorriu.

"É natural que assim vos tivesse parecido", murmurou. "O manuscrito foi elaborado para só ser entendido por iniciados."

"Ah, bom", exclamou Ariana. "Sabe, ficamos com a impressão de que ele remetia para um segundo manuscrito..."

"Qual segundo manuscrito?"

"Não existe um segundo manuscrito?"

"Claro que não." Sorriu. "Admito que, pela forma tortuosa como se encontra redigido, o documento crie essa sensação. Mas o que se passou foi que o texto sofreu uma encriptação sutil, percebe? A mensagem foi ocultada de modo a que ninguém se apercebesse sequer da sua existência."

"Isso explica muita coisa", exclamou Ariana. "Mas por que razão ele fez isso?"

"Porque precisava que todas as suas descobertas fossem confirmadas antes de serem divulgadas."

"Como assim?"

"Já lá vamos", disse Tenzing, fazendo um gesto com a mão. "Mas primeiro talvez fosse conveniente perceber o que, afinal, descobriu Einstein."

"Isso."

"Estudando o Livro dos Salmos, um texto hebraico com quase três mil anos, Einstein deparou-se com uma frase no salmo 90 que dizia mais ou menos o seguinte."

Tenzing vidrou o olhar, em busca da memória do texto. "Mil anos à Tua vista são como um dia que passa." O budista fitou os dois visitantes. "Mil anos são como um dia que passa? Mas o que significa esta observação? Será apenas uma metáfora? Einstein concluiu que se tratava de uma metáfora, mas a verdade é que o salmo 90 remeteu Einstein instantaneamente para as suas próprias teorias da Relatividade. Mil anos à Tua vista representa o tempo numa perspectiva, um dia que passa representa o mesmo período de tempo noutra perspectiva."

"Não estou a entender", disse Tomás.

"É simples", adiantou Ariana, os olhos arregalando-se na excitação da compreensão. "O tempo é relativo."

"Como?"

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"O tempo é relativo", repetiu ela.

"A menina é inteligente", disse Tenzing. "Pois foi isso mesmo que Einstein pensou ao ler o salmo 90. O tempo é relativo. É o que dizem as teorias da Relatividade."

"Desculpe, mas isso soa-me a coisa forçada", argumentou Tomás.

O bodhisattva respirou fundo.

"O que sabe o senhor sobre a concepção do tempo nas teorias da Relatividade?"

"Sei o que toda a gente sabe, acho eu", disse Tomás. "Conheço o paradoxo dos gêmeos, por exemplo."

"Pode enunciá-lo?"

"Enunciar o quê? O paradoxo dos gêmeos?"

"Sim."

"Para quê?"

"Para eu ver se entende verdadeiramente o que é o tempo."

"Bem... uh... tanto quanto sei, Einstein dizia que o tempo passa a velocidades diferentes consoante a velocidade do movimento no espaço. Para melhor explicar isso, deu o exemplo da separação de dois gêmeos. Um deles parte numa nave espacial muito rápida e o outro fica na Terra. O que está na nave espacial regressa um mês depois à Terra e descobre que o seu irmão é agora um velho. É que, enquanto na nave decorreu apenas um mês, na Terra decorreram cinquenta anos."

"Pois, é isso", assentiu Tenzing. "O tempo está relacionado com o espaço como o yin está relacionado com o yang. Em termos técnicos, as duas coisas nem se distinguem com clareza, de tal modo que se criou até o conceito de espaço-tempo. O

factor-chave é a velocidade e a referência é a velocidade da luz, que Einstein estabeleceu como sendo constante. O que as teorias da Relatividade nos vieram dizer é que, por causa da constância da velocidade da luz, o tempo não é universal. Pensava-se antes que havia um tempo único global, uma espécie de relógio invisível comum a todo o universo e que media o tempo da mesma maneira em toda a parte, mas Einstein veio provar que não era assim. Não há um tempo único global. A marcha do tempo depende da posição e da velocidade do observador." Colocou os dois indicadores lado a lado. "Suponhamos que ocorrem dois acontecimentos, o A e o B. Para um observador que está equidistante, estes acontecimentos decorrem em simultâneo, mas quem estiver mais próximo do acontecimento A vai achar que o acontecimento A ocorreu antes do B, enquanto quem estiver mais próximo do B vai achar o contrário.