Выбрать главу

"Quinze mil milhões de anos?"

"Sim."

"Mas isso é uma coincidência espantosa!"

Tomás remexeu-se no seu lugar.

267

"Desculpem", interrompeu. "Expliquem-me lá isso. O que tem quinze mil milhões de anos assim de tão especial?"

Ariana olhou-o.

"Não estás a perceber, Tomás? A Bíblia diz que o universo começou há quinze mil milhões de anos."

"E então?"

"E então? Tu sabes quais são os actuais cálculos sobre a idade do universo?"

"Uh... não."

"Os dados científicos colocam a idade do universo algures entre os dez e os vinte mil milhões de anos. Ora, quinze mil milhões é exatamente o ponto intermédio. Os últimos cálculos mais exatos, aliás, aproximam a idade dos quinze mil milhões de anos. Por exemplo, uma avaliação recente da NASA colocou a idade do universo muito perto dos catorze mil milhões de anos."

"Hmm", considerou Tomás, pensativo. "É uma coincidência curiosa".

Tenzing inclinou a cabeça.

"Foi justamente isso que Einstein pensou. Uma coincidência curiosa. Tão curiosa que o encorajou a prosseguir as contas. Resolveu então comparar cada dia bíblico com os acontecimentos que ocorreram simultaneamente no universo."

"E o que deu isso?", perguntou Ariana.

"Oh, uma coisa muito interessante." O budista ergueu o polegar. "O primeiro dia bíblico tem oito mil milhões de anos. Começou há quinze vírgula sete mil milhões de anos e terminou há sete vírgula sete mil milhões de anos. A Bíblia diz que foi nessa altura que se fez luz e que foi criado o céu e a terra. Ora, sabemos que, nesse período, ocorreu o Big Bang e a matéria foi criada. Formaram-se as estrelas e as galáxias."

"Muito bem", assentiu Ariana. "E depois?"

"O segundo dia bíblico durou quatro mil milhões de anos e terminou há três vírgula sete mil milhões de anos. A Bíblia diz que Deus fez o firmamento nesse segundo dia. Sabemos hoje que foi nessa altura que se formou a nossa galáxia, a Via Láctea, e o Sol, que se encontram visíveis no nosso firmamento. Isto é, tudo o que se encontra nas redondezas da Terra foi criado neste período."

"Interessante. E o terceiro dia?"

"O terceiro dia bíblico, correspondente a dois mil milhões de anos terminados há um vírgula sete mil milhões de anos, fala na formação da terra e do mar e no aparecimento das plantas. Os dados científicos referem que a Terra arrefeceu neste período e apareceu água líquida, a que se seguiu imediatamente o aparecimento de bactérias e vegetação marinha, designadamente algas."

"Hmm."

"O quarto dia bíblico durou mil milhões de anos e terminou há setecentos e cinquenta milhões de anos. A Bíblia diz que apareceram neste quarto dia luzes no firmamento, designadamente o Sol, a Lua e as estrelas."

"Espere aí", interrompeu Tomás. "Mas o Sol e as estrelas à nossa volta não tinham aparecido no segundo dia?"

"Sim", concordou Tenzing. "Mas não eram ainda visíveis."

"Como assim, não eram ainda visíveis? Não estou a entender..."

268

"O Sol e as estrelas da Via Láctea apareceram no segundo dia bíblico, há cerca de sete mil milhões de anos, mas não eram visíveis da Terra. A Bíblia diz que só se tornaram visíveis ao quarto dia. Ora, o quarto dia corresponde justamente ao período em que a atmosfera da Terra se tornou transparente, deixando ver o céu. Corresponde também ao período em que a fotossíntese começou a lançar oxigênio para a atmosfera."

"Ah, já entendi."

Tenzing pegou no enorme volume pousado a seu lado e consultou as páginas iniciais.

"O quinto dia bíblico durou quinhentos milhões de anos e terminou há duzentos e cinquenta milhões de anos." Pousou o dedo sobre uma linha do texto. "Está aqui escrito que, neste quinto dia, Deus disse: que as águas sejam povoadas de inúmeros seres vivos e que na terra voem aves, sob o firmamento dos céus." Mirou os dois visitantes. "Como é bom de ver, os estudos geológicos e biológicos apontam para este período o aparecimento dos animais multicelulares e de toda a vida marinha, mais os primeiros animais voadores."

"Incrível."

"E chegamos ao sexto dia bíblico, que começou há duzentos e cinquenta milhões de anos." O tibetano desceu umas linhas com o dedo. "Segundo a Bíblia, Deus disse: que a terra produza seres vivos, segundo as suas espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes, segundo as suas espécies. E, mais à frente, Deus acrescenta: façamos o homem." Levantou a cabeça. "Interessante, não?"

"Mas os animais existem há mais de duzentos e cinquenta milhões de anos", argumentou Ariana.

"Claro que existem", concordou Tenzing. "Mas não estes animais."

"O que quer dizer com isso?"

O bodhisattva fixou os olhos em Ariana.

"Diga-me, menina. Em termos biológicos, sabe o que aconteceu há exatamente duzentos e cinquenta milhões de anos?"

"Bem... houve uma grande extinção, não foi?"

"Nem mais", murmurou o tibetano. "Há duzentos e cinquenta milhões de anos ocorreu a maior extinção de espécies de que há conhecimento, a extinção do Permiano. Por um motivo ainda não determinado, mas que alguns supõem estar relacionado com o impacto de um grande corpo celeste na Antártida, cerca de noventa e cinco por cento das espécies existentes extinguiram-se de um momento para o outro.

Até mesmo um terço dos insectos desapareceu, no que foi a única vez que ocorreu uma extinção de insectos em massa. A extinção do Permiano foi aquela em que a vida na Terra esteve mais próxima da erradicação total. Esse grande cataclismo ocorreu há exatamente duzentos e cinquenta milhões de anos. Curiosamente, no momento em que começou o sexto dia bíblico." Deixou assentar a idéia. "Depois dessa monumental extinção em massa, a Terra foi repovoada." Olhou de relance para o livro aberto nas suas mãos. "Já reparou nesta referência explícita da Bíblia aos répteis segundo as suas espécies?"

"Serão os dinossauros?"

"Dá essa impressão, não dá? De resto, coincide com o período. E, repare ainda, o homem surge no fim. Isto é, no fim da cadeia da evolução."

269

"E... é... surpreendente", comentou Ariana. "Mas acha que isso quer dizer que houve criação, não evolução?"

"Disparate!", retorquiu Tenzing. "Claro que houve evolução. Mas o que é interessante neste trabalho de Einstein é que a história bíblica do universo, quando o tempo é medido de acordo com as frequências de luz previstas pela teoria do Big Bang, bate certo com a história científica do universo."

Tomás pigarreou.

"É esse então o conteúdo do manuscrito de Einstein?"

"Sim."

"Quer dizer, então, que ele achava que a Bíblia estava certa..."

O bodhisattva abanou a cabeça.

"Não exatamente."

"Não? Então?"

"Einstein não acreditava no Deus da Bíblia, não acreditava num Deus mesquinho e ciumento e vaidoso que exige adoração e fidelidade. Ele achava que o Deus da Bíblia era uma construção humana. Ao mesmo tempo, porém, chegou à conclusão de que a sabedoria antiga encerrava algumas verdades profundas e começou a acreditar que o Antigo Testamento escondia um grande segredo."

"Um grande segredo? Qual segredo?"

"A prova da existência de Deus."

"Qual Deus? O Deus mesquinho, ciumento e vaidoso?"

"Não. O verdadeiro Deus. A força inteligente por detrás de tudo. O Brahman, o Dharmakaya, o Tao. O uno que se revela múltiplo. O passado e o futuro, o Alfa e o Omega, o yin eo yang. Aquele que se apresenta com mil nomes e não é nenhum, sendo todos. Aquele que veste as roupas de Sbiva e dança a dança cósmica. Aquele que é imutável e impermanente, grande e pequeno, eterno e efêmero, a vida e a morte, tudo e nada." Abarcou com os braços tudo em redor. "Deus."