"Sim."
"Mas... como?"
Tenzing suspirou.
"No início do ano, recebi um postal do meu amigo Augusto a dar-me a notícia.
Disse-me ele que estavam finalmente satisfeitas as duas condições impostas em 1955
pelo nosso mestre. Como deve calcular, fiquei satisfeitíssimo e respondi-lhe de imediato, convidando-o a vir cá partilhar comigo essa grande notícia."
"Eu vi o seu postal", observou Tomás. "Ele veio cá?"
O velho tibetano esticou o braço e tocou na árvore com a palma da mão.
273
"Sim. Veio a Tashilhunpo e sentamo-nos justamente aqui, neste sítio, por baixo desta mesma árvore."
"E então?"
"Em relação à primeira precaução, tinham surgido dados adicionais. Um satélite designado COBE, lançado pela NASA para medir a radiação cósmica de fundo fora da atmosfera terrestre, detectou em 1989 pequeníssimas variações de temperatura nessa radiação, correspondentes a flutuações na densidade da matéria que explicavam o nascimento das estrelas e galáxias. Um outro satélite ainda mais desenvolvido, o WMAP, está desde 2003 a enviar novos dados relativos à radiação cósmica de fundo com revelações ainda mais pormenorizadas sobre o nascimento do universo. A nova informação confirmou que o universo emergiu de uma brutal inflação inicial ocorrida há cerca de catorze mil milhões de anos."
"E a segunda precaução?"
"O Augusto disse-me que tinha finalizado os estudos sobre a segunda via. Há agora uma segunda maneira de provar cientificamente a existência de Deus."
"E qual é?"
O bodhisattva abriu os braços num gesto de impotência.
"Ele não me contou. Disse apenas que se preparava para fazer o anúncio público e queria que, quando eu fosse interpelado pelacomunidade científica, confirmasse ter sido testemunha do
trabalho de Einstein."
"E o senhor?"
"Claro que concordei. Se tudo o que ele me pedia é que eu dissesse a verdade, eu iria dizer a verdade."
Fez-se silêncio.
"Mas qual é a segunda prova?"
"Não sei."
Tomás e Ariana entreolharam-se mais uma vez, sentindo-se tão perto do fim.
"Não haverá maneira de saber?"
"Há."
"Perdão?"
"Há uma maneira de saber."
"Qual?"
"Não consegue imaginar?"
"Eu? Não."
"Nagarjuna disse: a dependência mútua é a fonte do ser e da natureza das coisas, e estas nada são em si mesmas."
"O que quer dizer com isso?"
O bodhisattva sorriu.
"O Augusto tinha um professor auxiliar de quem dependia."
"O professor Luís Rocha", identificou Tomás. "Já o conheço. O que tem ele de especial?"
274
"Ele sabe tudo."
XXXV
A fila dos visitantes extracomunitários era enorme e lenta, mas Tomás tinha a esperança de contornar o problema. Deixou Ariana na fila e aproximou-se dos guichets da polícia fronteiriça, procurando perceber se os contactos feitos antes de partirem de Lhasa tinham produzido os resultados combinados. Não detectou a presença que esperava encontrar e, irritado, pegou no telemóvel e ligou-o; teve ainda de aguardar que o aparelho captasse rede e só quando ia finalmente digitar o número viu o rosto familiar emergir por detrás dos guichets.
"Hi, Tomás", saudou Greg Sullivan, sempre com aquele ar penteadinho e limpinho que o fazia confundir-se com um mórmon. "Estou aqui."
O recém-chegado quase suspirou de alívio.
"Olá, Greg", exclamou, com um grande sorriso. "Está tudo tratado?""
O adido americano fez sinal a um homem baixo, de bigode escuro e barriguinha redonda, e ambos cruzaram a barreira alfandegária e vieram ter com Tomás.
"Este é mister Moreira, diretor dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras aqui no aeroporto", disse Greg, apresentando o desconhecido.
Cumprimentaram-se e Moreira foi direito ao assunto.
"Onde está a senhora em questão?", inquiriu o responsável do SEF, perscrutando a fila dos passageiros extracomunitários.
Tomás fez um movimento com a cabeça e Ariana abandonou a fila, juntando-se aos três homens. Feitas as apresentações, Moreira conduziu-os para lá da zona alfandegária e seguiu para um pequeno gabinete, deixando a iraniana entrar primeiro.
Tomás deu um passo para seguir atrás dela, mas o pequeno homem colocou-se-lhe no caminho.
"Vou só resolver a burocracia com a senhora", disse, cortês mas firme. "Os senhores podem aguardar aqui."
Tomás deixou-se ficar à porta, um pouco contrariado, vendo pelo vidro Ariana sentar-se dentro do gabinete a preencher sucessivas resmas de papéis que Moreira lhe ia entregando.
"Está tudo controlado", disse Greg.
O americano ajeitou a sua gravata vermelha.
"Ouça, Tomás, explique-me um pouco melhor o que está a acontecer", pediu.
"Quando você telefonou de Lhasa, confesso que não percebi muito bem os pormenores."
"Não percebeu porque não lhos contei. Ao telefone não dava, não é?
"Claro. Mas então o que se passa?"
"O que se passa é que temos andado todos à procura de uma coisa que não existe."
"Ah, sim? O quê?"
275
"A fórmula para a construção fácil de uma bomba atômica barata. Essa fórmula não existe."
"Não existe? Como assim?"
"Não existe, estou-lhe a dizer."
"Então o que é aquele manuscrito que tanto preocupa mister Bellamy?"
"É um documento científico encriptado onde Einstein provou que a Bíblia registrou a história do universo e onde incluiu uma fórmula que supostamente prova a existência de Deus."
Greg esboçou uma careta incrédula.
"Mas do que é que você está para aí a falar?"
"Estou a falar d'A Fórmula de Deus. O manuscrito de Einstein que os iranianos têm na sua posse não é um documento sobre armas nucleares, como se pensava, mas antes um texto relativo a Deus e à prova feita pela Bíblia sobre a Sua existência."
O americano abanou a cabeça, como se a mente estivesse ainda demasiado preguiçosa e a tentasse despertar.
"Sorry, Tomás, mas isso não faz sentido nenhum. Então Einstein fez um documento a dizer que a Bíblia prova a existência de Deus? Mas isso qualquer criança da quarta classe lhe pode dizer..."
"Greg, você não está a perceber", insistiu Tomás, impaciente e cansado. "Einstein descobriu que a Bíblia expõe a criação do universo com informações que só agora a ciência, recorrendo à física mais avançada, descobriu serem verdadeiras. Por exemplo, a Bíblia estabelece que o Big Bang ocorreu há quinze mil milhões de anos, coisa que os satélites que analisam a radiação cósmica de fundo estão a agora a confirmar. A questão é: como podiam os autores do Antigo Testamento saber isso há milhares de anos?"
Greg manteve o ar cético.
"A Bíblia diz que o Big Bang ocorreu há quinze mil milhões de anos?", admirou-se. "Nunca ouvi falar em tal coisa." Fez um trejeito com a boca. "Só me lembro dos seis dias da Criação..."
Tomas suspirou, exasperado.
"Esqueça. Eu depois explico tudo ao pormenor, está bem?"
O americano permaneceu um longo momento a observá-lo.
"Hmm", murmurou. "O que me interessa aqui é a questão da bomba atômica.
Você tem a certeza de que o manuscrito de Einstein não contém a fórmula de uma bomba atômica de fabrico fácil?"
"Tenho."
"Mas você viu o manuscrito?"
"Claro que vi. Foi em Teerã."
"Isso já eu sei. O que eu quero saber é se você já o leu."
"Não, isso não li."
"Então como pode ter a certeza do que está a dizer?"