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"Porque falei com um antigo físico tibetano que trabalhou com Einstein e o professor Siza em Princeton."

"E ele disse-lhe que o manuscrito não é sobre a bomba atômica?"

"Disse."

"E você confirmou essa informação?"

"Confirmei."

"Como?"

Tomás indicou com a cabeça o gabinete do director do SEF.

"A Ariana leu o manuscrito original e confirmou que bate tudo certo."

Greg virou a cara e mirou a iraniana no outro lado do vidro a preencher os documentos da imigração.

"Ela leu o manuscrito, é?"

"Sim."

O adido permaneceu um longo momento com os olhos cravados em Ariana, sempre meditativo, até tomar uma decisão.

"Desculpe", disse para Tomás. "Preciso de ir ali tratar de uns detalhes."

Tirou o telemóvel do bolso e afastou-se, desaparecendo por um dos corredores do aeroporto de Lisboa.

A burocracia levou uma eternidade a ser despachada, com papéis para lá e para cá, telefonemas a multiplicarem-se e carimbos a serem batidos sobre os documentos.

Greg regressou entretanto e, pouco depois, foi chamado ao gabinete do director do SEF. Tomás viu-os pelo vidro a conversarem, até que ele e a iraniana despediram-se de Moreira e dirigiram-se à porta.

"Ela agora fica à nossa guarda", anunciou Greg ao abandonar o gabinete.

"Como assim, à nossa guarda?", admirou-se Tomás.

"Quero dizer, à guarda da embaixada americana."

O historiador fitou o adido com ar intrigado.

"Não estou a perceber", exclamou. "Os papéis não estão regularizados?"

"Estão, claro que estão. Mas ela fica à nossa guarda. Vai agora para a embaixada."

Tomás olhou para Ariana, que lhe parecia assustada, e depois para Greg de novo, sem entender bem a idéia.

"Vai para a embaixada? Ela? A que propósito?"

O adido encolheu os ombros.

"Temos de a interrogar."

"Interrogar? Mas... o que há para interrogar?"

Greg pousou-lhe a mão sobre o ombro, quase paternal.

"Ouça, Tomás. A doutora Ariana Pakravan é uma figura com responsabilidades dentro do programa nuclear iraniano. Temos de a interrogar, não é?"

"Mas o que é isso de interrogar? Vão falar com ela durante uma hora?"

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"Não", disse o americano. "Vamos falar com ela durante vários dias."

Tomás abriu a boca, perplexo.

"Vários dias a interrogá-la? Nem pensar!" Estendeu o braço e pegou na mão de Ariana. "Anda, vamos embora."

Puxou-a, fazendo tenções de prosseguir o caminho, mas Greg travou-o.

"Tomás, não torne isto difícil, por favor."

O historiador olhou-o com ar irritado.

"Desculpe, Greg, há aqui um engano qualquer. Vocês é que estão a tornar difícil o que não tem dificuldade nenhuma."

"Ouça-me, Tomás..."

"Não, você é que tem de me ouvir." Colou-lhe o indicador ao peito. "Nós combinámos ao telefone que a Ariana poderia vir para Portugal e que vocês tratariam de tudo. Combinamos que ela seria uma pessoa livre e que vocês apenas nos dariam protecção em caso de ameaça dos iranianos.

Façam o favor de cumprir o prometido."

"Tomás", disse Greg, cheio de paciência. "Toda essa combinação foi feita no pressuposto de que vocês nos entregariam o segredo do manuscrito de Einstein."

"E já entregamos."

"Então qual é a fórmula de Deus?"

Tomás estacou, buscando uma resposta na sua mente e não encontrando nenhuma.

"Uh... isso ainda estou a desvendar."

O rosto de Greg abriu-se num sorriso triunfal.

"Está a ver? Você não cumpriu a sua parte."

"Mas vou cumprir."

"Acredito, acredito. O problema é que ainda não cumpriu. E, enquanto não cumprir a sua parte do acordo, não nos pode exigir nada, não é verdade?"

Tomás não largou a mão de Ariana, que lhe implorava ajuda com os olhos.

"Ouça, Greg. Por causa desta história passei uns dias numa cadeia de Teerã e fui sequestrado por uns gorilas em Lhasa. Além do mais, tenho ainda esses energúmenos à perna, pelo que não há ninguém mais motivado nem mais interessado do que eu em deslindar todo este mistério e pôr fim a esta situação de doidos. Depois de ter passado por tudo isto, a única coisa que eu peço é que deixem a Ariana vir comigo para Coimbra. Não é pedir muito, pois não?"

Dois homens corpulentos apareceram nesse instante e cumprimentaram Greg com uma saudação militar. Era evidente que se tratava de dois seguranças americanos, provavelmente soldados à paisana da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa, chamados ao aeroporto para escoltarem Ariana.

Tomás abraçou de imediato a iraniana, como se assim assumisse o compromisso solene de a proteger, contra tudo e contra o que mais viesse. O adido cultural mirou o casal e abanou a cabeça.

"Eu compreendo tudo, a sério que compreendo", disse. "Mas tenho as minhas ordens e não posso deixar de as cumprir. Informei Langley de tudo o que você me 278

disse há pouco e Langley contactou as autoridades portuguesas e deu-me novas instruções. A doutora Pakravan é nossa convidada e terá de nos acompanhar até à embaixada."

"Nem pensar."

"Ela virá conosco", sentenciou Greg. "De preferência a bem."

Tomás apertou Ariana ainda com mais força.

"Não."

O americano respirou fundo.

"Tomás, não torne as coisas difíceis."

"Vocês é que estão a tornar tudo difícil."

Greg fez um gesto com a cabeça e os dois seguranças deitaram a mão a Tomás, torcendo-lhe o braço e puxando-o como se ele fosse tão pesado quanto uma almofada.

O historiador contorceu o corpo, num esforço desesperado para libertar o braço, mas sentiu uma pancada na nuca e tombou no chão. Ouviu Ariana gritar e, apesar de se encontrar atordoado, tentou erguer-se, mas um braço firme como o aço manteve-o imobilizado.

“Deixa estar, Tomás", ouviu-a dizer, a voz estranhamente calma, quase maternal.

"Eu vou ficar bem, não te preocupes." Mudou de tom, tornando-se ríspida. "Vocês deixem-no, ouviram? Nem se

atrevam a tocar-lhe."

"Não se preocupe, doutora. Ele vai ficar bem. Venha comigo."

"Tire a mão, seu porco. Eu sei caminhar sozinha."

As vozes foram-se afastando até deixarem de se ouvir. Só nessa altura o segurança que o mantinha pregado ao chão, o rosto colado ao piso frio de granito polido, o libertou, deixando-o enfim erguer a cabeça e olhar em redor. Sentiu uma tontura e tentou orientar-se. Viu passageiros com carrinhos e malas de mão, mirando-o com uma expressão reprovadora, e vislumbrou o segurança americano a afastar-se calmamente pelo corredor, rumo à zona do levantamento de bagagens. Olhou em todas as direcções, em busca da silhueta familiar da iraniana, mas, por mais que se esforçasse, nada detectou. Levantou-se a custo e, já de pé, vencendo uma nova tontura, passou os olhos pelo terminal, a atenção prendendo-se aqui e ali, até que se viu forçado a render-se à evidência.

Ariana desaparecera.

A hora seguinte foi passada em contatos frenéticos. Tomás voltou a conversar com o diretor do SEF no aeroporto e ligou para a embaixada dos Estados Unidos.

Procurou mover influências através da administração da Fundação Gulbenkian e da reitoria da Universidade Nova de Lisboa e chegou ao ponto de telefonar para Langley e tentar falar com Frank Bellamy.

Tudo falhou.

A verdade é que Ariana lhe tinha sido levada e encontrava-se agora muito para além do seu alcance. Era como se uma muralha opaca se tivesse erguido em torno da mulher que amava, isolando-a do mundo e de si, fechando-a algures por detrás dos muros reforçados que escondiam a embaixada americana em Lisboa.