Ela comprimiu os lábios.
— Como quiser.
Montaram no mesmo instante e cavalgaram para oeste, deixando a Pedra-portal para trás. Ninguém protestou, muito menos Rand. Luz, espero não chegar tarde demais.
38
Treinamento
Sentada de pernas cruzadas na cama, em seu vestido branco, Egwene fazia com que três pequenas bolas de luz dançassem acima de suas mãos. Não tinha autorização para fazer aquilo sem ao menos uma das Aceitas supervisionando-a, mas, andando furiosa de um lado a outro em frente à pequena lareira estava Nynaeve. Afinal de contas, a Sabedoria usava o anel de serpente dado às Aceitas, e seu vestido tinha faixas de tecido colorido em torno da bainha, mesmo que ainda não tivesse permissão para ensinar alguém. E Egwene descobrira, ao longo das últimas treze semanas, que não conseguia resistir. Ela sabia como era fácil tocar saidar, àquela altura. Conseguia sempre sentir a fonte lá, esperando-a. Era como o aroma de um perfume ou a textura da seda, atraindo-a, atraindo-a. E, quando a tocava, quase nunca conseguia resistir a canalizar, ou pelo menos tentar. Falhava com quase a mesma frequência com que tinha sucesso, o que era apenas mais um estímulo.
Muitas vezes, aquilo a assustava. Ver o quanto queria canalizar a assustava, assim como ver como se sentia entediada e melancólica em comparação a quando não estava canalizando. Ela queria beber toda a fonte, a despeito dos avisos sobre a possibilidade de se exaurir, e essa vontade a assustava mais que tudo. Às vezes, desejava nunca ter ido para Tar Valon. Mas o receio não conseguia fazê-la parar por muito tempo, nem o medo de ser flagrada por uma Aes Sedai ou pelas Aceitas, a não ser Nynaeve.
No entanto, era seguro o suficiente ali, em seu próprio quarto. Min estava lá, sentada no banco de três pés, observando-a. Mas ela já conhecia Min bem o suficiente, àquela altura, para saber que a menina jamais a deduraria. Julgava ser afortunada por ter feito amigas tão boas desde que chegara a Tar Valon.
Era um quarto pequeno e sem janelas, como o de todas as noviças. Três passos curtos levavam Nynaeve de uma parede branca à outra. O quarto da Sabedoria era muito maior, mas, como ela não fizera amigas entre as outras Aceitas, sempre ia ao quarto de Egwene quando precisava conversar com alguém, mesmo em momentos como aquele, nos quais não dizia uma palavra. O pequeno fogo na lareira estreita afastava bem a primeira friagem do outono que se aproximava, embora Egwene tivesse certeza de que não funcionaria tão bem quando o inverno chegasse. A pequena mesa de estudos completava a mobília, e seus pertences estavam pendurados de modo muito organizado em uma fileira de cavilhas na parede ou dispostos na pequena prateleira acima da mesa. Em geral, as noviças recebiam tarefas demais para passar tempo em seus quartos, mas aquele era um dia livre, o terceiro desde que ela e Nynaeve haviam chegado à Torre Branca.
— Else estava babando por Galad enquanto ele treinava com os Guardiões — comentou Min, equilibrando-se em dois pés do banco.
As bolinhas tremeluziram por um instante acima das mãos de Egwene.
— Ela pode olhar para quem quiser — respondeu a menina, em um tom despreocupado. — Não consigo imaginar por que eu estaria interessada nisso.
— Por nada, suponho. Ele é muito bonito, apesar de ser tão rígido. Muito agradável aos olhos, especialmente sem camisa.
As bolas giraram furiosamente.
— Eu não tenho vontade alguma de olhar para Galad, com ou sem camisa.
— Eu não deveria provocá-la — disse Min, arrependida. — Desculpa. Mas você gosta de olhar para ele… não me venha com essa cara! E quase todas as mulheres da Torre Branca gostam, a não ser as Vermelhas. Já vi Aes Sedai lá embaixo, nos jardins de treinamento, quando ele está praticando as formas, especialmente as Verdes. Dizem que estão observando seus Guardiões, mas nunca vi tantas quando Galad não está. Até as serviçais e cozinheiras aparecem para assistir.
As bolas estacaram, e, por um momento, Egwene olhou fixamente para elas. Então sumiram. De repente, ela soltou um risinho.
— Ele é bonito mesmo, não é? Até quando anda parece dançar. — Suas bochechas ficaram ainda mais coradas. — Sei que não deveria ficar olhando para ele, mas não consigo evitar.
— Eu também não consigo — respondeu Min —, e olha que posso ver como ele é.
— Mas ele é bom…?
— Egwene, Galad é tão bom que a faria arrancar os cabelos. Ele seria capaz de ferir alguém para servir a um bem maior. E sequer notaria quem feriu, estaria concentrado demais. Além disso, se notasse, esperaria que a pessoa compreendesse e achasse que está tudo bem, tudo certo.
— Imagino que você esteja certa — respondeu Egwene.
Ela já conhecia a habilidade de Min de olhar para as pessoas e ler todo tipo de coisa sobre elas. Min não contava tudo que via, e nem sempre via tudo, mas já dera provas o suficiente para Egwene acreditar. Ela olhou para Nynaeve, que ainda andava de um lado para outro e resmungava sozinha, então buscou saidar outra vez e voltou a fazer os malabarismos desordenados.
Min deu de ombros.
— Acho que não faz mal contar a você. Ele nem reparou no que Else estava fazendo. E perguntou a ela se você por acaso passearia pelo Jardim Sul depois da ceia, já que hoje é um dia livre. Fiquei até com pena dela.
— Pobre Else… — murmurou Egwene, e as esferas de luz sobre suas mãos ficaram mais brilhantes.
Min riu.
A porta se abriu de supetão, empurrada pelo vento. Egwene soltou um gritinho e fez as bolas sumirem, antes de reparar que era apenas Elayne.
A Filha-herdeira de Andor, de cabelos dourados, fechou a porta com um empurrão e pendurou o manto em uma cavilha.
— Acabei de saber — anunciou. — Os rumores são verdadeiros. O Rei Galldrian morreu. Isso inicia uma guerra de sucessão.
Min fez um som de desdém.
— Guerra civil. Guerra de sucessão. Um monte de nomes bobos para a mesma coisa. Se importa de não conversarmos sobre isso? É só o que se ouve falar hoje em dia. Guerra em Cairhien. Guerra na Ponta de Toman. Podem até ter capturado o falso Dragão em Saldaea, mas ainda há guerra em Tear. E a maior parte do que sabemos é apenas boato mesmo. Ontem ouvi uma das cozinheiras dizer que ouviu falarem que Artur Asa-de-gavião estava marchando contra Tanchico. Artur Asa-de-gavião!
— Achei que você não quisesse falar sobre isso — comentou Egwene.
— Eu vi Logain — contou Elayne. — Ele estava sentado em um banco no Pátio Interno, chorando. E correu quando me viu. Não consigo deixar de ter pena dele.
— Melhor ele chorar do que o resto de nós, Elayne — retrucou Min.
— Eu sei o que ele é — respondeu Elayne, com a voz calma. — Ou melhor, o que era. Ele não é mais, então posso ter pena dele.
Egwene se apoiou na parede, desanimada. Rand. Logain sempre a fazia pensar em Rand. Não sonhava com ele havia meses, pelo menos não o tipo de sonho que tivera a bordo do Rainha do Rio. Anaiya ainda a fazia anotar todos os sonhos que tinha e depois os lia em busca de sinais ou de relações com eventos. Mas não havia notícias de Rand, nada além daqueles sonhos que, segundo a Aes Sedai, apenas significavam que ela sentia falta do rapaz. Parecia estranho, mas ela sentia que era quase como se ele não estivesse mais lá, como se tivesse cessado de existir junto com seus sonhos, algumas semanas depois de sua chegada à Torre Branca. E eu aqui, sentada, pensando em como Galad anda de um jeito bonito , pensou, com amargura. Rand deve estar bem. Se tivesse sido capturado e amansado, eu teria ouvido algum rumor.
Aquilo lhe deu um calafrio. A ideia de Rand ser amansado, Rand chorando e desejando morrer, como Logain, sempre lhe dava calafrios.
Elayne sentou-se ao lado de Egwene na cama, acomodando os pés sob o corpo.
— Se estiver babando pelo Galad, Egwene, não sentirei pena de você. E ainda farei Nynaeve preparar para você uma daquelas misturas horríveis de que ela sempre fala. — Ela franziu a testa ao olhar para Nynaeve, que sequer havia notado sua chegada. — O que aconteceu com ela? Não me digam que também começou a suspirar pelo Galad!