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Rand sugou saidin, buscando mais e mais. Seu corpo parecia tão frio que bastaria um toque para se estilhaçar, tão quente que poderia evaporar. Seus ossos pareciam prestes a se calcinar até virar cinzas frias e cristalinas. Ele não se importava. Era como beber da própria vida.

— Idiota! — rugiu Ba’alzamon. — Você vai se destruir!

Mat. O pensamento flutuou em algum lugar além da inundação que o consumia. A adaga. A Trombeta. Fain. Campo de Emond. Não posso morrer ainda.

Não soube ao certo como o fez, mas de repente o Poder se fora, junto com saidin e o vazio. Tremendo de forma incontrolável, ele caiu de joelhos ao lado da cama, abraçando-se em um esforço inútil para impedir o tremor em seus braços.

— Assim é melhor, Lews Therin. — Ba’alzamon jogou o estandarte no chão e apoiou as mãos no espaldar da cadeira. Fios de fumaça subiam por entre seus dedos. A sombra não o envolvia mais. — Aqui está seu estandarte, Fratricida. Vai lhe servir de muita coisa. Mil fios dispostos ao longo de mil anos o trouxeram até aqui. Dez mil fios, tecidos ao longo das Eras, o prendem como uma ovelha no matadouro. A própria Roda o aprisiona a seu destino, Era após Era. Mas eu posso libertá-lo. Seu vira-lata covarde, apenas eu, em todo o mundo, posso ensiná-lo a usar o Poder. Apenas eu posso impedir que o poder o mate antes de você ter a chance de enlouquecer. Apenas eu posso deter a loucura. Você já me serviu antes. Sirva-me outra vez, Lews Therin, ou seja destruído para sempre!

— Meu nome — forçou Rand, entre os dentes que batiam — é Rand al’Thor. — O tremor o forçou a fechar os olhos com força, e, quando voltou a abri-los, estava sozinho.

Ba’alzamon se fora. A sombra se fora. Seus alforjes estavam apoiados na cadeira com as fivelas fechadas e um lado mais estufado com o volume do estandarte do Dragão, exatamente como os deixara. No entanto, no espaldar da cadeira, filetes de fumaça ainda saíam das marcas de dedos.

42

Falme

Nynaeve empurrou Elayne de volta para a viela estreita entre a loja de um comerciante de roupas e a oficina de um oleiro, quando o par daquelas mulheres unidas por uma corrente prateada passou perto delas, em direção à calçada de pedras que levava ao porto de Falme. Elas não ousariam deixar aquele par se aproximar demais. As pessoas nas ruas abriam caminho para as duas mulheres ainda mais rápido do que para os soldados Seanchan ou a ocasional liteira de um nobre, fechada com grossas cortinas agora que fazia frio mesmo durante o dia. Nem mesmo os artistas de rua se ofereciam para desenhá-las a giz ou lápis, embora importunassem todos os demais. Nynaeve apertou os lábios enquanto seus olhos acompanhavam a sul’dam e a damane em meio à multidão. Mesmo depois de semanas naquela cidade, a imagem ainda a deixava enjoada. Talvez até mais do que antes. Não conseguia se imaginar fazendo aquilo a mulher alguma, nem mesmo Moiraine ou Liandrin.

Bem, talvez Liandrin , admitiu, amarga. Às vezes, durante a noite, no quarto pequeno e fedorento que haviam alugado bem em cima de uma peixaria, Nynaeve pensava no que gostaria de fazer com Liandrin quando pusesse as mãos nela. Pensava em Liandrin ainda mais do que em Suroth. Mais de uma vez ficara chocada com a própria crueldade, mesmo quando admirava sua criatividade.

Ainda tentando não perder o par de vista, acabou pousando o olhar em um homem ossudo, parado mais adiante na rua. Teve apenas um vislumbre antes de perdê-lo na multidão outra vez, um grande nariz em um rosto ino. O homem usava uma túnica sofisticada de veludo bronze e de corte Seanchan por cima das roupas, mas Nynaeve achou que ele era estrangeiro. Apesar disso, o serviçal que o acompanhava era Seanchan, um alto servo na hierarquia, com um dos lados da cabeça raspado. O povo local não adotara os costumes Seanchan, principalmente não o modo de se vestir. Parecia Padan Fain, pensou, incrédula. Não pode ser. Não aqui.

— Nynaeve — perguntou Elayne, em voz baixa —, podemos sair daqui agora? Aquele sujeito vendendo maçãs está olhando para a mesa como se pensasse que havia uma quantidade maior há alguns instantes, e eu não gostaria que ele parasse para se perguntar o que tenho nos bolsos.

Ambas usavam longos casacos de pele de ovelha, com a lã virada para dentro e espirais de um vermelho vivo bordadas no peito. Era uma roupa típica de camponesa, mas não levantava suspeitas em Falme, onde havia muita gente das fazendas e aldeias. Em meio a tantos estranhos, as duas tinham conseguido passar despercebidas. Nynaeve des fizera a trança, e guardara o anel de ouro com a serpente comendo a própria cauda aninhado sob o vestido ao lado do pesado anel de Lan, preso no cordão de couro em seu pescoço.

Os bolsos largos do casaco de Elayne estavam estufados de um modo suspeito.

— Você roubou aquelas maçãs? — sibilou Nynaeve, tentando ser discreta, puxando a outra para a rua movimentada. — Elayne, não precisamos roubar. Pelo menos não por enquanto.

— Não? Quanto dinheiro ainda temos? Você tem estado “sem fome” com muita frequência nas refeições dos últimos dias.

— Bem, eu estou sem fome — disparou Nynaeve, tentando ignorar o vazio em seu estômago. Tudo era bem mais caro do que ela esperava. Já ouvira o povo local reclamando do grande aumento dos preços desde a chegada dos Seanchan. — Me dê uma. — A maçã que Elayne tirou do bolso era pequena e dura, mas inundou a boca de Nynaeve com uma doçura deliciosa quando ela a mordeu, fazendo barulho. A Sabedoria lambeu o caldo dos lábios. — Como foi que você… — Ela fez Elayne parar e olhou bem nos olhos da jovem. — Você…? Você…? — Não conseguia pensar em uma forma de dizer aquilo, não com tantas pessoas passando por elas, mas Elayne entendeu.

— Só um pouquinho. Derrubei aquela pilha de melões velhos e manchados, e, quando ele foi colocá-los no lugar… — Nynaeve notou que a garota não teve sequer a decência de parecer envergonhada. Comendo uma das maçãs, despreocupada, Elayne deu de ombros. — Não precisa franzir a testa desse jeito. Eu olhei em volta antes para ter certeza de que não havia nenhuma damane por perto. — Ela fungou com desdém. — Se eu fosse uma prisioneira, não ajudaria meus captores a encontrar outras mulheres para escravizar. Mas, pelo jeito que essa gente de Falme se comporta, dá para pensar que eles passaram a vida inteira sendo servos dos que deveriam ser seus inimigos mortais. — Ela olhou em volta, sem esconder o desprezo pelas pessoas que passavam, apressadas. Mesmo de longe, era possível ver o caminho de qualquer Seanchan, até mesmo os soldados comuns, pelas ondas de reverências que marcavam sua passagem. — Eles deveriam resistir. Deviam lutar.

— Como? Contra… aquilo.

Elas tiveram que se espremer no canto da rua com todos os demais quando uma patrulha dos Seanchan se aproximou, vinda do porto. A reverência de Nynaeve, com as mãos nos joelhos, foi feita com uma expressão perfeitamente suave. A de Elayne foi mais lenta, e ela se curvou com os lábios apertados de desgosto.

Vinte homens e mulheres em armaduras compunham a patrulha. E estavam a cavalo, para o alívio de Nynaeve. Não conseguia se acostumar à visão de pessoas montadas em criaturas que pareciam felinos sem cauda e com o corpo coberto de escamas de bronze. Além disso, ver alguém montado em uma das feras voadoras era sempre o bastante para deixá-la tonta. Ficava feliz por haver tão poucas delas. Ainda assim, duas criaturas acorrentadas trotavam, acompanhando a patrulha. Pareciam pássaros sem asas, com a pele de couro áspero e bicos afiados que chegavam mais alto do que os elmos nas cabeças dos soldados montados. As patas longas e sinuosas pareciam capazes de correr mais do que qualquer cavalo.