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— Não vou me matar — respondeu Egwene, seca. — Mesmo que pudesse. Me empreste sua faca. Vamos, eu não vou me machucar. Só me empreste aqui.

Min hesitou antes de desembainhar a faca, bem devagar. Ela a estendeu com cautela, pronta para agir caso Egwene tentasse alguma coisa.

Egwene respirou fundo e estendeu a mão para pegar o cabo. Um pequeno tremor percorreu os músculos de seu braço. Quando a mão chegou a pouco mais de um palmo da faca, uma câimbra contorceu seus dedos de repente. Com os olhos fixos, ela tentou forçar a mão mais para perto. A câimbra tomou todo o braço, dando nós nos músculos até o ombro. Com um gemido, ela afundou de volta na cama, esfregando o braço e concentrando os pensamentos em não tocar a faca. Aos poucos, a dor começou a diminuir.

Min a encarou, incrédula.

— O quê…? Não entendi.

Damane não têm permissão para tocar em armas de qualquer tipo. — Ela massageava o braço, sentindo as câimbras diminuírem. — Até mesmo nossa carne já vem cortada. Não quero fazer mal a mim mesma, e não poderia, ainda que quisesse. Nenhuma damane é deixada sozinha onde poderia pular de um lugar alto. Essa janela, por exemplo, é fechada com pregos. E também não é deixada sozinha perto de rios.

— Bem, isso é bom. Quer dizer… Ah, não sei do que estou falando. Se você pudesse pular em um rio, poderia escapar.

Egwene prosseguiu, apática, como se Min não tivesse falado.

— Elas estão me treinando, Min. As sul’dam e o a’dam estão me treinando. Não consigo tocar em nada que eu sequer pense ser uma arma. Algumas semanas atrás, considerei bater em Renna com aquele jarro, e aí não pude despejar a água para me lavar por três dias. Depois que pensei nele daquela forma, não foi suficiente parar de pensar em bater nela com o jarro: precisei me convencer de que nunca, em nenhuma circunstância, bateria nela com aquilo. E então pude tocá-lo de novo. Ela sabia o que tinha acontecido, então apenas disse o que eu precisava fazer e não deixou que eu me lavasse de nenhum outro jeito, a não ser com aquele jarro e aquela bacia. Você tem sorte de isso ter acontecido entre suas visitas. Renna fez questão de que eu passasse aqueles dias suando da hora em que acordava até a hora de dormir, exausta. Estou tentando resistir, mas estão me treinando, assim como treinam Pura. — Ela levou a mão à boca, gemendo entre dentes. — O nome dela é Ryma. Preciso me lembrar do nome dela, e não do nome que colocaram nela. Ela é Ryma, da Ajah Amarela, e resistiu o máximo que pôde. Não é culpa dela não ter mais forças para lutar. Eu queria saber quem é a outra irmã que ela mencionou. Queria saber o nome dela, também. Lembre-se de nós duas, Min. De Ryma, da Ajah Amarela, e de Egwene al’Vere. Não Egwene, a damane. E sim de Egwene al’Vere, de Campo de Emond. Você pode fazer isso?

— Pare com isso! — ralhou Min. — Pare com isso agora mesmo! Se você for mandada para Seanchan, irei com você. Mas não acredito que vá. Você sabe que eu li sua aura, Egwene. Não entendo a maior parte, quase nunca entendo, mas vejo coisas que tenho certeza de que a ligam a Rand, Perrin, Mat, e… é, até mesmo Galad, que a Luz a ajude por ser tão idiota. Como essas coisas vão acontecer se os Seanchan a levarem para o outro lado do mar?

— Talvez eles conquistem o mundo inteiro, Min. Se conquistarem o mundo, não há motivo para que Rand, Galad e os outros não acabem em Seanchan.

— Sua idiota cabeça oca!

— Estou sendo prática — retrucou Egwene, ríspida. — Não pretendo parar de resistir, não enquanto conseguir respirar, mas também não tenho esperanças de me ver livre do a’dam. Assim como não tenho esperanças de que alguém consiga deter os Seanchan. Min, se esse capitão puder levá-la, vá com ele. Pelo menos uma de nós ficará livre.

A porta se abriu, e Renna entrou.

Egwene ficou de pé em um salto e fez uma profunda reverência, assim como Min. O quarto era atravancado demais para se curvar, mas os Seanchan insistiam em manter o protocolo mesmo às custas do conforto.

— É seu dia de visita, não é? — perguntou Renna. — Eu tinha me esquecido. Bem, temos treinamento mesmo em dias de visita.

Egwene observou com atenção a sul’dam pegar o bracelete, abri-lo e então fechá-lo em torno do pulso. Não conseguiu ver como aquilo era feito. Se pudesse sondar com o Poder Único, teria visto, mas Renna saberia no mesmo instante. Quando o bracelete se fechou no pulso da mulher, a expressão da sul’dam se alterou, e Egwene sentiu calafrios.

— Você andou canalizando — falou Renna com calma, mas havia um lampejo de raiva em seus olhos. — Sabe que isso é proibido, a não ser quando estamos completas. — Egwene umedeceu os lábios. — Talvez eu tenha sido leniente demais com você. Talvez você acredite que, por ser valiosa, terá privilégios. Acho que cometi um erro deixando que você continuasse com o antigo nome. Eu tive uma gatinha chamada Tuli, quando pequena. De agora em diante, seu nome é Tuli. Você pode ir agora, Min. Seu dia de visita a Tuli acabou.

Min hesitou apenas por tempo suficiente para lançar um olhar angustiado para Egwene antes de sair. Nada que Min pudesse fazer ou dizer teria outro efeito que não piorar as coisas. Mesmo assim, Egwene não pôde evitar lançar um olhar de desalento para a porta que se fechava.

Renna se sentou na cadeira, lançando um olhar severo para Egwene.

— Preciso dar uma punição severa por isso. Nós duas seremos chamadas à Corte das Nove Luas, por conta da sua habilidade. E eu, como sua sul’dam e treinadora, não vou permitir que você me desgrace aos olhos da Imperatriz. Só vou parar quando você me disser como adora ser damane e como será obediente depois disso. E, Tuli… Faça com que eu acredite em cada palavra.

43

Um Plano

Do lado de fora do quarto, no corredor de teto baixo, Min cravou as unhas nas palmas das mãos quando ouviu o primeiro grito. Avançou um passo em direção à porta antes de conseguir se conter, e, quando o fez, lágrimas lhe vieram aos olhos. Que a Luz me ajude, eu só iria piorar as coisas. Sinto muito, Egwene. Sinto muito.

Sentindo-se mais do que inútil, ela levantou a saia e correu. Os gritos de Egwene a perseguiram. Não conseguia se forçar a ficar, mas ir embora fez com que se sentisse uma covarde. Com a visão turva pelas lágrimas, só se deu conta de que estava do lado de fora quando se viu parada na rua. Tivera a intenção de voltar para o próprio quarto, mas não conseguia, naquele momento. Não conseguia suportar a ideia de Egwene sofrendo enquanto ela ficava sentada sob o teto ao lado, aquecida e confortável. Enxugando as lágrimas, colocou o manto sobre os ombros e seguiu pela rua. Sempre que secava os olhos, novas lágrimas começavam a escorrer pelo rosto. Não estava acostumada a chorar na frente dos outros, mas também não estava acostumada a se sentir tão indefesa e inútil. Não sabia para onde ia, sabia apenas que precisava ficar o mais longe possível daqueles gritos.

— Min!

O chamado em voz baixa a fez parar onde estava. A princípio, não conseguiu distinguir de onde vinha a voz. Não era muita gente que andava pelas ruas tão próximas de onde as damane ficavam. Com exceção de um artista que tentava convencer dois soldados Seanchan a comprarem um retrato que faria com seus gizes coloridos, as pessoas tentavam passar rápido pelo local, mas sem parecer que estavam correndo. Um par de sul’dam passou por ela, seguidas por suas duas damane caminhando com os olhos voltados para o chão. As sul’dam falavam sobre quantas marath’damane esperavam encontrar antes de zarpar. Min olhou de relance para duas mulheres em longos casacos de lã e então voltou a olhá-las, maravilhada, quando elas foram em sua direção.