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O cheiro de sal e piche ficou mais forte. Algumas gaivotas grasnavam, voando em círculos. Também começaram a surgir marinheiros em meio à multidão, muitos ainda de pés descalços, apesar do frio.

A estalagem fora rebatizada às pressas como “As Três Flores de Ameixeira”, mas parte da palavra “Vigia” ainda aparecia sob a pintura descuidada da placa. Apesar da multidão do lado de fora, o salão não estava cheio. Os preços estavam altos demais para a maioria conseguir se dar ao luxo de pagar para sentar um tempo e tomar uma cerveja. Fogos altos nas lareiras das duas extremidades do salão aqueciam o ambiente, e o estalajadeiro gordo não usava casaco, apenas uma camisa de manga. Ele olhou para as três mulheres, franzindo a testa, e Min julgou que seu vestido Seanchan foi o que o impediu de pedir a elas que se retirassem. Nynaeve e Elayne, com aqueles casacos de camponesa, com certeza não pareciam ter dinheiro algum para gastar.

O homem pelo qual procurava estava sozinho em uma mesa a um canto, seu lugar habitual, murmurando para o vinho.

— Você tem tempo para conversar, Capitão Domon? — perguntou Min.

Ele olhou para cima, passando a mão pela barba ao notar que ela não estava sozinha. Ela ainda achava estranho a barba cheia sem bigode.

— Então você trouxe umas amigas para beber com meu dinheiro? Bem, aquele Lorde Seanchan, no caso, comprou minha carga, então dinheiro eu tenho. Sentem. — Elayne sobressaltou-se quando o homem urrou. — Estalajadeiro! Vinho quente aqui!

— Está tudo bem — assegurou Min, sentando na ponta de um dos bancos da mesa. — De urso, ele só tem aparência. — Elayne sentou na outra ponta, parecendo duvidar.

— Um urso, eu pareço? — disse Domon, rindo. — Sim, talvez eu seja, sim. Mas e você, menina? Desistiu de pensar em ir embora? Pra mim, esse seu vestido parece Seanchan.

— Nunca! — respondeu Min, enfática, mas ficou quieta quando surgiu uma serviçal trazendo o vinho fumegante com especiarias.

Domon ficou tão preocupado quanto ela. Esperou até que a garota fosse embora com suas moedas, antes de dizer:

— Que a sorte me espicace, menina. Nem quero ofender. No caso, a maioria dessas pessoas quer só seguir com suas vidas, nem ligam se seus lordes são Seanchan ou de outro tipo.

Nynaeve se debruçou sobre a mesa.

— Também queremos seguir com nossas vidas, capitão. Mas sem nenhum Seanchan. Soube que você pretende zarpar em breve.

— Zarparia hoje, se pudesse, sim. — respondeu Domon, desanimado. — A cada dois ou três dias, aquele Turak me chama pra contar histórias das coisas antigas que já vi. Eu pareço um menestrel para você, por acaso? No caso, pensei que podia contar uma história ou outra e seguir minha vida. Mas agora acho que, quando perder a graça, a chance é igual de eu poder ir embora ou mandarem cortar minha cabeça. Aquele homem até parece meio mole, sim, mas é duro e frio como ferro.

— Seu navio consegue fugir dos Seanchan? — indagou Nynaeve.

— Que a sorte me espicace! Se desse pra sair desse porto sem uma damane estraçalhar meu Espuma, no caso, ele até conseguiria. Se eu nem deixar um desses navio Seanchan com uma dessas damane chegar perto demais quando for pro mar aberto, sim. Tem baixios por essa costa toda, no caso, e o Espuma tem pouco calado. Sim, consigo entrar com ele em águas onde aqueles monstros desajeitados nem podem se arriscar. Eles precisam ter cuidado com os ventos assim, tão perto da costa, ainda mais nessa época do ano. E assim que eu levar o Espuma

Nynaeve o interrompeu.

— Então vamos com você, capitão. Seremos quatro, e espero que você esteja pronto para partir assim que estivermos a bordo.

Domon esfregou um dedo no lábio superior e olhou para o vinho.

— Bem, no caso, ainda tem a questão de sair do porto, compreende? Essas damane

— E se eu lhe disser que você vai zarpar com algo melhor do que uma damane? — perguntou Nynaeve, em voz baixa.

Os olhos de Min se arregalaram quando ela percebeu o que a Sabedoria queria dizer com aquilo. Elayne murmurou, em um tom quase inaudíveclass="underline"

— E você ainda me diz para tomar cuidado…

Domon tinha olhos apenas para Nynaeve. E sua expressão era de desconfiança.

— Do que você está falando? — sussurrou.

Nynaeve abriu o casaco para mexer em algo na nuca. Por fim, puxou um cordão de couro que estivera escondido no forro do vestido. Dois anéis de ouro estavam pendurados nele. Min arfou ao olhar para um deles: era o anel grosso de homem que vira ao ler a aura da outra na rua. Mas entendeu que foi o segundo, mais ino e feito para o dedo mais delicado de uma mulher, que fez os olhos de Domon saltarem. Uma serpente mordendo o próprio rabo.

— Você sabe o que isso signi ica — disse Nynaeve. Ela fez menção de tirar o anel de Serpente do cordão, mas Domon fechou a mão em volta dele.

— Guarde isso. — Ele olhou ao redor, nervoso. Ninguém olhava para eles, pelo que Min pôde ver. Mas ele parecia pensar que todos olhavam, e fixamente. — Esse anel é muito perigoso, realmente. Se alguém vir…

— Bem, se você sabe o que signi ica… — respondeu Nynaeve, com uma calma que causou inveja em Min. Ela puxou o cordão da mão de Domon e voltou a amarrá-lo no pescoço.

— Eu sei, sim — respondeu ele, em um tom áspero. — Eu sei, sim, o que signi ica. No caso, talvez haja mesmo uma chance se vocês… Quatro, você disse? Essa menina que gosta de me ouvir tagarelar, ela é uma das quatro, no caso. E você, e… — Ele franziu a testa ao olhar para Elayne. — Com certeza essa criança nem é… nem é como você.

Elayne se empertigou, irritada, mas Nynaeve pôs uma das mãos em seu braço e deu um sorriso tranquilizador para Domon.

— Ela está comigo, capitão. Você ficaria surpreso com o que podemos fazer mesmo antes de ter direito a um anel. Quando zarparmos, haverá três em seu navio capazes de enfrentar damane, se for necessário.

— Três — suspirou, impressionado. — Há mesmo uma chance. Talvez… — A expressão dele se animou por um momento, mas, assim que olhou para elas, ficou sério outra vez. — Eu devia levar vocês pro Espuma agora mesmo e seguir viagem. Mas a Sorte que me espicace. Eu nem consigo dizer o que enfrentam se ficarem, e talvez se forem comigo, no caso. Ouçam, prestem atenção no que eu digo. — Ele examinou os arredores outra vez, com cautela, mas ainda assim baixou a voz e escolheu as palavras com cuidado. — Eu vi uma… uma mulher que usava um anel como esse. Ela foi levada pelos Seanchan. Baixinha, magrinha e bonitinha, ela era, e tinha um Guar… Um homem grandalhão que, no caso, parecia saber como usar uma espada. Um deles deve ter se descuidado, sim, já que os Seanchan tinham uma emboscada armada para os dois. O grandalhão derrubou uns seis ou sete antes de morrer. A… a mulher… No caso, botaram seis damane, seis, em volta dela. Todas saíram das vielas de uma vez. Achei que ela ia… fazer alguma coisa, vocês sabem do que estou falando… mas… bem, eu não sei nada dessas coisas. Uma hora ela parecia que ia destruir todas elas, sim, até que fez uma cara de pânico e gritou.

— Elas cortaram o contato dela com a Fonte Verdadeira. — O rosto de Elayne estava branco.

— Não importa — respondeu Nynaeve, muito calma. — Não permitiremos que façam o mesmo conosco.

— Sim, pode até ser como você diz. Mas vou me lembrar daquilo até a morte. Ryma, me ajude! Foi isso que ela gritou. E uma das damane caiu no chão chorando, no caso. Aí colocaram uma daquelas coleiras no pescoço da… mulher, e eu… eu corri mesmo. — Ele deu de ombros, coçou o nariz e olhou para o vinho. — Vi três mulheres serem levadas, sim, e nem tenho estômago pra isso. Eu largaria até minha própria avó esperando no cais pra conseguir zarpar daqui, mas, no caso, precisava mesmo dizer isso a vocês.