— Bem, se não estão atrás de nós, acho que deveríamos voltar para Ingtar e seguir o rastro de Fain. Continuar parado aqui não vai nos aproximar daquela adaga.
— Não podemos voltar para o rastro tão perto dessa aldeia — a firmou Hurin. — Não sem o risco de encontrar os Mantos-brancos. E acho que Lorde Ingtar não gostaria disso, nem Verin Sedai.
Perrin assentiu.
— Nós o encontraremos outra vez daqui a algumas milhas, de qualquer jeito. Mas fiquem atentos. Não devemos estar muito longe de Falme, agora. Não adianta nada evitar os Mantos-brancos e dar de cara com uma patrulha Seanchan.
Quando retomaram a cavalgada, Perrin não pôde deixar de se perguntar o que os Mantos-brancos estavam fazendo ali.
Geofram Bornhald observava a rua da aldeia, sentado em sua sela, enquanto a legião se espalhava e cercava a área. Havia algo no homem de ombros largos que saíra cavalgando, algo familiar… Sim, claro! O rapaz que dizia ser ferreiro. Qual era o nome dele?
Byar parou em sua frente com a mão no peito.
— A aldeia está segura, meu senhor Capitão.
Desnorteados e nervosos, aldeões com casacos pesados de pele de ovelha eram conduzidos pelos Manto-brancos para perto dos carros de boi em frente à estalagem. Crianças choravam agarradas às saias das mães, mas ninguém parecia disposto a desafiá-los. Os rostos dos adultos os observavam com olhos apáticos, passivos, esperando pelo que aconteceria. Pelo menos por aquilo Bornhald estava grato. Não estava com vontade de usar uma daquelas pessoas como exemplo, nem queria perder tempo.
Desmontando do cavalo, ele jogou as rédeas para um dos Filhos.
— Providencie comida para esses homens, Byar. Coloque os prisioneiros na estalagem com toda a comida e água que conseguirem carregar, e então pregue as portas e janelas. Faça com que pensem que deixarei alguns homens de guarda, está bem?
Byar levou a mão ao peito outra vez e virou seu cavalo para gritar as ordens. Os soldados passaram a conduzir os aldeões para dentro da estalagem de telhado plano, enquanto outros Filhos vasculhavam as casas em busca de martelos e pregos.
Observando as expressões arrasadas que passavam por ele, Bornhald achou que seria preciso dois ou três dias para que algum deles reunisse coragem suficiente para fugir da estalagem e descobrir que não havia guardas. Dois ou três dias era tudo de que ele precisava, mas ele não queria arriscar que os Seanchan fossem alertados de sua presença àquela altura.
Deixando homens bem para trás, de modo a fazer os Questionadores pensarem que toda a legião ainda estava espalhada pela Planície de Almoth, ele conseguira levar mais de mil Filhos até quase o fim da Ponta de Toman. E fizera isso sem ser descoberto, pelo que sabia. Os três encontros com patrulhas dos Seanchan haviam terminado bem depressa. Os estrangeiros estavam acostumados a enfrentar inimigos já derrotados, e os Filhos da Luz tinham sido uma surpresa mortal. Ainda assim, os Seanchan lutavam tão bem quanto as hordas do Tenebroso, e o comandante não conseguia deixar de se lembrar do encontro que lhe custara mais de cinquenta homens. Ainda não sabia qual das duas mulheres cobertas de flechas, que vira depois da luta, era a Aes Sedai.
— Byar! — Um dos homens de Bornhald lhe ofereceu água em um copo de cerâmica de um dos carros de boi. O líquido desceu gelado em sua garganta.
O homem de rosto esquelético desceu da sela.
— Sim, Senhor Capitão?
— Quando eu for enfrentar o inimigo, Byar — começou Bornhald, devagar —, você não tomará parte. Apenas observará de longe, e levará ao meu filho um relatório do que acontecer.
— Mas meu senhor Capitão…!
— Isso é uma ordem, Filho Byar! — retrucou, firme. — Você vai obedecer, não vai?
Byar se empertigou e ergueu a cabeça.
— Às suas ordens, meu senhor Capitão.
Bornhald estudou o homem por um momento. Ele obedeceria, mas era melhor dar outro motivo, além de contar a Dain como o pai havia morrido. Não era como se não tivesse informações urgentes para Amador. Tinha notícias urgentes desde que o encontro com a Aes Sedai… Eram uma ou duas? Trinta soldados dos Seanchan, bons soldados, e duas mulheres me custaram mais do que o dobro de baixas. Desde aquilo, ele não tinha mais esperanças de sobreviver a Ponta de Toman. Na improvável hipótese de os Seanchan não darem cabo de sua vida, os Questionadores com certeza se encarregariam disso.
— Depois que tiver encontrado meu filho, que deve estar com o senhor Capitão Eamon Valda, perto de Tar Valon, e contado a ele, você deve seguir para Amador e se apresentar ao senhor Capitão Comandante. A Pedron Niall em pessoa, Filho Byar. Você contará a ele o que descobrimos sobre os Seanchan. Deixarei as informações por escrito. Certifique-se de que ele compreenda que não podemos mais pensar que as bruxas de Tar Valon estão satisfeitas em manipular os acontecimentos dos bastidores. Se elas lutam pelos Seanchan, tenho certeza de que as enfrentaremos em outras batalhas. — Ele hesitou. A última informação era a mais importante de todas. As pessoas do Domo da Verdade precisavam saber que, mesmo com todos os famosos juramentos, as Aes Sedai estavam dispostas a entrar em batalha. Aquilo o deprimia, um mundo em que Aes Sedai usavam o Poder na guerra. Não sabia ao certo se lamentaria deixá-lo. Mas havia mais uma mensagem que ele queria que fosse levada a Amador. — E Byar… conte a Pedron Niall como fomos usados pelos Questionadores.
— Às suas ordens, meu senhor Capitão — respondeu Byar.
Mas Bornhald suspirou ao notar a expressão no rosto do outro. O homem não compreendia. Para Byar, ordens eram para ser obedecidas. Não importava se vinham do senhor Capitão ou dos Questionadores, e não importava quais fossem.
— Também escreverei essa mensagem, para que você a entregue a Pedron Niall — completou Bornhald. Tampouco sabia ao certo se aquilo adiantaria. Um pensamento lhe ocorreu, e ele franziu a testa ao olhar para a estalagem, onde os filhos martelavam os pregos nas janelas e portas com estrépito. — Perrin — murmurou. — Esse era o nome. Perrin, de Dois Rios.
— O Amigo das Trevas, meu senhor Capitão?
— Talvez, Byar. — Ele mesmo não tinha certeza, mas sabia que um homem por quem os lobos pareciam lutar não poderia ser outra coisa. E sabia que aquele Perrin matara dois Filhos. — Acho que o vi quando chegamos, mas não lembro de algum dos prisioneiros parecer um ferreiro.
— O ferreiro deles foi embora há um mês, meu senhor Capitão. Alguns estavam reclamando que teriam partido antes de chegarmos, se não tivessem precisado consertar as rodas dos carros sozinhos. Acha que aquele homem era Perrin, meu senhor Capitão?
— Quem quer que fosse, não há mais sinal dele, não é mesmo? E ele pode contar sobre nós aos Seanchan.
— Um Amigo das Trevas com certeza faria isso, meu senhor Capitão.
Bornhald engoliu o resto da água e jogou o copo no chão.
— Os homens não farão refeições aqui, Filho Byar. Não deixarei esses Seanchan me pegarem cochilando. Não importa se será Perrin, de Dois Rios, ou outra pessoa que os avise. Ordene que a legião monte, Filho Byar!
Longe, acima de suas cabeças, uma grande forma alada descrevia círculos no céu, sem que ninguém a visse.
Rand praticava as formas com a espada, na clareira onde haviam montado acampamento, dentro de um arvoredo no topo de uma colina. Queria parar de pensar. Tivera algumas chances de procurar o rastro de Fain com Hurin. Todos tiveram, de dois em dois ou três em três, para não atraírem muita atenção, e não haviam encontrado nada, até então. Naquele momento, aguardavam o retorno de Mat e Perrin com o farejador. Os três deveriam ter voltado havia algumas horas.
Loial estava lendo, é claro, e não dava para dizer se o tremelicar das orelhas peludas era por causa da história ou do atraso do grupo. Uno e a maioria dos soldados shienaranos estavam sentados, tensos, lubrificando as espadas ou vigiando as árvores, como se esperassem que os Seanchan fossem aparecer a qualquer momento. Apenas Verin parecia despreocupada. A Aes Sedai estava sentada em um tronco, ao lado da pequena fogueira, murmurando sozinha e rabiscando a terra com um longo graveto. Volta e meia ela balançava a cabeça, apagava tudo com o pé e começava outra vez. Todos os cavalos estavam selados e prontos para partir, e cada um dos animais shienaranos estava amarrado a uma lança fincada no chão.