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Por um momento, Ingtar pareceu prestes a pedir mais uma vez. No entanto, ao encarar a mulher, deu de ombros e se virou para Hurin.

— Quanto tempo até chegarmos a Falme?

O farejador coçou a cabeça.

— Se sairmos agora e cavalgarmos durante a noite, conseguimos chegar lá amanhã, no nascer do sol.

— Então é o que vamos fazer. Não perderei mais tempo. Selem os cavalos. Uno, quero que você traga os outros, venham depois de nós. Mas não sejam vistos, nem deixem qualquer pesso…

Rand fitou a roda rabiscada no chão enquanto Ingtar continuava a dar instruções. Estava quebrada, agora, e com apenas quatro raios. Por algum motivo, aquilo lhe deu um calafrio. Ele percebeu que Verin o observava, com os olhos escuros brilhantes e atentos como os de um pássaro. Precisou se esforçar para desviar o olhar e começar a arrumar os próprios pertences.

Você está se deixando levar por fantasias , ralhou consigo mesmo, irritado. Ela não pode fazer nada se não estiver lá.

45

Mestre Espadachim

O sol nascente avermelhado despontou no horizonte, projetando longas sombras nas ruas calçadas de pedra, que desciam rumo ao porto de Falme. Uma brisa marinha dobrava a fumaça das chaminés, acesas para o preparo dos cafés da manhã. Apenas os que acordavam cedo estavam fora de casa, soltando nuvens de vapor pela boca por conta do frio da manhã. A cidade parecia quase vazia em comparação à multidão que tomaria as ruas uma hora mais tarde.

Sentada sobre um barril virado, na frente de uma loja de ferragens ainda fechada, Nynaeve aquecia as mão debaixo dos braços e inspecionava seu exército. Min estava sentada no batente de uma porta do outro lado da rua, envolta no manto Seanchan, comendo uma ameixa seca. Elayne, em seu casaco de lã, se encolhia na entrada de um beco um pouco mais à frente. Um saco grande, afanado das docas, estava ao lado de Min, dobrado com cuidado. Meu exército , pensou Nynaeve, taciturna. Mas não há mais ninguém.

Ela avistou uma sul’dam e uma damane subindo a rua. A loira usava o bracelete, a morena, o colar, e ambas bocejavam, sonolentas. Os poucos falmenos também na rua desviavam os olhos e mantinham distância. Seu campo de visão ia até o porto, e não havia outro Seanchan à vista. Ela não virou a cabeça. Em vez disso, espreguiçou-se e moveu os ombros gelados, como se precisasse massageá-los e depois voltar à mesma posição. Min pôs a ameixa meio comida de lado, olhou para a rua com naturalidade e se recostou na porta. O caminho também estava livre naquela direção, ou ela teria apoiado as mãos nos joelhos. A menina havia começado a esfregar as mãos, nervosa, e Nynaeve percebeu que Elayne também se remexia, inquieta.

Se essas duas nos denunciarem, acerto a cabeça delas. Mas ela sabia que, se fossem descobertas, os Seanchan é quem diriam o que seria feito das três. Estava ciente de que não tinha ideia se o plano funcionaria ou não. Sua própria falha poderia ser o que as denunciaria. Mais uma vez, decidiu que, se qualquer coisa saísse errado, chamaria a atenção para si mesma enquanto Min e Elayne escapavam. Havia mandado as duas fugirem caso houvesse algum problema, e as fizera pensar que também fugiria. O que faria depois, não sabia. Mas não vou deixar que me peguem viva. Por favor, Luz, isso não.

Sul’dam e damane subiram a ladeira até alcançarem o ponto onde as três mulheres estavam à espera. Uma dezena de falmenos passava por ali, todos mantendo distância do par unido pela corrente.

Nynaeve reuniu toda a raiva que tinha. Encolaradas e Senhoras do Colar. Elas tinham prendido uma daquelas coleiras imundas no pescoço de Egwene, fariam o mesmo com ela e Elayne, se pudessem. Ela obrigara Min a contar como as sul’dam impunham sua vontade. Tinha certeza de que a jovem omitira alguns detalhes, os piores, mas o que ouvira fora suficiente para deixá-la com uma fúria incandescente. Em um instante, uma flor branca brotou em um ramo negro e espinhoso, abrindo-se para a luz, para saidar, e o Poder Único a preencheu. Ela sabia que havia um brilho à sua volta, para os que eram capazes de vê-lo. A sul’dam pálida levou um susto, e a damane morena ficou boquiaberta, mas Nynaeve não lhes deu nem chance. Canalizou apenas uma gota do poder, que estalou como um chicote.

A coleira prateada se abriu e caiu com um tinido sobre as pedras do calçamento. Nynaeve soltou um suspiro pesado de alívio, mas, no mesmo instante, levantou-se de um salto.

A sul’dam olhou para a coleira no chão como se encarasse uma cobra venenosa. A damane levou uma das mãos ao pescoço, trêmula. Antes que a mulher no vestido com desenhos de raios tivesse tempo de se mover, a damane se virou e socou na cara dela. Os joelhos da sul’dam cederam, e ela quase caiu.

— Bem feito! — gritou Elayne.

Ela também já avançava, assim como Min.

Antes de qualquer uma delas conseguir chegar até as duas mulheres, a damane olhou em volta, assustada, e correu o mais depressa que podia.

— Não vamos machucar você! — chamou Elayne. — Somos amigas!

— Fique quieta! — sibilou Nynaeve. Ela puxou um punhado de trapos do bolso e enfiou na boca da sul’dam, que ainda cambaleava, de queixo caído. Min sacudiu o saco, formando uma nuvem de poeira, e o enfiou pela cabeça d a sul’dam, cobrindo-a até a cintura. — Já estamos atraindo atenção demais.

Era verdade, mas não totalmente. A rua em que estavam se esvaziava depressa, e as pessoas que se afastavam, pensando que era melhor estar em outro lugar, evitavam olhar para o grupo. Nynaeve contava com aquilo para ganhar alguns instantes, com as pessoas fazendo o melhor que podiam para ignorar tudo que tivesse relação com os Seanchan. Os boatos apareceriam, mais cedo ou mais tarde, mas seriam apenas sussurros. Talvez levasse horas até que os Seanchan soubessem que qualquer coisa acontecera.

A mulher encapuzada começou a lutar, soltando gritos que eram abafados pelo saco, mas Nynaeve e Min a envolveram com os braços e a forçaram em direção a uma viela próxima. A corrente e a coleira se arrastavam atrás, tilintando contra as pedras.

— Pegue isso — mandou Nynaeve, dirigindo-se para Elayne com um tom ríspido. — Ela não vai morder você!

Elayne respirou fundo e segurou o metal prateado com cuidado, como se tivesse mesmo medo que ele fosse mordê-la. Nynaeve sentiu certa pena, mas não muita. Tudo dependia de seguirem o plano.

A sul’dam esperneava e tentava se soltar, mas, juntas, Nynaeve e Min a levaram à força pela viela até uma outra passagem um pouco mais larga atrás das habitações. Passaram por outra viela e, por fim, adentraram uma cabana rústica, de madeira, que já abrigara dois cavalos, a julgar pelas baias. Não eram muitos que podiam arcar com a manutenção de cavalos desde a chegada dos Seanchan, e, depois de um dia de vigia, Nynaeve não vira ninguém se aproximar do lugar. O interior estava úmido e empoeirado, indícios de abandono. Assim que todas entraram, Elayne deixou cair a corrente prateada e limpou as mãos na palha.

Nynaeve canalizou outra gota de poder, e o bracelete caiu no chão sujo. A sul’dam guinchava e se debatia.

— Prontas? — perguntou Nynaeve. As outras duas assentiram, e elas arrancaram o saco da cabeça da prisioneira.

A sul’dam respirava, ofegante, com os olhos azuis lacrimejando por causa da poeira, mas seu rosto estava vermelho tanto pelo saco quanto pela raiva. Ela tentou correr para a porta, mas as outras a impediram logo no primeiro passo. Não era fraca, mas eram três contra uma. Quando terminaram, a sul’dam estava sem o vestido e jazia em uma das baias, com as mãos e os pés amarrados com uma corda grossa enquanto outra corda a impedia de cuspir a mordaça.